A economista, educadora popular e membro da Consulta Popular, Roberta Traspadini, fala da possibilidade das classes sociais serem organizadas por elas próprias. Confira abaixo o seu artigo:
Assembléia popular:
A organização da classe pela classe (II)
Roberta Traspadini
"Um dos objetivos de estarmos juntos enquanto classe é de reconhecermos aquilo que somos a partir daquilo que foi retirado de nós, como verdadeiros produtores da vida: o sentido do trabalho.
A principal característica do modo particular de produção capitalista, é que o que ele extrai cada vez mais de nós trabalhadores é o nosso tempo.
Isto porque se apropriou de forma privada: 1. Dos meios de produção da vida e, 2. Do principal elemento gerador do ciclo da vida, a terra.
Este roubo ocorre tanto na apropriação indevida do tempo de trabalho mal remunerado para parte expressiva de nossa classe, quanto no tempo que deveria ser de não trabalho, livre para o lazer, a cultura e a família, e é utilizado pelo mesmo capital, como reprodução ampliada de seus interesses.
Em outras palavras, o capital usa nosso tempo, ou para nos aprisionar ainda mais no sobre-trabalho cotidiano, ou para transformar nosso tempo livre em tempo de consumo.
É em meio a essa forma específica de subordinar o produtor da vida, o trabalhador e a trabalhadora formal e informal, em alguém dependente dos donos dos meios de produção e de propriedade privados, que a classe trabalhadora encontra, com o passar do tempo, dificuldades de encontrar tempo para si, em meio ao tempo de reprodução da sua vida, na forma do tempo roubado.
O roubo do tempo se dá em várias dimensões:
1. Pelo trabalho cada vez mais intenso e prolongado, seja nos espaços de trabalho, seja na quantidade de tarefas que se leva para casa, que faz da jornada diária de reprodução da vida, maior do que a possível para que o trabalhador exerça suas funções com dignidade;
2. Pelos vários trabalhos exercidos em outras atividades, para compensar a má remuneração recebida em um único serviço, que significa o trabalho de se ocupar de forma absoluta o tempo que for necessário para ser incluído em uma sociedade que tem como pressuposto a exclusão;
3. Pela escravidão, na falta de tempo, do pouco tempo que sobra como necessário tempo de consumo das mercadorias ofertadas pelo capital, contraditoriamente produzidas por diversos trabalhadores em várias partes do mundo, com cada vez menos tempo e dinheiro para consumir o que foi produzido pelos seus pares.
Não se trata de um roubo específico e sim de um roubo generalizado e qualificado, em um modo de produção específico. Um roubo de poucos homens e mulheres com o poder nas mãos, contra uma imensa maioria de sujeitos subordinados a este poder. A maioria dos sujeitos com as mãos na massa, frente à minoria com as mãos sobre os que estão com as mãos na massa.
Com a aparência de tempo livre, o que o capital faz em essência é apropriar-se de “todo” o tempo, para que o “inexistente” sentido do tempo livre seja condicionado à produção e ao consumo.
É com base nesse roubo do tempo e da produção de vida em todas as suas dimensões que a classe que vive do trabalho se organiza para estruturar as bases reivindicativas e revolucionárias frente ao Estado de direito burguês, e para além dele, em outro Estado cujo poder esteja nas mãos dos trabalhadores.
A organização popular deve ter os bairros, os espaços de trabalho e de encontro da classe, como células-referências de organização para a formação e estruturação das lutas.
Dado o tempo escasso, e as necessidades de reprodução da sobrevivência dos trabalhadores levadas, cada vez mais, ao extremo, caso não tenhamos em consideração estas limitações de forma objetiva-subjetiva, a organização fica literalmente ameaçada.
Sim ameaçada. Pois, o domínio do viver capitalista requer cuidar com paciência histórica essa tarefa de produzir encontros e respeitar as características particulares de falta de tempo da classe trabalhadora. Tempo roubado que cansa-tensiona-oprime corpos e mentes numa dimensão sem igual na história da humanidade.
Esses espaços são poderosos por dois motivos:
1 - Recuperam o sentido do estar junto, em meio à lógica do separar; do fazer para e com outro, em plena era do eu; de pensar juntos o processo histórico e refazer com dignidade novos percursos em que os trabalhadores sejam os reais protagonistas da cena.
