A cruz e a árvore do linchamento
Rosino Gibellini*
Tradução: Moisés Sbardelotto
O cinema está propondo – com dimensão internacional – o tema da escravidão praticada em particular nos Estados do sul dos Estados Unidos antes da Guerra Civil (1860-1865) com dois filmes.
O duro filme de Tarantino, Django Livre, que, através da ficção de um célebre escravo, ao qual são removidas as correntes, permite uma revisitação dos campos de trabalho de algodão e tabaco, e das fazendas, onde os escravos trabalhavam, submetidos também a práticas de extrema e perversa desumanidade, reconstruídas no filme com realismo.
Continua sendo um documento contra o racismo cruel da América branca. Um historiador escreveu: "Um reino de terror prevalecia em muitas partes do Sul" (cf. alguns livros que retornaram à atualidade historiográfica, do dossiê sobre a Teologia Negra, Giornale de Teologia, 109, 1978).
O douto filme de Spielberg – quase um contraponto ao filme de Tarantino –, de seco título Lincoln, reconstrói todo o processo, até mesmo tortuoso, para chegar, no fim da Guerra Civil, à aprovação da famosa 13ª Emenda à Constituição norte-americana, que abole a escravidão (1865) em todos os Estados Unidos, incluindo os 13 Estados norte-americanos secessionistas do Sul (Alabama, Arkansas, Carolina do Norte, Carolina do Sul, Flórida, Geórgia, Louisiana, Mississippi, Tennessee, Texas, Virgínia).
O filme termina com o som dos sinos, pela dupla vitória anunciada – fim da guerra (600 mil mortos) e abolição da escravidão –, mas também com a morte do presidente Lincoln, três dias depois da vitória.
Certamente, outros cadáveres seguirão no tempo – em conexão com a causa dos negros –, Martin Luther King, Malcolm X, o presidente Kennedy.
A luta pela dignidade dos negros nos EUA da arrogante supremacia dos brancos também é um capítulo da teologia do século XX – a Black Theology – que eu ilustrei em um capítulo escrito na biblioteca especializada em Black Studies, do International Theological Center, de Atlanta (Geórgia), para a Teologia do Século XX (1992, 2007, 6, 411-445).
A teologia negra está agora comprometida, culturalmente, com o estudo das slave narratives, os relatos do tempo da escravidão, que contêm uma teologia, em que a fé em Deus e em Cristo é expressada pela comunidade negra com a linguagem ancestral da cosmovisão africana.
Entre os textos recentes da black theology deve-se incluir o livro de James Cone, dedicado a uma sofrida comparação, A Cruz e a Árvore do Linchamento (New York, 2011).
O linchamento era uma forma de bárbaro suplício para os escravos, que, por punição (fora de qualquer regulamentação de lei), eram mortos enforcados em uma árvore, para o escárnio dos brancos. Os historiadores da escravidão enumeram em alguns milhares os casos de prática do linchamento de negros.
Agora, James Cone, o principal representante da teologia negra, autor de Uma Teologia Negra da Libertação (1970) e de O Deus dos Oprimidos (Queriniana, 1978), desenvolve no seu novo livro a história do linchamento, com ampla documentação histórica, acompanhada de uma intensa reflexão teológica.
* Teólogo, doutor em teologia pela Universidade Gregoriana de Roma e em filosofia pela Universidade Católica de Milão.
(Fonte: Site do Instituto Humanitas Unisinos)