(Imagem de artigo do brasilescola.uol.com.br)
O BRASIL VAI BEM E OS BRASILEIROS VÃO
DE MAL A PIOR
Eugênio Magno*
É notório que as teorias e os teóricos, por ignorância ou conveniência, não têm espaço entre as lideranças da esquerda institucional brasileira. Embora isso não queira dizer que todo o campo progressista seja acrítico, é preocupante como os partidos hegemônicos que na atual configuração política operam à esquerda, destratam os intelectuais do mesmo espectro. Entretanto, mesmo proscritos dos círculos do poder como ideólogos programáticos e alijados das rodas da militância, condenados que são por não serem portadores do tal “lugar de fala”, eles teimam em falar.
Para provar essa teimosia em falar convoquei algumas dessas vozes para, de forma dialética e dialógica, nos acompanhar nesta reflexão. Para inaugurar essa premente necessidade de um pensar que oriente a política, a figura de um educador é indispensável. O eleito foi Paulo Freire, que entende a conscientização das massas como atitude crítica dos homens na história como um compromisso permanente que nos interpela a assumir uma posição utópica frente ao mundo e tomar a utopia como compromisso histórico. E que fique claro que para Freire o utópico não é o irrealizável; a utopia é o idealismo, é a dialetização dos atos de anunciar e denunciar. Pois, segundo ele, só os utópicos são proféticos, assim como só os proféticos são portadores de esperança. E para esperançar – como verbo – é preciso agir e agir com coragem. Muita coragem, como a de Paulo Freire. Não o Freire romântico que reinventaram para esconder a luta de classes, mas o Freire que na sua trincheira, arredio à excessiva institucionalidade corporativista, sempre lutou com radicalidade contra a opressão.
Muitos analistas têm dito que não temos mais esquerda no país. Será mesmo verdade? Tem sido vexatório assistir a extrema direita vituperar contra o sistema, ocupando o papel da esquerda que numa constante atitude eleitoreira faz acordos aqui e acolá e além de não avançar dá ainda mais combustível para os adversários e defende o sistema. Simultaneamente a consciência ingênua se multiplica velozmente, inclusive à “esquerda”, ao sabor dos algoritmos, no mesmo compasso em que as massas continuam a receber educação política somente pela via da extrema direita.
Luiz Inácio Lula da Silva já ocupa pela terceira vez o cargo de presidente da república e o Partido dos Trabalhadores (PT), está em seu quinto mandato. Tom Jobim disse que o Brasil não é para principiantes e Lula não é principiante. No entanto, com toda essa experiência, as coisas continuam não indo bem por aqui. Pouco foi feito até agora, neste mandato, e nenhuma mudança estrutural foi promovida ao longo de todos os governos petistas. Tivemos apenas pequenos avanços no campo social: direitos humanos e políticas compensatórias de inclusão. As desigualdades se agravam de forma constante e o modelo econômico continua o mesmo do período de Fernando Henrique Cardoso, com tímidos ajustes. Motivos existem e as justificativas não são difíceis de serem evocadas. Mas, para um partido que nasceu com o ideal de transformação política, social e econômica, sobram temas, situações, agendas e realidades que carecem de enfrentamento que se quer foram tocadas, e as poucas abordadas o foram de forma equívoca. O grande paradoxo é que os mandatos petistas, em linhas gerais, são tidos como os melhores governos brasileiros em tempos de democracia. Ainda que pesem todas as suas contradições, essa é uma verdade inegável.
Os desafios são imensos e os inimigos poderosíssimos, mas os muitos problemas para os quais não faltaram promessas de resolução seguem penalizando a população. É evidente a desproporcionalidade entre as forças que fazem a disputa de poder. O setor econômico é o dono da bola e a mídia corporativa faz o jogo do capital. São empresas que visam lucro e defendem, além dos próprios interesses, os de quem as patrocina. O fato do governo não possuir maioria no congresso também faz parte das argumentações e é uma realidade, mas não dá para atribuir essa responsabilidade somente ao eleitor, como querem alguns, assim como isso não pode ser desculpa para a falta de determinação para encarar as várias questões que há décadas já se punham e se complicaram ainda mais nos últimos anos. As reformas política e tributária, com uma real taxação das fortunas, por exemplo, é algo que já poderia ter acontecido há mais de uma década, quando em outros mandatos Lula gozava de altíssimos índices de popularidade e aprovação. E quanto a ter maior representatividade no Congresso Nacional é preciso que fique claro que isso é um trabalho de conquista e convencimento do eleitorado, uma responsabilidade partidária, portanto.