2 - Relatam, no mundo das privações do Estado de direito, lutas concretas que devem ser realizadas para recompor o sentido da dignidade humana, além de organizar no escasso tempo e nas limitações de recursos de toda ordem, a classe para si em um processo de produção do novo. Um novo projeto de classe que parte da compreensão do que se tem e grita em forma de domínio popular o que se quer.
É no contexto da morada da classe e dos espaços de exploração do trabalho que se entende, concretamente, o que se vive. Nestes espaços a alienação, enquanto capacidade de criar uma vida sem refletir sobre dita criação, é a chave do negócio mercantil burguês.
Não é à toa que o capital foi transformando estes lugares em espaços individuais, em que, mesmo estando cheios de indivíduos, estão vazios de sua expressão de ser gente, ser povo, ser classe.
Se, esses espaços produzissem vida para os que ali estão o capital não sobreviveria, pois os trabalhadores coagidos à alienação estariam conscientes de forma coletiva, tanto sobre a situação criada fora de seus desejos, quanto sobre a possibilidade de reação frente a isto.
A organização popular, nos espaços de morada e de trabalho da classe é um instrumento necessário de emancipação a partir da consolidação coletiva sobre o que se quer, e como se logra chegar onde se quer.
Não há poder popular, sem organização popular. A organização popular volta a ter sentido na e para a classe, em meio às amarras do capital, a partir do momento em que junta o que o capital separa; articula o que o capital fragmenta; emancipa o que o capital aliena; produz coletivamente, o que o capital individualizou.
O que a assembléia popular tem feito é reorganizar o histórico processo da classe que vive do trabalho tanto na morada da classe (bairros, comunidades), quanto nos espaços de trabalho e reprodução da vida fora de onde se vive (fábricas, escolas, igrejas e ruas/avenidas).
No encontro trabalhadores e trabalhadoras dão outro sentido tanto ao poder, quanto ao popular na esfera política.
Expressam que a política se consolida em um processo de produção de vida que requer muito mais do que tomar o Estado, mas sabe que precisa ocupá-lo transitoriamente. Requer uma organização, com intencionalidade tal, em que esse tomar partido pelo poder popular, sustente a luta em tempos difíceis, após a chegada no poder.
O poder popular nas células organizativas é o de resignificar a política e os sujeitos políticos, para além da histórica sujeira do capital contra o trabalho. É a reiteração de que outro mundo será necessariamente possível, quando a classe trabalhadora souber, livre das amarras da alienação, produzir o que quer e aniquilar o que não quer."
Este roubo ocorre tanto na apropriação indevida do tempo de trabalho mal remunerado para parte expressiva de nossa classe, quanto no tempo que deveria ser de não trabalho, livre para o lazer, a cultura e a família, e é utilizado pelo mesmo capital, como reprodução ampliada de seus interesses.
Em outras palavras, o capital usa nosso tempo, ou para nos aprisionar ainda mais no sobre-trabalho cotidiano, ou para transformar nosso tempo livre em tempo de consumo.
É em meio a essa forma específica de subordinar o produtor da vida, o trabalhador e a trabalhadora formal e informal, em alguém dependente dos donos dos meios de produção e de propriedade privados, que a classe trabalhadora encontra, com o passar do tempo, dificuldades de encontrar tempo para si, em meio ao tempo de reprodução da sua vida, na forma do tempo roubado.
O roubo do tempo se dá em várias dimensões:
1. Pelo trabalho cada vez mais intenso e prolongado, seja nos espaços de trabalho, seja na quantidade de tarefas que se leva para casa, que faz da jornada diária de reprodução da vida, maior do que a possível para que o trabalhador exerça suas funções com dignidade;
2. Pelos vários trabalhos exercidos em outras atividades, para compensar a má remuneração recebida em um único serviço, que significa o trabalho de se ocupar de forma absoluta o tempo que for necessário para ser incluído em uma sociedade que tem como pressuposto a exclusão;
3. Pela escravidão, na falta de tempo, do pouco tempo que sobra como necessário tempo de consumo das mercadorias ofertadas pelo capital, contraditoriamente produzidas por diversos trabalhadores em várias partes do mundo, com cada vez menos tempo e dinheiro para consumir o que foi produzido pelos seus pares.
Não se trata de um roubo específico e sim de um roubo generalizado e qualificado, em um modo de produção específico. Um roubo de poucos homens e mulheres com o poder nas mãos, contra uma imensa maioria de sujeitos subordinados a este poder. A maioria dos sujeitos com as mãos na massa, frente à minoria com as mãos sobre os que estão com as mãos na massa.
