Mural da Escola Municipal Paulo Freire, do bairro Cidade Nova, Caxias do Sul
(Foto: Claudia Velho/reprodução)
Quem tem medo de Paulo Freire?
por Eugênio Magno
Nem mesmo as universidades brasileiras que nunca deram
muita bola para Paulo Freire têm medo dele. Ao contrário, gritam a seu favor,
especialmente nesses tempos em que a educação é medida pela régua dos desescolarizados
que vão dos influenciadores aos aboletados no poder em nosso país e os que
gravitam em seu entorno. Tampouco meninas e meninos temem Freire. Afinal, ele
não era comunista, não comia criancinhas.
É certo que jamais temeram ou
temeriam Paulo Freire os envolvidos no Movimento de Cultura Popular (MCP) em
que Freire tomou parte como um dos seus fundadores juntamente com outros
intelectuais e estudantes. O projeto do MCP foi um sucesso absoluto e os
números de suas realizações surpreendentes: 19.646 alunos, 452 professores e
174 monitores em 626 turmas, com 201 escolas participantes; uma rede de escolas
radiofônicas, centros de artes plásticas e artesanato, entre outras atividades
e formas lúdicas de promover a cultura, o aprendizado e a alfabetização de
crianças, jovens e adultos, somente na cidade de Recife (PE), no período de
1960 a 1962. Também não se amedrontam com Freire os 300 trabalhadores
alfabetizados em 45 dias na localidade de Angicos (RN), projeto que conquistou
a simpatia do então presidente da república João Goulart que, através de
portaria do Ministério da Educação e Cultura (MEC), determinou a criação da
Comissão de Cultura Popular, tendo Freire como presidente. Muito menos teriam
medo do Patrono da Educação Brasileira os intelectuais Herbert José de Souza
(Betinho), Júlio Furquim Sambaquy, Luiz Alberto Gomes de Souza e Roberto
Saturnino Braga, membros dessa comissão presidida por Freire, responsável pelo
nascimento do Programa Nacional de Alfabetização (PNA), que através do “Método
Paulo Freire”, tinha como objetivo alfabetizar politizando 5 milhões de
adultos. Somente no ano de 1964, 2 milhões de alunos seriam formados pelos 20
mil Círculos de Cultura a serem instalados no ano do golpe.
Desde Angicos, os militares aquartelados na caserna – em especial o
general Castelo Branco – estavam desconfiados do caráter “subversivo” do método
adotado por Paulo Freire. Os movimentos de educação popular constituíam uma
grande ameaça para o sustento da antiga situação do país e a direita nunca
ocultou sua hostilidade em relação a essas iniciativas. Eles não compreendiam
porque, Paulo Freire, um educador católico, teria se tornado um representante
dos oprimidos. Nesse período era muito forte o ódio ao comunismo e a campanha
contra esse regime ou a qualquer ideia ou movimento que fosse libertador, mesmo
que de caráter exclusivamente humanista e, ainda que não tivesse qualquer
relação ideológico-partidária direta. Assim, os setores conservadores passaram
a atacar o movimento de democratização da cultura, ao perceberem que ali – numa
pedagogia da liberdade – estaria o germe da rebelião e passaram a acusar Freire
de “comunista”, “subversivo internacional” e “traidor de Cristo e do povo
brasileiro”. Neste cenário, o golpe de Estado de 1964 não só interrompeu os
esforços envidados no campo da educação popular de adultos, assim como levou
Paulo Freire à prisão e depois ao exílio por mais de 15 anos.
Paulo Reglus Neves Freire nasceu às 9 horas da manhã, do dia 19 setembro
de 1921, em Recife, no Estado de Pernambuco. Na semana passada, muitas das
homenagens dirigidas a Freire ressaltavam que se vivo estivesse estaria
completando 98 anos de idade. Todavia, deve-se advertir que Paulo Freire não
morreu. Ele está mais vivo do que nunca. A maior prova disso é o medo de Freire
que paira sobre seus detratores e perseguidores – do passado e do presente.
Estes são, na verdade, quem mais o homenageiam. Estaria, essa gente, assombrada
com o seu fantasma (?); ou seria do seu legado de um projeto educacional
humanista reconhecido em todo o mundo que os seus antagonistas têm tanto
pavor?
Eles continuarão a se borrar de medo. Pois, Freire não está mais entre
nós, corporeamente, para ser preso, exilado ou coisa que o valha. E, no Brasil
desse bolsonarismo torpe, a “Pedagogia
do oprimido” é uma arma letal
para interromper esta ópera-bufa encenada no centro do poder nacional. Para
usar mais uma expressão típica desse tempo de truculência sociocultural e
linguagem policialesca, para matar
Freire seria necessário eliminar seu lugar – definitivamente – já assegurado na
história: títulos de Doutor Honoris Causa e outras honrarias acadêmicas em
centenas de universidades pelo mundo afora; títulos de cidadão honorário de
várias cidades brasileiras; prêmios e homenagens diversas: estátuas, monumentos,
pinturas, letra de música e até enredo de escola de samba. Presidente honorário
de várias instituições nacionais e internacionais. Auditórios, teatros, salas,
bibliotecas, diretórios e centros acadêmicos e ainda, praças, avenidas, ruas,
conjuntos habitacionais e estabelecimentos de ensino no Brasil e no exterior,
batizados com seu nome. Bolsas de pesquisa de pós-graduação, medalhas,
condecorações e diversos prêmios receberam o nome de Paulo Freire, fora os
centros de pesquisa, documentação, informação, divulgação e estudos sobre ele
em várias nações.
Nada do que Freire representa pode
ser apagado. Muito menos suas ideias que – ultrapassaram continentes,
atravessaram décadas, fronteiras e gerações –, continuam presentes e, na
atualidade, ganham cada vez mais corpo, diante dessa urgente necessidade de
escolarização de um grande contingente de brasileiros, inclusive de parte da
classe dominante chamada, equivocadamente, de elite (só se for do atraso). Mas
pode-se supor, pela sua vida e sua obra, que tudo isso para Freire era
insignificante frente a seu radical e permanente compromisso com os explorados
e oprimidos do mundo, onde e quando estivessem.
Este texto foi publicado no jornal Pensar a Educação em Pauta e no Facebook.
REFERÊNCIA:
OLIVEIRA, Eugênio
Magno Martins de. Fernando
Birri e Paulo Freire: educação e
cinema em diálogo como práticas da liberdade / Eugênio Magno Martins de
Oliveira. Tese de doutorado. Belo Horizonte: Faculdade de Educação – FaE /
UFMG, 2017.