Os mais ardorosos defensores do governo até agora não se deram conta de que as dificuldades enfrentadas por Lula não são apenas por conta da força de Bolsonaro, do bolsonarismo, do fundamentalismo neopentecostal, do congresso, de Lira e et cetera e tal, como insistem em afirmar os que não querem enxergar a realidade. É extremamente arriscado fazer críticas ao governo no atual momento. Além das estratégias da extrema direita de manipular análises e opiniões que apontem qualquer descompasso do governo, tem o patrulhamento ideológico dos mais aguerridos que defenestram quem ousa apontar os erros de percurso governamental, classificando a voz dissonante de opositora. E com esse comportamento, Lula e o PT vão perdendo tanto a oportunidade de corrigir rumos, como perde aliados, simpatizantes e eleitores não “bozoistas” ou fundamentalistas que se vêm asfixiados pela passionalidade militante.
Se num passado recente tivemos o fenômeno do antipetismo formado, sobretudo, por eleitores ocasionais de Lula, em razão dos escândalos dos chamados “mensalão” e “petrolão”, a onda que começa a se formar agora é muito mais grave e difícil de ser contida. Sobe a maré do antilulismo em setores importantes de democratas, da própria esquerda, e de vários extratos sociais: trabalhadores precarizados, aposentados traídos e a da falsa classe média – inventada por uma sociologia oportunista e partidarizada –, abandonada e de volta à sua origem. Resumindo, muitos lulistas, que não são necessariamente petistas, estão decepcionados com a incapacidade do governo de entregar o que prometeu.
A insatisfação grassa no país, em todas as classes sociais. Os muito ricos estão entediados com as ameaças de contenção dos seus lucros que nunca se concretizam. A classe alta e a alta classe média, andam incomodadas, em razão de ter que conviver em seus salões com ex-esquerdistas. A média classe média está odiosa porque não progride mais na proporção que já cresceu e sente a possibilidade de ser rebaixada para a baixa classe média e a baixa classe média não mais consegue se sustentar nessa posição e tem sido empurrada para a classe baixa. É enorme a quantidade de profissionais com formação superior, pós-graduados: especialistas, mestres e doutores, fora das funções para as quais estudaram ou que se encontram desempregados. Trabalhadores qualificados caíram para a base trabalhadora ou para a condição de precarizados e temem que daí poderão ir sabe-se lá pra onde. Uma parcela dos pobres e dos muito pobres – não dos miseráveis – são dos poucos segmentos sociais que têm merecido algum tipo de atenção do governo. Abaixo desses, sobram – como sempre sobraram –, os miseráveis, os excluídos e os invisibilizados que vivem da esmola e dos restos da pequena burguesia e do proletariado. Não podem nem mesmo cumprir a exigência do endereço, físico, ou da aberração do endereço digital, para ter acesso às migalhas, ditas compensatórias, do governo.
Da arquibancada, o que fica visível é unicamente disputa de poder. E nesse jogo, a direita e a extrema direita estão vencendo com grande vantagem. Fazem novas lideranças aos borbotões. Amealharam em duas décadas e meia as grandes fatias da sociedade: a alta cúpula de líderes religiosos e fiéis fundamentalistas que se sentem ameaçados moralmente com o avanço das pautas identitárias, militares, banqueiros, trabalhadores informais uberizados – apelidados de empreendedores –, proprietários de empresas de vários portes, especialmente as grandes, e o agronegócio. Conquistou ainda grande parte da direita e centro-direita neoliberal e não teve nenhum escrúpulo em ceder às extorsões do centrão e aos ditames dos países hegemônicos e ao capital monopolista internacional.
Acontece que direita e extrema direita têm projetos, tanto políticos como sociais, econômicos e para a segurança pública. Projetos perversos, é verdade. Mas os têm e conseguem comunica-los facilmente com a população, utilizando com excelência a mais nova e poderosa máquina de comunicação, a internet. Forma e conteúdo na medida certa para gerar engajamento de seguidores abnegados, acompanhados das mais nefastas políticas públicas anunciadas e cumpridas rigorosamente. Enquanto isso a esquerda, cujo sinônimo, desafortunadamente, tem sido esse PT irreconhecível, patina na comunicação. Patrocina, ao mesmo tempo que critica os veículos de comunicação corporativos. Não aprendeu a operar as novas mídias, assim como não apostou em inovações que pudessem ao menos justificar a sua nova autodenominação: progressista – um arranjo semântico para descaracterizar os ideais que deveria defender. E, o mais grave, não abre espaço para novas lideranças e não tem grandes projetos para áreas críticas, como segurança pública, educação e para a economia real. Se os tem, ninguém os conhece na concretude. O que falta em ação excede em tentativas de propaganda se utilizando da velha retórica que não convence mais ninguém.
