Os aposentados pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) vivem inseguros e são constantemente traídos.
O Trânsito em Julgado da “revisão da vida toda”, para citar um fato gravíssimo, ocorrido recentemente, quicou igual bola de pingue-pongue, de um ministro para outro, no Supremo Tribunal Federal (STF), pelo menos por uns três anos. Isso, depois de ter a aprovação do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) que definiu por intermédio do tema 999 o entendimento de que “a ‘revisão da vida toda’ é plenamente possível e encontra respaldo legal e jurídico”, e determinou que todos os tribunais inferiores adotassem esse mesmo entendimento. O tema também havia sido aprovado pela suprema corte no final de 2022. Mas agora, ao mudar de ministros, o mesmo STF mudou a decisão tomada anteriormente.
Se já era cruel assistir ao jogo calculado do supremo que parecia esperar pela morte de aposentados com direito a revisão, a prescrição de prazos legais para diminuir impactos econômicos e facilitar os interesses do INSS e suas constantes interposições de recursos ao processo, além de observar orientações do governo e do mercado, muito pior foi o desfecho. A “revisão da vida toda” tomou sete raquetadas, para infortúnio de milhares de aposentados que alimentavam a esperança de uma pequena correção em seus rendimentos, um direito adquirido, covardemente derrubado por quem goza de grandes privilégios e são pagos pelos cidadãos.
Para continuar com a metáfora do pingue-pongue, a então ministra, Rosa Weber, fez que foi mas não foi. Deu um voto favorável, porém com restrições; saiu do jogo e deixou a bola quicando. Cristiano Zanim deu mais de um toque: levantou a bola nas alturas para ele mesmo cortar e deu a primeira raquetada contra os aposentados. Foi seguido por Flávio Dino, Dias Toffoli, Luiz Roberto Barroso, Luiz Fux, Gilmar Mendes e Nunes Marques. Por outro lado (pasmem), o bolsonarista, “terrivelmente evangélico”, André Mendonça, destoou da orquestração neoliberal e foi favorável à revisão. Carmem Lúcia, Edson Fachin e Alexandre de Moraes mantiveram suas posições, se dignaram a defender a causa dos aposentados. Bastavam os dois votos dos ministros recentemente indicados por Lula, Zanim e Dino, e o placar teria sido de 6 X 5 para os aposentados. Mas não foi o que ocorreu. Governo, INSS e STF massacraram os aposentados por 7 X 4. A orientação governamental era outra e o fato é que um governo que tem presidente e partido de origem popular optou por sacrificar os que sempre lhe apoiaram, para atender, mais uma vez, os endinheirados.
Ministros identificados pela mídia e pelos progressistas como governistas – um deles oriundo de partido comunista –, votaram contra quem deu o sangue e a vida trabalhando pelo país. Com a decisão da elite burocrática brasileira, aposentados perdem a possibilidade de terem suas aposentadorias ajustadas, um direito já assegurado e garantido, com vitórias no STJ e no próprio STF, onde aguardava apenas Trânsito em Julgado e na sequência, escalonamento e agenda de pagamento pelo INSS. Mas, a expectativa foi embora pelo ralo, para satisfazer as pressões do capital e aos ditames do establishment. Essa é mais uma das contradições incompreensíveis que o cidadão sente na pele, no bolso e na mesa. Tudo isso para sustentar a falácia de que a “revisão da vida toda” ameaçava a saúde financeira do país. Se a preocupação era com os cofres públicos, quem barrou o processo não levou em conta que o valor total do desembolso aos aposentados seria bem menor do que o custo anual do judiciário brasileiro que é quatro vezes mais caro do que a média dos orçamentos dos judiciários do mundo, inclusive os de países ricos como Estados Unidos e Inglaterra.
As desculpas, injustificáveis, dadas pelos algozes dos aposentados variam de acordo com a pergunta e a conveniência do momento. Todas as pretensas explicações e, até mesmo os votos dos ministros da suprema corte têm sido refutados. Especialistas em previdência já afirmaram em diversas ocasiões que o maior gargalo é o da Previdência Pública. E não é segredo para ninguém que os maiores benefícios pagos são exatamente os do judiciário, executivo, legislativo, Forças Armadas e funcionalismo público federal como um todo. Esse pessoal aposenta com o mesmo salário da ativa e em certos casos com alguns penduricalhos a mais. Sem contar os servidores públicos, inclusive juízes, que infringem a lei e ao serem afastados de seus cargos, em vez de serem punidos, são premiados com uma aposentadoria compulsória. Isto é, param de trabalhar e continuam a receber polpudas aposentadorias.
Desde o impeachment de
Dilma Rousseff, com Michel Temer na presidência, que os limites entre os três
poderes da república têm se mostrado extremamente porosos. Situação agravada no
governo de Jair Bolsonaro e que perdura no atual mandato do presidente Luiz
Inácio Lula da Silva. Vivemos tempos difíceis e a nossa frágil democracia vem
sendo constantemente ameaçada. Não há dúvida quanto a importância do atual governo
para deter a sanha golpista, recuperar os estragos causados na estrutura do
Estado, defender a democracia, as instituições republicanas e a autonomia de
cada uma delas como contrapesos do sistema. No entanto, as próprias
instituições deveriam se ater aos seus papéis constitucionais em todas e
quaisquer circunstâncias, não somente quando a sobrevivência de seus integrantes
enquanto funcionários públicos do alto escalão é ameaçada e suas reputações
atacadas. Nesse episódio da “revisão da vida toda”, por exemplo, que penalizou
os aposentados, o STF que deveria se concentrar apenas no aspecto legal, tomou
uma decisão política e econômica. No entender dos aposentados, dos seus
advogados e de juristas especializados na matéria, a decisão da suprema corte foi
claramente política e econômica.
