(Foto: Eugênio Magno)
Oportunistas, apocalípticos
e proféticos
em tempos de
contaminação global
Eugênio Magno
O que dizer em hora tão urgente?
Algumas pessoas em grupos de redes sociais têm reagido muito mal ao excesso de
postagens sobre o novo coronavírus (COVID-19). Também pudera, com tantas
comunicações desencontradas e fake news, haja paciência para essa enxurrada de
informações, em sua maioria desqualificadas. As reações são diversas: “vamos
manter o foco”, “não aguento mais ouvir falar de coronavírus”, “aqui não é lugar
pra isso”, “vamos concentrar no nosso trabalho”, etc. Quando leio e ouço tais
reações e comentários, me pergunto: qual deveria ser o foco? Em qual espaço se
pode falar com liberdade sobre a pandemia que ultrapassa muros, fronteiras,
classes sociais e persegue a todos – independentemente de cor, raça,
nacionalidade, crença, gênero –, por toda parte e em todo o mundo? Devemos concentrar
no nosso trabalho – concordo. Mas concentrar no que o nosso ofício e expertise
pode contribuir para conter a contaminação. Apoiar as pessoas para que não se
desesperem diante de ameaça tão letal. Ajudar a pensar propostas de trabalho e
renda, com garantia imunológica, para vencer a crise econômica e financeira que
já se abate sobre nós, é ainda mais grave para os mais pobres e tende a se
acirrar nos próximos dias, podendo chegar a picos insustentáveis.
Como não falar sobre o
coronavírus e seus diversos efeitos em nossas vidas e em nossas relações
afetivas, familiares, comunitárias, profissionais, econômicas, políticas e,
especificamente, no nosso caso, comunicacionais e educacionais? É nosso dever como comunicadores e educadores
colaborar no processo de educação da população para as medidas de prevenção contra
a Covid-19 com base nas orientações da Organização Mundial de Saúde (OMS). Mas
é também de nossa responsabilidade pensar formas de sustentar a ação pedagógica,
utilizando-nos dos meios virtuais e digitais, propondo pesquisas, leituras e
experimentações que os educandos confinados possam realizar em seus lares. De
acordo com a área de atuação de cada comunicador/educador, toda contribuição no sentido de
minimizar os impactos psicoemocionais e ocupacionais da população são
bem-vindas. É hora de fazer valer nossos diplomas, livros, artigos, pesquisas,
especializações, amparos institucionais, salários, bolsas (as que ainda
existem) e, fundamentalmente, nosso conhecimento e capacidade de articulação e mobilização.
O momento nunca foi tão oportuno para que arquitetemos, anunciemos e ensinemos
o novo.
O foco da população, como um
todo, não pode e nem deve ser na doença, no vírus. É imprescindível que
reconheçamos a sua potência para que possamos combatê-lo com a força necessária
para liquidá-lo, mas não nos esqueçamos de usar a nossa perícia e robustez criativa
para encontrar soluções para os vários desdobramentos da pandemia em nossas
vidas. Ficar em casa, isto é, manter o distanciamento social, deveria ser algo
indiscutível. Todavia, carecemos ainda de outras medidas que, além de contemplar
todas as recomendações de precaução para deter o avanço da contaminação, consigam
ultrapassar esse limite e proporcionar a cura e os cuidados devidos e necessários
aos infectados. E ainda buscar alternativas para o colapso econômico. Para que
isso ocorra, entretanto, muitas ações estratégicas devem ser incrementadas de
forma responsável. Necessitamos, por exemplo, reconhecer que é vital o
funcionamento de setores essenciais como os de saúde, segurança, combustíveis, transporte,
telecomunicações, energia, água, vigilância sanitária, alimentação, pesquisa,
ciência e tecnologia, para citar apenas alguns deles que, por sua vez, dependem
de outros subsetores de suporte, para garantir suas atividades. Tudo isso, independentemente
da vontade, ou do que a capacidade cognitiva dos dirigentes de nosso país
consiga entender como melhor ou pior para a nação. Até porque, em meio a tantos
decretos e revogações, informações e contrainformações, na esfera governamental,
tornou-se impraticável submetermo-nos sem reflexão a qualquer ordem advinda do
poder central, enquanto não houver razoabilidade, lucidez e o mínimo de
garantias de que estaremos tomando o rumo certo.
Em meio ao caos social, a
crise econômica e a pandemia que ameaça a saúde de toda a população, nossas
lideranças políticas encontram-se totalmente perdidas no imbróglio de seus
projetos de poder e continuam sem apresentar qualquer solução factível para o
enfrentamento da situação. Enquanto blocos de uma direita oportunista e
inescrupulosa antecipam a luta para a divisão dos possíveis despojos da
meteórica ascensão e queda do bolsonarismo, parte significativa da esquerda e a
grande maioria dos grupos associativos reduzem suas pautas a críticas ao
governo Bolsonaro e a reivindicações sobre perdas sofridas (o que é justo, mas se
distância e muito de nossas emergências). Chutar cachorro morto é coisa fácil.
Até mesmo setores ultraconservadores, aliados aos saqueadores do Estado
brasileiro que contribuíram para instaurar o desmonte da Res publica, resolveram reagir de forma vigorosa contra o atual
governo. O cenário, definitivamente, não é dos mais alvissareiros, com ou sem
Bolsonaro que, aliás, comete suicídio político todas as vezes que usa a caneta,
abre a boca ou fica online.
Se os progressistas, as
esquerdas lúcidas e os defensores da democracia não se unirem em torno de um
projeto político, econômico, de saúde e de desenvolvimento que sensibilize a
população e ponha freio neste trem desgovernado, o que assistiremos – como
meros espectadores – será uma já anunciada troca de mãos, no manejo dos
destinos de nosso país, para dar mais do mesmo ao nosso povo pra lá de sofrido.
Excetuando o espectro dos oportunistas abjetos, é perceptível que segmentos da
sociedade têm se subdividido entre apocalípticos e proféticos neste entreato da
história que aponta para uma mudança de paradigma no modus vivendi da humanidade e na economia mundial. Estou alinhado
aos proféticos, mas consciente de que profetismo requer mais que denúncia. Essa
já está feita, não somente pelo coro das vozes dissidentes, como também e,
principalmente, pelas próprias circunstâncias em que nos precipitamos. Agora é
a hora d’a onça beber água. Os tempos carecem de anúncio.
Chegou o momento de todos os
seres pensantes desse país – os poucos que ainda podem se dá ao luxo de sobreviver
ainda que, hibernando confinados em “quarentena” –, usarmos toda a nossa
reserva de força imunológica e capacidade de trabalho para contribuir com o
país e com o mundo. Garantir o futuro dos que vierem e, quiçá, oportunizar um
pouco mais de vida digna a nós mesmos e àquilo que representamos socialmente.
Este artigo também foi publicado no jornal Pensar a Educação em Pauta.