Na seara da economia financista do rentismo improdutivo e da jogatina das bolsas o governo critica o Banco Central e a política cambial. Contraditoriamente continua a fazer o seu jogo, mas tem a desfaçatez de dizer que a economia vai bem, que o Produto Interno Bruto (PIB) cresceu e blá, blá, blá. Mas, como recentemente ironizou a saudosa economista, Maria da Conceição Tavares, antes de nos deixar, “ninguém come PIB. Comemos comida, alimento”. Pois é, o povo necessita de comida na mesa, o jovem precisa de boa escola e emprego, o profissional qualificado, de trabalho digno, o trabalhador e o aposentado de renda suficiente para se manter e suster suas famílias.
Para prosseguir com essa penosa síntese diagnóstica dos quase dois anos de governo, recorro às análises e às observações argutas de outros intelectuais que trafegam no mesmo espectro. Não são poucos os aliados políticos dos atuais governantes que há tempos chamam a atenção do PT para o seu pragmatismo excessivo. A obsessão pelo poder tem levado o partido a abandonar seu antigo apreço por programas e a pegar atalhos e variantes totalmente desprovidos de sinais e balizas, numa correria eleitoreira desenfreada que não mais o diferencia dos demais partidos, tão criticados por seus dirigentes e militantes num passado não muito distante.
Não à toa Frei Betto abre o artigo, “Michels e Partidos de Esquerda”, destacando a tese defendida por Robert Michels na sua obra de 1911, “Sociologia dos Partidos Políticos”. Betto, traz ninguém menos do que o sociólogo, Max Weber, para testemunhar que Michels teria se desiludido com a ala esquerda do Partido Social-Democrata da Alemanha (SPD), pelo seu “eleitorarismo”, voltado quase que exclusivamente para ganhar eleições e pelo “oportunismo” dos seus líderes, cuja preocupação prioritária era estar na crista da onda política. A burocratização stalinista do Partido Comunista da União Soviética e os descaminhos de vários partidos oriundos das lutas populares que se transformaram em aparelhos eleitorais de uma oligarquia política, comprovam a tese de Michels. Preocupado com o ciclo de quase todo poder que emanado do povo, acaba por se colocar acima do povo, Frei Betto que no seu livro, “A Mosca Azul”, já denunciava tais desvios, encerra seu artigo advertindo: “A cabeça pensa onde os pés pisam. Um antídoto aos riscos apontados por Michels é a profunda ligação com os segmentos populares, o trabalho de base, a capacidade de ouvir críticas e se submeter à soberania da militância. E, sobretudo, não trocar o atacado pelo varejo – um programa de democracia verdadeiramente popular, tanto em nível político quanto econômico”.
O filósofo e psicanalista, Vladimir Safatle, é outro intelectual-ativista de esquerda, que tem se pronunciado constantemente, e com veemência, sobre os equívocos do atual governo Lula. Em várias oportunidades Safatle indica caminhos de maior radicalidade para os enfrentamentos que podem tirar o país dessa situação em que se encontra e fazer valer pelo menos alguns valores socialistas que justifiquem afirmar que temos um partido de esquerda no poder. O filósofo, em seus livros e entrevistas, aborda várias questões de interesse nacional, como o das instituições republicanas, seus vícios e descaminhos. Sobre o Supremo Tribunal Federal (STF), a avaliação de Vladimir Safatle é de que a instituição é capitalista e de direita e só investiu contra o bolsonarismo por se tratar de uma extrema direita que é contra as instituições, inclusive o próprio Supremo. Corte Suprema esta que na visão de uma esquerda menos messiânica nunca apoiou direitos trabalhistas ou dos aposentados e as pautas dos pobres, pela diminuição das desigualdades socioeconômicas. Aliás, o próprio STF é um exemplo de desigualdade e contradição. A despeito de decidir quase sempre contra os pobres, é uma das instituições mais dispendiosas do país e a corte que mais acumula privilégios em todo o mundo, se comparada com instituições da mesma estatura dos países mais ricos.