É praticamente unânime a opinião de autoridades no assunto de que o INSS supervalorizou o desembolso que teria de fazer se os pagamentos aos aposentados fossem autorizados. A Previdência chegou a falar em R$ 478 bilhões, quando juristas e peritos que acompanham o caso estimam que o valor não ultrapassaria R$ 3 bilhões. Há quem acredite que R$ 1,5 bilhões seriam suficientes, já que nem todos que entraram com o processo pedindo revisão teriam direito, assim como não foram todos os aposentados com direito à revisão que entraram com o processo até a data limite. Os cálculos de desembolso corrigidos, apresentados pelo INSS foram exageradamente inflacionados. O órgão alardeou que se a revisão da vida toda passasse, o país quebraria. Pura desfaçatez. Todo brasileiro com mínimo acesso à informação sabe muito bem onde está a ameaça: o que pode quebrar o Brasil são as mamatas de ocupantes do poder e os assaltos que os ricos promovem aos cofres públicos todos os dias com o beneplácito dos governos de plantão. Os aposentados, ao contrário, sustentaram o país como trabalhadores e continuam a sustentar como investidores e sócios lesados de uma previdência que sempre se negou a remunerá-los na proporção de seus investimentos (contribuições) ao longo de décadas, para garantir uma velhice digna. E agora, o INSS ao arquitetar o que já está sendo chamado de estelionato previdenciário condena os aposentados com direito a “revisão da vida toda” a penúria, privando-os de um ajuste mínimo para corrigir parte do prejuízo que vêm contabilizando como contribuintes de toda uma vida.
Se tudo isso não bastasse, somado ao vazamento dos contatos dos segurados para o assédio de bancos, financeiras e escritórios de advocacia, o Instituto Nacional do Seguro Social foi flagrado nos últimos dias em mais uma das suas. Um relatório concluído por auditores do Tribunal de Contas da União (TCU) identificou a existência de “controles frágeis” dentro do INSS. Fragilidade essa que permite descontos indevidos em larga escala por associações, feitos de forma direta na folha de pagamento dos aposentados.
É desconcertante constatar o quanto o eleitor e o cidadão são instrumentalizados nesse país. Vale tudo pelo poder e só o poder e o dinheiro interessam àqueles que deveriam nos representar, mas que representam apenas os seus próprios interesses. Câmara, senado e imprensa – tradicional e progressista – não se manifestaram contra o supremo quando seus ministros apoiaram a causa dos ricos ao votarem contra o direito dos aposentados. Entretanto, o parlamento agora critica o STF de judicializar a desoneração da folha de pagamento, como se no Brasil a judicialização da política e a politização da justiça não fosse prática corriqueira, atendendo interesses à direita e à esquerda. Comportando-se já há algum tempo como biruta de aeroporto, alguns órgãos da mídia progressista autoproclamada como bastião da ética e de jornalismo independente, equilibrado e de qualidade, adota o silêncio dos cúmplices no episódio dos aposentados, mas desanca o senado e defende intransigentemente o STF na pauta mais recente, e assim segue como assessoria de imprensa do governo.
O mais bizarro nessa história da “revisão da vida toda” é o seguinte: o ex-presidente, Jair Bolsonaro e seu ministro da economia, Paulo Guedes, que tanto fez para aprofundar as desigualdades e beneficiar as elites econômicas, também tentou desferir esse golpe contra os aposentados e não conseguiu, mesmo com dois ministros nomeados por ele no STF. Mas, por ironia do destino é justamente no governo Lula que a esperança de trabalhadores aposentados finda, com sua obediência excessiva ao Banco Central e a Faria Lima.
Como tudo nesse país é possível, a solução para os aposentados talvez seja a criação de um movimento que articule algo do tipo ação popular especial. O movimento reuniria aposentados com direito à “revisão da vida toda”, parlamentares, juristas, peritos e advogados especializados em previdência, interessados na causa, para requerer o saque total das contribuições dos aposentados, acrescido de juros, correção monetária e outros ganhos processuais por prejuízos financeiros, assédio moral, em razão do uso indevido dos seus dados e por outras perdas. Afinal, é assim que todo e qualquer investidor age quando não está satisfeito com o retorno dos seus investimentos ou se sente lesado pelas operadoras. No caso dos especuladores da bolsa esse tipo de atitude tem amparo legal e conta com as garantias do Banco Central. No que diz respeito as contribuições pagas à Previdência, por não ser investimento especulativo, mas garantia de sobrevivência dos idosos, a coisa é ainda mais grave e tanto o INSS quanto o Estado brasileiro não podem sair impunes desse jogo combinado contra os aposentados.