Conte apenas com uma pessoa: você mesmo
Fabio Hernandez
Uma cena de Beleza Americana me impressionou particularmente. O filme
todo me fascinou, aliás. Tenho que vê-lo de novo. Acho sublime,
comovedora aquela busca desesperada e vã do homem pela juventude
perdida. Mandar para o lixo a carreira bem-comportada depois de uma
conversa franca com o chefe dilbertiano e ir trabalhar numa lanchonete,
sem metas e cobranças que fossem além de entregar com um sorriso o
hambúrguer para o freguês. Comprar um carrão imprestavelmente lindo de
20 anos atrás apenas para realizar um sonho que ficara lá longe num
mundo que se perdera. E correr atrás de uma garota como se fosse, ele
próprio, um garoto, e não um homem vencido pelo correr dos dias. Braços
remando contra a correnteza, como escreveu Fitzgerald no final de
Gatsby.
Somos condenados a remar contra a correnteza, e só não encerro esta
digressão aqui porque me ocorre uma frase cortante como a espada de
Musachi, o maior dos samurais: o tempo nos tira as certezas que temos na
juventude e, ao perdê-las, vai com elas uma ousadia petulante que é
maravilhosa por ser ingênua. E essa é a maior das maldades do tempo,
ainda que as certezas fossem, todas elas, erradas. Mas era sobre a cena
da primeira sentença que eu queria falar.
A mãe frustrada, que imagina encontrar a resposta para um casamento
miserável nos braços de um amante rico e engomado, diz para a filha
depois de uma briga conjugal que terminou com pratos lançados na parede:
“Você aprendeu a maior de todas as lições. Você aprendeu que tem que
contar apenas com você mesma”. Quando narrei esse episódio a tio Fábio,
ele, com sua voz estentórea de imperador romano, disse: “Sócrates não
teria falado nada melhor. Talvez Sêneca, mas mesmo assim não tenho
certeza”. (Sêneca era o filósofo predileto de tio Fábio.)
Temos que contar com nós mesmos, e no entanto quase sempre
depositamos nossa felicidade (ou nossa infelicidade) nos outros. Ninguém
pode nos ajudar se nós próprios não nos ajudamos. Ninguém mesmo: nem a
mãe, o pai, o amigo, o irmão, a namorada ou a mulher. Ninguém. Vivemos
num mundo em que a solidão é tratada como um anátema, um estigma, um mal
a evitar. Um grande homem da Roma Antiga disse que jamais estava menos
só do que quando estava só, entregue às reflexões.
E no entanto poucas coisas nos enchem de tamanho horror quanto a
solidão. É porque não contamos com nós mesmos. E assim – e lá vou eu
para mais uma de minhas citações favoritas – estamos sempre fugindo de
nós mesmos. A única coisa que temos sob nosso controle somos nós. Nossa
mente e nossas ações. O resto, não. Sua namorada deixou você? É triste,
se você gosta dela, mas, se você tem presente que deve contar mesmo é
com você próprio, esse é um episódio de tranqüila superação.
Não está no seu controle obrigá-la a amá-lo até o último dia. Sob seu
controle está você mesmo. É com você mesmo que você deve contar. Não
pode haver mais sólido refúgio do que esse contra as adversidades e
incertezas da vida. Foi isso que, naquela cena de Beleza Americana, a
mãe disse à filha. Era uma mulher histérica, descontrolada, falsa. Mas,
vale a repetição, nem Sócrates poderia ter dito uma coisa mais sábia à
garota arrasada.
(Fonte: DCM: diariodocentrodomundo.com.br)