Lista oficial de mortos pela ditadura pode ser ampliada
Dentre os mais de 1.200 nomes analisados, o estudo detalha a morte ou desaparecimento de ao menos 600 pessoas hoje não relacionados na lista oficial de 357 mortos (familiares contam 426). Os novos casos, para a Secretaria de Direitos Humanos, têm relação direta ou indireta com a repressão da ditadura.
O documento, que ainda sem endosso do governo, será encaminhado à Comissão da Verdade e à Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, que ficarão responsáveis pela decisão de elevar ou não o número de mortos do período.
Não há relação entre o reconhecimento dessas vítimas e a concessão de indenizações a seus familiares -o pedido precisa ser requerido.
O estudo é polêmico, admite o autor, Gilney Viana, coordenador do projeto Direito à Memória e à Verdade da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência. Principalmente no que diz respeito à relação das mortes com os crimes praticados pela repressão. Comprovar a ligação é fundamental para o reconhecimento oficial dos nomes como vítimas da ditadura.
Apesar de a ditadura ter ido de 1964 a 1985, o estudo considera formalmente o período iniciado em 1961 com base na anistia política prevista na Constituição de 1988.
Ex-preso político e ex-deputado do PT, Gilney afirma que o objetivo "é incluir o nome dessas vítimas na Justiça de transição, com o devido reconhecimento do Estado".
MORTES NO CAMPO
O reconhecimento de parte dessas 600 vítimas é uma antiga reivindicação de organizações como Comissão Pastoral da Terra e Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra. Muitos foram assassinados a mando de fazendeiros ou políticos que tinham ligações com o regime.
Um exemplo é o que ocorreu no sul do Pará e hoje norte do Tocantins após a Guerrilha do Araguaia (1972-1974), quando mateiros, camponeses e ativistas foram assassinados -muitos por ex-agentes e militares- sob o pretexto de "limpeza" da área ou para apagar vestígios dos conflitos com os guerrilheiros do PC do B.
Alguns dos casos são emblemáticos, como a execução do advogado Paulo Fonteles, no Pará, em 1987. Envolvido em disputas de terras na região, sua morte contou com a participação de um ex-agente do SNI (Serviço Nacional de Informações).
Outro assassinato citado no estudo é o do padre João Bosco Burnier, em Mato Grosso, em outubro de 1976.
O autor do crime foi um policial militar que acertou a pessoa errada - o alvo era dom Pedro Casaldáliga, um dos principais expoentes da Teologia da Libertação na Igreja Católica e perseguido pelos militares, que estava ao lado de Burnier.
O estudo da Secretaria de Direitos Humanos não aborda a matança de índios na ditadura (alguns pesquisadores estimam mais de 2.000 vítimas indígenas), tema de uma outra investigação que organismos de direitos humanos querem levar para a Comissão da Verdade.
"São vítimas da repressão e da opressão", afirmou à Folha o frade dominicano Frei Betto sobre o estudo do governo federal: "É uma lista até tímida perto do que a gente sabe que de fato aconteceu. E não só entre o povo do campo. Índios, por exemplo, foram exterminados na construção da Transamazônica".
(Fonte: Site do Instituto Humanitas Unisinos)