NOITE À DENTRO
Eugênio Magno
Uma nuvem impedia o amanhecer enquanto ele velava inosone. A laranja em cima da mesa, o gato no canto da sala lambia o seu pelo e a torneira que, insistia em vazar, renitente, pingava na pia. A sua morte não era surpresa, mas assim mesmo a vida lhe anunciava novas aventuras. A imagem de Nossa Senhora no móvel da sala, de braços abertos e mãos espalmadas, num gesto de acolhimento o entristecia. Sua mãe jazia há muito. Muito antes que ele pudesse retribuir ao menos uma mísera parcela do seu cuidar. E sempre aquela dor, como uma nota em sustenido, latejando, enquanto a recorrente murmuração praguejante era intercalada apenas por um surdo evocar de preces. Então o relógio tocou na tentativa de acordar aquele que não dormira, mas que, enredado em pesadelos, tampouco desperto estava.
(da coletânea "POETAS EN/CENA 2 : Reunião de poemas de poetas brasileiros no IV Belô Poético", Rogério Salgado & Virgilene Araújo, org., 2008)
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