segunda-feira, 5 de outubro de 2009

AS MAZELAS DO NOSSO MODELO CIVILIZATÓRIO

Ensaio sobre o aquecimento global
Dib Curi

"Na antiguidade, as pessoas explicavam os fenômenos naturais através de mitos. Os mitos eram estórias de grande simbolismo sobre a origem do mundo. Na Grécia, o aparecimento do ser humano era explicado pelo mito de Prometeu, considerado o pai da humanidade.
Conta-se que Prometeu, apaixonado por sua criação, roubou o fogo dos deuses para dá-lo aos homens. O fogo simboliza, entre outras coisas, a inteligência e o poder dos engenhos. "O fogo forneceu à humanidade um meio de construir armas e subjugar os animais. O fogo propiciou a fabricação de ferramentas com que cultivamos a terra. Com o fogo aquecemos nossa morada e nos tornarmos independentes do clima. Criamos a arte da cunhagem das moedas, o que facilitou o comércio."
Com o fogo, o ser humano transformou a natureza. Veio, muito mais tarde, a Revolução Industrial, as máquinas e as cidades, discípulas das máquinas, movidas pelo fogo. As chaminés das indústrias, o asfalto e os carros nos engarrafamentos são os maiores ícones do fogo. O Aquecimento Global é a sua principal consequência.
Passando pela madeira, carvão, pólvora e petróleo, o fogo modificou o mundo e a nós também. O fogo brando que nos aqueceu e nos fez progredir se transformou em labaredas descontroladas de novas ambições, de desejos insaciáveis e de medos sem medida. Nos tornamos hiperativos para atingir o que desejávamos e evitar o que temíamos. Consumistas irracionais, logo imitaríamos o fogo a arder e a consumir tudo ao nosso redor.
Na antiga Grécia, havia uma certa repulsa aos homens que dedicavam todo o tempo de suas vidas ao trabalho para acumular metais e moedas. Foram chamados de negociantes (neg-ócio - negação do ócio). Segundo os gregos, estes homens não trilhavam seu próprio destino, mas se moviam apenas por conveniências ou em busca de vantagens pessoais.
Atualmente, bilhões de pessoas são obrigadas à hiperatividade e ao oportunismo, reféns do sistema econômico criado pela visão gananciosa dos homens de "negócio". Para estes homens, o sentido da Vida está na competição que assegura um domínio baseado numa miragem de poder. No prolongamento deste delírio da vaidade, o objetivo social seria apenas o de gerar empregos para os outros. Para tal, seria preciso educá-los para serem operadores dos empregos necessários. No fim, a Vida, obra máxima da poesia universal, foi escravizada por uma centena de cães famintos por ossos enterrados, que seguem a esburacar a Terra toda para construir seu grande "esqueleto" final, educando todos para o mesmo tacanho objetivo.
Por outro lado, na antiguidade, o ócio criativo era muito valorizado. Sem um excesso de ambições, desejos, medos e ansiedades, o ser humano poderia olhar mais para sí mesmo. Através da busca da harmonia interior, ajustava-se melhor à trilha de seu próprio destino, descobrindo a justa medida do seu Ser. Tal era o único caminho para uma cidadania ética, vocacionada e criativa.
E por falar em justa medida, depois do seu furto, Prometeu foi chamado à presença do grande Zeus que lhe acusou de causar grande dano à humanidade, pois deu o fogo, mas não a justa medida do seu uso. Antes de ter descoberto a verdade sobre sí, o ser humano tinha sido dotado de um poder que poderia levá-lo à extinção.
Lembro-me de uma frase do senador Sarney: "O poder corrompe". Na verdade, seja por que motivo for, a desmedida atiçou a ganância muito antes de expandir a sabedoria. Não precisaríamos de tanta correria por desenvolvimento econômico se a riqueza, o poder e a cultura que temos fossem melhor distribuídos.
A causa do Aquecimento Global está dentro de nós. A responsabilidade é desta rotina civilizatória que insistimos em seguir sem questionar, porque cada um é obrigado a negociar as vantagens pessoais que levará no processo. Enquanto cada qual tenta se salvar, todos juntos vão naufragando e se intoxicando na fumaça do efeito estufa.
As chamas desta luxúria desenvolvimentista parecem ter saído do controle. O mundo se aquece e nos sufoca de várias maneiras. É preciso, urgentemente, repelir as idéias de maior produtividade, que estão reduzindo as pessoas a meros parafusos de engrenagens frívolas e indiferentes. Estas engrenagens estão esmagando os nossos melhores valores, nos desviando de nós mesmos e aquecendo a biosfera, emporcalhando a natureza e desrespeitando a Vida. É preciso lembrar sempre que a "Civilização" se mede pelo respeito à Vida e não pela tecnologia e pelos bens disponíveis no mercado..." (Fonte: Jornal Fórum Século XXI)

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