Mbembe, necropolítica e crise da democracia
É sempre interessante quando as escritas acadêmicas passam a atingir o grande público. Nem toda pesquisa, é claro precisa ter esse objetivo, mas é excelente quando grandes obras cumprem este papel. Com os desastres anunciados do governo Bolsonaro, por exemplo, a obra do camaronês Achille Mbembe tem sido cada vez mais citada nas redes sociais, principalmente seu conceito de “necropolítica”. Como todo conceito amplamente difundido (ou, talvez, como tudo aquilo que cai nas redes), porém, há sempre o risco de esvaziamento de conteúdo.
Afinal, o que seria, então, a necropolítica? Uma primeira citação do próprio Mbembe dá o pontapé inicial para seu entendimento:
“A ideia segundo a qual a vida em democracia é, no seu fundamento, pacífica, policiada e desprovida de violência (nomeadamente sob a forma da guerra e da devastação) não nos convence. (…) a brutalidade das democracias nunca foi senão abafada. Desde as suas origens, as democracias modernas mostraram tolerância perante uma certa violência política, inclusive ilegal. Integraram na sua cultura formas de brutalidade levadas a cabo por uma série de instituições privadas agindo como mais-valia do Estado, sejam elas corpos francos, milícias ou outras formações militares corporativistas”.
A citação acima é recheada de sentidos. Percebe-se, por exemplo, que, para Mbembe, as democracias modernas não devem ser enxergadas como sistemas teoricamente perfeitos que, vez ou outra, são atingidos por violências e falhas externas. Para o autor, seja ela estatal, seja ela privada (ainda que igualmente ligada aos mesmos interesses do Estado), a violência é parte integrante da própria democracia. E isto não é fruto de alguma degeneração ou crise dos Estados democráticos, mas característica original e fundante dos mesmos.
Para continuar lendo a matéria de Almir Felitte para Outras Palavras,
clique aqui.