segunda-feira, 5 de julho de 2010

ESPIRITUALIDADE MONÁSTICA



Atualidade de São Bento

Eugênio Magno

O fato do Jesus Cristo histórico se localizar no tempo há mais de dois mil anos, faz com que muitos dos seus adeptos na atualidade – presos à letra – vejam os seus ensinamentos e o seguimento destes, pelos primeiros cristãos, apenas como curiosidade. Entre nós, na contemporaneidade, existe muito mais estudo e memorial do que prática dos ensinamentos de Cristo. Com uma secularização cada vez maior, sobra cada vez menos tempo e vontade para a prática do verdadeiro cristianismo. Entre as poucas expressões dessa qualidade de espiritualidade a qual me refiro, o monaquismo ainda é o ramo da Igreja que mais preserva a tradição do cristianismo primitivo, através do que o seu mais importante precursor ocidental – São Bento de Núrsia –, instituiu para os seus monges por volta do ano 480: a Regula Benedicti (RB).
Estudiosos afirmam que Bento viveu toda a sua vida seguindo a sua própria regra e é por meio dela que ele continua atuando no presente, orientando a vida de inúmeros monges, freiras, clérigos e oblatos no mundo inteiro. Mas como não são apenas estes que almejam uma vida equilibrada, todos os homens e mulheres de bem, independentemente de serem religiosos, que desejam atingir esse ideal poderão buscá-lo (muitos já o fazem), seguindo as prédicas da Regra Beneditina:
Viver na presença de Deus – Buscar o equilíbrio entre misticismo e política, engajamento e interioridade, ação e contemplação. Estar no mundo, e cuidar dos afazeres diários, sempre na presença de Deus. Vivendo assim, encontramo-nos a nós mesmos a todo o instante e o próprio Deus nos confronta com nossa realidade, para que possamos reconhecê-la e deixar que Ele a purifique.
Oração e Trabalho – Alternar sempre no nosso dia-a-dia, oração e trabalho. E o trabalho deve ser visto como oração e oportunidade de exercitarmos a postura correta diante de Deus, comportando-nos com obediência, paciência, serenidade, confiança, generosidade e amor.
O dom da distinção – A medida certa, justa, advinda do autoconhecimento, que por sua vez, é adquirido por meio de uma exata auto-observação, feita com distanciamento de si mesmo. A renúncia a ideais muito elevados para fazer jus ao ser humano, especialmente ao mais fraco. Evitar uma ascese de fortes, o esforço exagerado e o excesso de desafios.
Paz beneditina – A promoção da paz só é possível através de uma paz interior e a paz interior só é alcançada por meio de uma luta pela integridade interior e da oração e aceitação do outro e dos eventos cotidianos como eles o são, e da vontade Deus. Agradecer por conseguir satisfazer nossas necessidades e agradecer também por conseguirmos renunciar aos nossos desejos é caminho para a paz individual.
Estabilidade e Ordem – A estabilidade nos convida a buscar permanência, vínculos, criar raízes firmes e buscar cada vez mais interioridade, através do estar consigo mesmo e do confrontar-se. A depressão é um protesto da alma pela falta de estabilidade. Aqueles que se submetem a uma ordem externa inteligente, conseguem atingir uma ordem interna e colocar rédeas nos seus estados emocionais e impulsos mentais desordenados.
Vida em comunidade – A queixa é sinal de insatisfação conosco mesmo e produz confusão e conflitos. O silêncio (exterior e, fundamentalmente, o interior), a atenção, o habitar consigo mesmo, a tolerância e o respeito ao outro são comportamentos imprescindíveis para o sucesso da vida em comunidade.
O monge e escritor beneditino alemão, Anselm Grün, em seu livro Bento de Núrsia: sua mensagem hoje (Idéias e Letras, 2006), diz: “em nossos tempos de muita aceleração e mobilidade, a mensagem de São Bento surge como o eco de um mundo distante”. Todavia, “Bento quer falar às pessoas que anseiam por uma existência plena, atraí-las para a mensagem do evangelho. Ele é o guia num caminho que nos leva a uma vida bem-sucedida no aqui e agora”.
A atualidade de São Bento, portanto, não se restringe somente ao seguimento de sua regra como orientação da vida monástica e conventual. Seus ensinamentos constituem-se como um caminho para Deus e para a cura do ser humano. Eles estão ao alcance de todos – religiosos ou não – que desejam um encontro consigo mesmos e com Deus.
Este artigo também foi publicado no jornal impresso Escuta Filho, publicação dos oblatos beneditinos do Mosteiro Nossa Senhora das Graças de Belo Horizonte, MG, Brasil.

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