Eugênio Magno
Na qualidade de assessor do Centro Nacional de Fé e Política Dom Helder Câmara – CEFEP-DF, participei recentemente de um seminário em Brasília. Um dos temas mais quentes da discussão foi o da democracia como ideal normativo. O filósofo e professor da Universidade Federal do Ceará, Manfredo Araújo de Oliveira, citando o pensador alemão Jürgen Habermas, disse que a linguagem é o grande ponto de partida para se entender este ideal, uma vez que tudo se inicia com o discurso argumentativo a partir da ética e do direito. O professor afirmou que essas áreas – embora possuam dimensões distintas, cada uma com sua lógica própria – são complementares, e fez uma bela exposição sobre a sua tese que aqui tento reproduzir.
Segundo Manfredo, os direitos humanos, por exemplo, são outorgados para que as discussões sejam possíveis, tendo a dimensão material humana como base, levando-se em conta que o ser humano questiona, ou deveria questionar, tudo, sem limites, pois é livre para se descolar do fático e/ou até dele mesmo. Kant dizia que a grandeza do homem está em agir a partir de sua autodeterminação e não do poder de conquistar o mundo. Mas a liberdade humana está presa a questões institucionais e às esferas políticas, econômicas, sociais, culturais, etc., que naturalmente envolvem uma dimensão ética.
Diferentemente do que, na maioria das vezes, pensamos, a ética não é um código de deveres pesado. Trata-se de uma decisão pessoal, e caracteriza um ser que não apenas vive, mas que se pergunta pelo sentido de tudo e, portanto, pelo sentido de sua vida, pela razão de suas ações. A ética nasceu na polis grega como a pergunta pelos critérios que pudessem tornar possível o enfrentamento da vida com dignidade. Isto significa dizer que o ponto de partida da ética é a vida, a realidade humana, que, em nosso caso, é uma realidade de fome e miséria, de exploração e exclusão, de desespero e desencanto frente a um sentido para a vida. É neste ponto que somos remetidos diretamente à questão da democracia, um projeto que se realiza nas relações da sociabilidade humana. E a luta do ser humano é pela liberdade, em todos os sentidos, na perspectiva histórica, uma vez que ele não será plenamente humano enquanto for oprimido e não tiver garantido os seus plenos direitos sem nenhum tipo de coerção. O mundo político só tem razão de ser se estiver a serviço da efetivação do ser humano livre. Assim é que deve se configurar a democracia.
Tendo em vista este horizonte, uma sociedade só poderá ser ética na medida em que for democrática e, conseqüentemente, igualitária. Portanto, a construção de uma sociedade igualitária é o nosso grande projeto enquanto seres humanos que almejam a liberdade. Como dizia Betinho: uma sociedade é igualitária quando respeita as diferenças, e não fere a igualdade.
Não esqueçamos, porém que a democracia tem no conflito a sua essência e que toda solução encontrada é relativa, temporal, histórica. Trata-se de um projeto de construção que só será possível se efetivar através de uma sociabilidade solidária que acontece através da linguagem, das trocas simbólicas. E o ser humano enquanto ser simbólico manifesta de forma privilegiada a sociabilidade como dimensão essencial do seu existir. Podemos até falar de uma corrente pré-lingüística do mundo das vivências humanas, mas até as necessidades mais íntimas e os sentimentos mais profundos do ser humano se diferenciam de acordo com suas articulações lingüísticas, e é fenômeno conhecido pelos cientistas sociais que uma linguagem comum exerce uma influência determinante de unificação sobre o mundo dos sentimentos humanos.
Todavia a nossa sociedade é uma sociedade da excitação, do espetáculo que vive a lógica da mercadoria, onde o ser se tornou sinônimo de aparecer. Nessa conjuntura, a questão comunicacional hoje é antropológica. Com os sistemas sofisticados de comunicação, o mais profundo de nossas convicções, emoções e sentimentos estão sendo atingidos. As pessoas não pensam mais, estão sendo pensadas e assim, as comunicações vão configurando as pessoas. Comunicação esta que é ainda mais poderosa enquanto implícita do que quando explícita. Para darmos uma dimensão ética à comunicação, é preciso que se articule balizas fundamentais de humanização da sociedade. Os veículos de comunicação devem promover e difundir a cultura do direito. Inclusive do direito de se educar o ser humano para a mídia, considerando que por trás de todo projeto educacional deve existir o pressuposto ético da emancipação humana. É fundamental que haja uma reeducação dos sentidos. Só com a transformação de nossas matrizes simbólicas poderemos construir o tão sonhado mundo novo.