Pobre de Direita X Esquerda Caviar
Eugênio Magno*
Nada mais insensato
do que rotular as pessoas de “pobre de direita” e de “esquerda caviar” com o
propósito de desqualificar suas bandeiras. Até porque, esquerda e direita, na
atualidade, significam muito pouco ou quase nada quando tomamos como
referencial as suas representações hegemônicas um tanto descaracterizadas.
Quando as expressões direita e esquerda, respectivamente, se juntam a pobre e a
caviar a coisa fica pior ainda. Especialmente neste contexto polarizado das disputas de
narrativas nas redes digitais que têm se reduzido a xingamentos e agressões.
Ainda que direita e
esquerda não tivessem perdido tanto seus significados, ter nascido pobre ou rico
não descredenciaria nenhum cidadão para militar em um ou outro desses espectros
políticos. O imperativo definidor de tal ou qual filiação deveria ser o desejo,
o sentimento de pertença a determinado regime, cultura ou grupo, de seus ideais
e parâmetros éticos, estribados em convicções pessoais e na livre vontade.
Nesse ponto, não podemos nos esquecer de que tudo isso tem a ver com liberdade,
e liberdade tem implicações e princípios. Além daqueles destacados nos ideais
da Revolução Francesa, igualdade, liberdade e fraternidade, pelo menos mais dois poderiam
ser incluídos: consciência e responsabilidade.
Esse é um fio enorme
que se puxado traz uma série de conceitos e categorias de vários saberes e conhecimentos
transdisciplinares. Mas esse novelo não será desenrolado academicamente. A
intenção aqui é apenas uma singela tentativa de alertar para não incorrermos em
erro tão grosseiro e despropositado, seja por ignorância ou por mau-caratismo. Na
maioria das vezes a incoerência caminha a par e passo com o nosso
comportamento. Se os escritos marxianos e os mais renomados marxistas advertem
para a dificuldade de se ter consciência de (nossa própria) classe, o quão
arriscado, para não dizer leviano, é fazer julgamentos farisaicos sobre a
conduta de outrem, classificando-as de contraditórias ou bizarras.
Os partidos e as
principais lideranças de nosso país têm se descuidado da formação política da
população. Enredados em seus projetos de poder, a preocupação dos principais
atores políticos brasileiros se resume a interesses eleitoreiros, o que também significa
do ponto de vista dos dirigentes partidários, a mera multiplicação de filiados
e a arregimentação de uma militância subserviente e de milícias digitais,
dispostas a qualquer coisa para defender pautas pouco compreendidas, impostas
pelos cartolas das siglas.
Vivemos no Brasil um
falso embate entre direita e esquerda, quando na verdade o que há é somente uma
guerra de narrativas, com pouquíssimas ações concretas coerentes com as
promessas demagógicas de combate à desigualdade, divisão da riqueza e de
bem-estar social. O que temos de fato é que a direita hegemônica radicalizou e
se transformou em extrema direita e o partido que melhor representava os ideais
da esquerda em nosso país foi quase obrigado a se deslocar para centro-esquerda
para chegar ao poder. E para continuar no poder foi ao centro e, depois, para
voltar ao poder, deu uma guinada para uma quadra que muitos consideram de
centro-direita. Coisas que se eternizam nas Terras Brasilis.
Em meados do século
XIX as disputas entre liberais e conservadores não eram tão distintas. Boris
Fausto em, História do Brasil,
observa que a política desse período – mas não só dele –, não se fazia em
termos de objetivos e princípios ideológicos rígidos. A maior preocupação dos
políticos era chegar ao poder para obter prestígio e benefícios para si próprios
e para os seus apaniguados. Conservadores e liberais utilizavam-se dos mesmos
recursos para lograr vitórias eleitorais e quando estavam no governo não
apresentavam atitudes muito diferentes. Desde a redemocratização, direita,
centro-direita, centro, centro-esquerda, direita, extrema direita e agora, uma
frente amplíssima, de centro para centro-direita, que insiste em ser tratada
como esquerda, se revezam no poder e fazem perpetuar o neoliberalismo, com uma
ou outra política compensatória aqui e acolá, enquanto o hipercapitalismo nada
de braçada.
Então raciocinemos:
se nem mesmo em períodos históricos mundiais em que esquerda e direita poderiam
ser compreendidas como categorias em que, para além de convicções, comportamentos
e ações coerentes, a condição econômica não era definidora da simpatia por um
ou outro campo político, imagine na atual conjuntura. Vivemos um momento
histórico em que a mobilidade social aumentou e segue acelerada – para baixo,
para cima e para os lados – onde a globalização e a transnacionalização da
cultura, da política e do capital transformaram a pirâmide social em uma
verdadeira torre de babel.
Para cada um Engels,
existem dezenas de riquinhos/as que vêm a esquerda como um promissor mercado consumidor
e a explora com militância de fachada para a comercialização de inúmeros
produtos. Do outro lado, centenas de pobres de origem ascenderam econômica e
financeiramente, cerraram fileiras à direita e são macaqueados por milhares de
outros pobres que neles se miram na expectativa fantasiosa de subir alguns
degraus. Sem contar os encarapitados nas burocracias partidárias e nas
hierarquias do Estado que ao chegar ao poder se locupletam, mas não abandonam
suas retóricas ideológicas para não perder palanque.
As simplificações do
que deveria ser programático, o empoderamento como favor e as constantes
substituições das competências pelo lugar de fala, empobreceram o debate e vêm
nivelando por baixo a dinâmica da vida social e política. O negacionismo científico
pela direita e a desvalorização da expertise pela esquerda, abriu flancos para
a total desqualificação da política. De um modo geral, o mundo político está
infestado de oportunistas, gente acrítica e uma legião de analfabetos
políticos. Se falta instrução, consciência e formação política, sobra basismo,
ativismo inconsequente, romantização da pobreza por parte de alguns
deslumbrados da classe média e a prática reiterada de estelionatos eleitorais.
A razão tem se
tornado meramente instrumental, pragmática. No passado, a frase, “os fins
justificam os meios”, atribuída a Maquiavel, era refutada com a assertiva que
defendia a importância dos meios, uma vez que os meios também são importantes e
definem a natureza dos fins. Aldous Huxley, na obra, Ends and Means, trabalha essa questão de forma bastante equilibrada.
Sem conhecer e considerar os fins, como horizonte, os meios serão usados
erradamente. Mas, na atualidade, os fins últimos deixaram de ser considerados.
O foco está concentrado única e exclusivamente no pragmatismo dos meios. Tudo o
que importa são ações táticas emergenciais, reações e bordões, desprovidos de
quaisquer estratégias de aproximações sucessivas na direção de um fim último. É
o reinado dos arrivistas, demagogos e influencers com suas copys cheias de
gatilhos mentais e trends a gosto dos algoritmos.
Entre tantas dissonâncias não é difícil concluir que as expressões “pobre de direita” e “esquerda caviar”, não devem ser interpretadas como incoerentes, tampouco como xingamentos. Como já foi dito, ser de origem pobre ou rica não delimita a opção política de ninguém. Entretanto, na contemporaneidade, tal autorreconhecimento ou acusação, por via de regra, tem sido falta de educação política e/ou de consciência de classe, ou hipocrisia mesmo.


