Em busca de (bons) contadores de histórias
Em entrevista à Folha de S. Paulo, na semana passada, o cineasta e sócio da produtora O2, Fernando Meirelles, declarou que “a TV é hoje mais interessante do que o cinema”. Segundo o diretor de seis longas (dois dos quais acumulam oito indicações ao Oscar), a televisão é um espaço “onde a inventividade é mais possível”. “A TV ainda não paga a qualidade (de produção) que o cinema paga. Mas acho que é por pouco tempo”. A constatação de Meirelles acontece em um momento crucial no mercado de produção publicitária brasileira. Por conta da nova lei da TV por assinatura, em vigor desde setembro, a obrigatoriedade da cota de produção nacional irá gerar uma demanda de 7,6 mil horas de conteúdo inédito por ano nos diversos canais pagos em operação no País. Esse processo representa uma injeção de nada menos do que aproximadamente R$ 2 bilhões no mercado audiovisual brasileiro. Uma verdadeira corrida ao ouro que, como sempre acontece em qualquer disputa, privilegia os mais preparados.
Ao longo das últimas décadas, as produtoras tiveram na publicidade a sua maior fonte de receita e por algum tempo, ainda o será. No entanto, com essa janela de oportunidade que se abre com a nova lei, há grandes chances de o perfil de negócios das empresas do setor sofrer modificações e a produção de conteúdo para TV ganhar um peso inédito. Contudo, levará ainda algum tempo para que isso de fato se concretize. E o maior gargalo para que haja oferta no mercado para atender a essa demanda está na essência dessa indústria. Faltam boas histórias e, principalmente, quem saiba contá-las. Nunca antes os roteiristas foram tão valorizados como agora.
Fazemos parte de um mercado cuja presença da TV aberta é absoluta a ponto de ditar uma linguagem que influencia o próprio cinema. Ao mesmo tempo (e até por conta disso) a grande escola de redatores publicitários está no comercial de 30 segundos. E o que mais se vê atualmente nos breaks comerciais são anúncios visuais, filmes sem grandes locuções, ideias cheias de truques nas quais se reproduz uma cultura rasa e ciclotímica da Archive.
Ou seja, há uma grande avenida a ser ocupada por contadores de história que ainda serão formados. Profissionais que não virão necessariamente, como se pode imaginar, nem da publicidade nem da TV aberta, mas que terão perfis mais autorais e que saibam lidar com um meio que está em mutação, sob forte influência de outras telas e dos desdobramentos transmídia.
Estimativas do mercado dão conta de que para cada 25 diretores de cena disponíveis, haja apenas um roteirista. É um número que representa uma realidade muito peculiar do Brasil: sua alta capacidade de realização. E a publicidade é uma grande escola nesse sentido.
O salto que se espera que aconteça agora é mais profundo. Exige uma volta às origens, quando os recursos eram mais escassos, e o essencial fazia a diferença. Algo que a escola argentina aprendeu na marra por conta de toda a crise que tem enfrentado ao longo das duas últimas décadas. Isso explica também por que o cinema brasileiro nunca levou um Oscar. Se este é o grande momento da TV, como diz Fernando Meirelles, espera-se que seja também uma grande oportunidade para reverter essa situação.
(Fonte: Blog da Regina Augusto no Site de Meio & Mensagem)