(Belles Memoires/Pixabay)
Do Divino e do Profano:
em tempo de Páscoa
Eugênio
Magno
No
capítulo 43 do livro do profeta Isaías tem um trecho que diz: “... Não relembreis coisas passadas, não
olheis para fatos antigos. Eis que eu farei coisas novas, e que já estão
surgindo: acaso não as reconheceis? Pois abrirei uma estrada no deserto e farei
correr rios na terra seca”.
Isso é tudo que todos
esperam: o crente, o ateu, o agnóstico.
Depois
de falar sobre a Campanha da Fraternidade Ecumênica que teve início na
quaresma, no artigo do mês passado, não quis que a Páscoa passasse em branco. Para
a comunidade cristã, Páscoa é símbolo de renascimento. Tempo de louvores e
glórias ao Rei. É festa, celebração da boa nova. O Livro do Eclesiastes diz haver
um tempo de campo e um tempo de canto. Páscoa é tempo de canto. Hora de
esquecer o passado e de se dar conta de que coisas novas estão sendo feitas. E
muitas coisas novas, realmente, estão sendo feitas: de divino e de profano.
A cada
dia, mais e mais pessoas embarcam ou reembarcam nas práticas religiosas em busca
do milagroso, da verdade, do divino. Até os ricos (quem diria!), mesmo os
aparentemente menos entediados, com cacife para bancar os honorários de
qualquer psicanalista do planeta, estão se rendendo ao “divã” da religiosidade.
O fenômeno da religação com Deus, há muito esquecido, está de volta ou trata-se
apenas das manifestações tardias das teologias da prosperidade e do domínio,
alimentando o neopentecostalismo?
Substituído pela vacuidade
egóica que se nutre apenas de ostentação, cobiça, poder e dos prazeres
sensoriais, poderíamos pensar que Deus está voltando a ocupar o espaço
existencial no coração dos (des)iludidos de todas as camadas sociais? A
humanidade estaria se sentindo culpada pelos danos causados à vida, à natureza
e aos seus semelhantes e, amedrontada, se penitencia e volta a flertar com o
transcendente?
Místicos
e piedosos de todos os tempos afirmam que as graças do Divino sempre se mantiveram
acessíveis. Mas, somente aos que têm uma fé verdadeira e inabalável, como Jó,
independentemente das circunstâncias. Asseguram que milagres só ocorrem no
plano do espírito, de uma iluminação que coloca o ser em harmonia com a vida e
com o planeta. Algo que está muito além da relação comercial estabelecida com
Deus, por obra e graça dessa proliferação de seitas que vendem promessas de
prosperidade e curas com hora marcada; educa para o negacionismo da ciência,
faz proselitismo político à extrema direita e mantêm milhões de incautos reféns
de suas próprias misérias. Enquanto isso, a faca continua – como sempre –,
amolada. O mundo dito civilizado, depois de organizar as pessoas em tribos,
reinados, impérios, repúblicas, estados e regimes, desordenou mais uma vez a
vida humana de forma globalizada. Os donos do poder brincaram de deuses,
aliciando a humanidade para a construção de um novo mundo, de um novo homem e
foram muito bem sucedidos. Construíram novos mercados, novíssimos consumidores,
o homem-data, digitalizado, online, prosumidor, patrãogado, empreendedores
(empresários de araque), exploradores de si mesmos.
As vozes
destoantes de um pequeno extrato de cientistas das áreas humanas e sociais há
muito tempo incendeiam o palco das incertezas sobre o novo poder, o biopoder do
hipercapitalismo financeiro, neoliberal e tecnológico do capital improdutivo.
A diminuição dos Estados-nação
e o desprezo às instituições com a pretensão de se criar uma nova ordem mundial
já se cumpriu e o tiro saiu pela culatra. O excesso de poder do mercado afetou
a democracia. O Estado fraco faz o que as empresas querem. E as pessoas têm se perguntado
então para que serve a democracia se as decisões estão sendo tomadas onde não
temos influência. O desalento e a falta de politização fez com que muita gente
boa perdesse a linha e desencarrilhasse o trem. Se os problemas de um país já
não são resolvidos pela ação do Estado é sandice acreditar que poderão ser
resolvidos pelo mercado que tem como lógica estatizar prejuízos e privatizar
lucros.
É urgente um novo pacto, se não
uma revolução, que ressalve o dever do Estado de dar condições básicas de
cidadania, garanta liberdade ao povo, regule o mercado, incentive a economia
produtiva sustentável e solidária, garanta trabalho e renda para a população,
socialize os meios de produção, zele pelo ambiente e permita a influência de
entidades comunitárias, numa dinâmica em que os poderes sejam controlados pela
sociedade.
Saídas
existem. O que não se pode aceitar é a insistência no que nunca deu certo e que
a cada dia se agravou até chegar ao ponto em que estamos.
Diante do quadro tenebroso
que se apresenta mundialmente e, particularizando a conjuntura brasileira, com
os agravantes da pandemia, diria que, desalentados e, como no purgatório,
amargando essa longa espera pelo Juízo Final, passando pela via crucis: paixão
e mortes – mais de 300 mil –, tudo que ainda podemos esperançar (de Deus sabe para
quando) é uma Feliz Páscoa!
Este artigo pode ser ouvido em sua versão de áudio no podcast
Política com Fé. O texto também foi publicado no jornal
Pensar a Educação em Pauta da FaE/UFMG.