Mesmo sem gozar de simpatia por parte de setores democráticos e da esquerda brasileira, o presidente do senado, Rodrigo Pacheco, tem a aprovação de várias lideranças políticas, de conservadores a progressistas e de muitos intelectuais sobre a sua propositura de rever o plano de carreira dos ministros da Suprema Corte. Ciro Gomes é um que, mesmo sem dizer claramente qual seria exatamente o seu plano para os três poderes, já declarou sua vontade de ver cada um no seu quadrado. Seria necessário um livro inteiro ou, no mínimo, um artigo de maior extensão, exclusivamente, para analisar a porosidade entre os três poderes da república brasileira que, em vez de se configurarem como contrapesos, têm se prestado a socorrer uns aos outros conforme o soprar dos ventos, numa clara demonstração de um protecionismo corporativista altamente nocivo para o Estado Democrático e de Direito. No legislativo a situação não é menos complicada. A Câmara Federal goza de tanto poder que tem tornado o executivo refém de suas exigências e por aí vai... Ao arrepio do cumprimento da constituição, assistimos perplexos a uma série de situações deploráveis como a judicialização da política, a politização da justiça e um executivo enfraquecido, em razão do excesso de permeabilidade de sua frente que, de tão ampla, pouco tem servido além de manter Lula no poder. Uma realidade que em razão da outra opção que se anunciava não ter comparação, mas que ainda é muito pouco ou quase nada, diante do muito que se prometeu e do que o país necessita. Nem mesmo as questões do meio ambiente e dos direitos humanos que o governo tanto jactou em afirmar como prioridades conseguem avançar. As enchentes no sul do país e as queimadas em todo o território nacional, em 2024, são algumas demonstrações da falta de ações políticas de Estado efetivas para encarar o fenômeno das crises climáticas. A educação política da população, a consciência de classe e a desigualdade social, temas prioritários de qualquer política de esquerda, não têm nenhuma centralidade neste governo. As pautas da diversidade e das identidades, das mais importantes, cujo debate poderia ter se dado numa perspectiva que honrasse nossa condição de país mestiço, sem a falsificação da nossa história, vem acontecendo com a tomada de empréstimo das tradições antropológicas europeias e a forma binária de abordagem do racismo estadunidense.
A trajetória do então ministro dos direitos humanos e da cidadania, Sílvio de Almeida, de sua tese e de suas práticas, é um exemplo cabal da forma torta como as pautas identitárias foram orientadas e são tratadas no país. Um identitarismo personalista que empodera um escolhido, promove e permite ao promovido se autopromover e, na sequência, pune o escolhido pela mesma via do identitarismo. Para completar o quadro, assistimos quem coloca pessoas acima do bem e do mal, simplesmente por questões identitárias, se achar no direito de reivindicar até “luto” em razão do acontecimento que culminou com a demissão do ministro com medo dos possíveis desdobramentos. Apesar da gravidade do acontecido, a questão da diversidade e do direito a ter direitos, não pode ser tratada de forma espetacularizada e pelo viés desse identitarismo maroto e personalista. Contraditoriamente, esse tipo de abordagem esconde opressão, preconceito, ódio de classe e mais uma série de discriminações nos próprios contingentes desses grupos mais evidentes e condenam dezenas de outros grupos sociais, muitos até mais numerosos, mas sem projeção, a permanecerem no anonimato, sem fazer valer até mesmo seus direitos de sobrevivência. Sem contar que os desvios cometidos por algumas lideranças na condução desses cruciais direitos sociais têm dado grande munição para a extrema direita. Intelectuais sérios já alertaram para o perigo do que poderia se configurar no país com o que começou a ser arquitetado nos anos 1970, a partir da negação da mestiçagem e do macaquear os Estados Unidos, ao tratar a questão do racismo de forma binária. Tal falsificação histórica foi institucionalizada no governo de Fernando Henrique Cardoso – com a chancela do IBGE (enegrecendo o país de forma irresponsável) – e se aprofundou nas duas últimas décadas. Sem negar que o Brasil é um país racista, a tese do ex-ministro dos direitos humanos e cidadania, de “racismo ‘estrutural’”, tem sido questionada muito antes de Almeida se tornar ministro. Quem quiser aprofundar neste estudo precisa ir além de Jessé Souza e Sílvio de Almeida. É recomendável que dedique maior atenção a Darcy Ribeiro e não se esqueça de Alberto Guerreiro Ramos e Luís Gama, Antônio Risério e Eduardo Giannetti da Fonseca, para citar pelo menos seis intelectuais de grande envergadura que trataram desse tema com respeito à nação, aos povos e à história, sem ir na onda da falsificação de dados, das simplificações morais e dos modismos acadêmicos.
Em meio a tantos outros problemas, o governo propõe mais arrochos para o povo na segunda fase do novo arcabouço fiscal. Vai cortar ainda mais os gastos. A desculpa, ainda que não seja com as mesmas palavras, é a dos tempos da ditadura: “Vamos fazer crescer o bolo para repartir depois”. Ou seja, vai seguir a cartilha de Paulo Guedes, “quebrar o piso para não furar o teto”. Ora, a área econômica, além de ser a que o governo encontra mais dificuldades em propor transformações e que repercute em vários setores, do desenvolvimento e tecnologia à segurança pública e da educação ao turismo, passando por saúde, direitos humanos, meio ambiente e cultura, é a área mais carregada de maquiagem e botox. Haja powerpoints, cortes seletivos de pesquisas e photoshops para mascarar a fotografia da economia real. Todos sabem que a economia e as desigualdades, formam o ponto nevrálgico do que precisa ser enfrentando urgentemente em nosso país. Se temos uma economia em crescimento e o Brasil vai bem, como querem nos fazer acreditar, porque os brasileiros vão de mal a pior? O país tem um sério problema gravitacional. A Lei da Gravidade aqui só funciona para pessoas e que estejam localizadas da baixa classe média para mais baixo na pirâmide social. E não vale aquela máxima de que se cair, do chão não passa. Corre-se o risco de ir para o subsolo, ser condenado à exclusão ou enterrado vivo. Já os bens e a riqueza flutuam fartamente, sem gravidade, na parte superior, nem mesmo de uma pirâmide, mas de um triângulo escaleno que pende para o lado direito.
No início deste ano o economista que exerceu a função de porta-voz da presidência da república no primeiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva, André Singer, professor titular do Departamento de Ciência Política da USP e autor do livro, O lulismo em crise, e Fernando Rugistsky, professor de economia da University of the West of England, em Bristol, onde também é codiretor de pesquisa em economia, fizeram um balanço do primeiro ano do Governo Lula, no site A Terra é Redonda. Singer e Rugistsky dois progressistas, afirmaram que, “Após ter vencido à frente de um heterogêneo ajuntamento de salvação democrática, o presidente decidiu entoar a melodia lulista clássica: fazer, no atacado, concessões à burguesia e, no varejo, buscar as brechas por meio das quais consiga beneficiar, em alguma medida, os segmentos populares. Só que o tema vem se desenvolvendo em andamento lentíssimo, tornando duvidosos os movimentos previstos para os períodos eleitorais de 2024 e 2026”.
Tais movimentos foram tão vacilantes que o resultado aí está. Faz tempo que a população vem dando o seu recado. Basta que se atente para os crescentes números de abstenções e de votos nulos e brancos a cada eleição. Esses números somados, ora se aproximam, ora são maiores do que os votos que candidatos vitoriosos ou perdedores recebem. Como já era previsto, os resultados eleitorais de 2024 não foram nada favoráveis para a esquerda representada pelo Partido dos Trabalhadores nessa sua atual configuração. Se não houver – agora – uma mudança radical na forma de fazer política por parte do governo, do PT e de seus aliados, a esperança da reeleição de Lula ou de que o governo faça um novo presidente está desfeita. Isso quer dizer que a lógica eleitoreira se esgotou. Não cola mais essa coisa de disputar eleições municipais com cálculos para eleições presidenciais. Precisa ficar claro também para os partidos que o povo, definitivamente, não é culpado e não vota mal como os simplificadores da realidade afirmam. A população não é burra. Ela tem as suas razões e estas estão sendo permanentemente ignoradas pelas lideranças políticas brasileiras. Se Bolsonaro foi horrível, um tufão, destruidor de várias das modestas conquistas sociais e uma ameaça à república, o que poderá surgir em 2026 será muito pior. O povo quer mudança e, insatisfeito como está, pode vir a apostar em qualquer candidato que acene com essa possibilidade. O irônico é que diante de uma esquerda conformista que não se atreve a encarar com radicalismo as transformações econômicas e sociais pelas quais o país grita, tenha sido necessário que o bolsonarismo pautasse o tema do socialismo.
Todavia, o tiro da extrema direita ao demonizar os regimes comunista e socialista pode ter saído pela culatra. A curiosidade da população foi aguçada e está sendo saciada. Ainda que seja minoria, com baixa vinculação e pouquíssima representação nos cargos eletivos, não é verdade que não exista mais esquerda no Brasil. O vácuo nesse campo logo será preenchido com a politização da sociedade pelas vanguardas intelectuais de esquerda. Os sinais são de que daí emergirá consciência crítica suficiente para a formulação de um amplo projeto político popular para a nação com oportunidades para o surgimento de novas lideranças bem formadas, compromissadas com a transformação da sociedade e com o fim do Estado burguês. Tudo indica ser essa a alternativa capaz de enfrentar a ofensiva deletéria da extrema direita. Trata-se de uma tendência mundial que já se ensaia até mesmo em países como Dinamarca, Finlândia, França e Estados Unidos, e por aqui não será diferente.
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