Com a aparência de tempo livre, o que o capital faz em essência é apropriar-se de “todo” o tempo, para que o “inexistente” sentido do tempo livre seja condicionado à produção e ao consumo.
É com base nesse roubo do tempo e da produção de vida em todas as suas dimensões que a classe que vive do trabalho se organiza para estruturar as bases reivindicativas e revolucionárias frente ao Estado de direito burguês, e para além dele, em outro Estado cujo poder esteja nas mãos dos trabalhadores.
A organização popular deve ter os bairros, os espaços de trabalho e de encontro da classe, como células-referências de organização para a formação e estruturação das lutas.
Dado o tempo escasso, e as necessidades de reprodução da sobrevivência dos trabalhadores levadas, cada vez mais, ao extremo, caso não tenhamos em consideração estas limitações de forma objetiva-subjetiva, a organização fica literalmente ameaçada.
Sim ameaçada. Pois, o domínio do viver capitalista requer cuidar com paciência histórica essa tarefa de produzir encontros e respeitar as características particulares de falta de tempo da classe trabalhadora. Tempo roubado que cansa-tensiona-oprime corpos e mentes numa dimensão sem igual na história da humanidade.
Esses espaços são poderosos por dois motivos:
1 - Recuperam o sentido do estar junto, em meio à lógica do separar; do fazer para e com outro, em plena era do eu; de pensar juntos o processo histórico e refazer com dignidade novos percursos em que os trabalhadores sejam os reais protagonistas da cena.
2 - Relatam, no mundo das privações do Estado de direito, lutas concretas que devem ser realizadas para recompor o sentido da dignidade humana, além de organizar no escasso tempo e nas limitações de recursos de toda ordem, a classe para si em um processo de produção do novo. Um novo projeto de classe que parte da compreensão do que se tem e grita em forma de domínio popular o que se quer.
É no contexto da morada da classe e dos espaços de exploração do trabalho que se entende, concretamente, o que se vive. Nestes espaços a alienação, enquanto capacidade de criar uma vida sem refletir sobre dita criação, é a chave do negócio mercantil burguês.
Não é à toa que o capital foi transformando estes lugares em espaços individuais, em que, mesmo estando cheios de indivíduos, estão vazios de sua expressão de ser gente, ser povo, ser classe.
Se, esses espaços produzissem vida para os que ali estão o capital não sobreviveria, pois os trabalhadores coagidos à alienação estariam conscientes de forma coletiva, tanto sobre a situação criada fora de seus desejos, quanto sobre a possibilidade de reação frente a isto.
A organização popular, nos espaços de morada e de trabalho da classe é um instrumento necessário de emancipação a partir da consolidação coletiva sobre o que se quer, e como se logra chegar onde se quer.
Não há poder popular, sem organização popular. A organização popular volta a ter sentido na e para a classe, em meio às amarras do capital, a partir do momento em que junta o que o capital separa; articula o que o capital fragmenta; emancipa o que o capital aliena; produz coletivamente, o que o capital individualizou.
O que a assembléia popular tem feito é reorganizar o histórico processo da classe que vive do trabalho tanto na morada da classe (bairros, comunidades), quanto nos espaços de trabalho e reprodução da vida fora de onde se vive (fábricas, escolas, igrejas e ruas/avenidas).
No encontro trabalhadores e trabalhadoras dão outro sentido tanto ao poder, quanto ao popular na esfera política.
Expressam que a política se consolida em um processo de produção de vida que requer muito mais do que tomar o Estado, mas sabe que precisa ocupá-lo transitoriamente. Requer uma organização, com intencionalidade tal, em que esse tomar partido pelo poder popular, sustente a luta em tempos difíceis, após a chegada no poder.
O poder popular nas células organizativas é o de resignificar a política e os sujeitos políticos, para além da histórica sujeira do capital contra o trabalho. É a reiteração de que outro mundo será necessariamente possível, quando a classe trabalhadora souber, livre das amarras da alienação, produzir o que quer e aniquilar o que não quer."
obs.: A Primeira parte do texto: Assembléia popular: a formação política (I)
http://www.brasildefato.com.br/v01/agencia/analise/assembleia-popular-a-formacao-politica-i
http://www.brasildefato.com.br/v01/agencia/analise/assembleia-popular-a-formacao-politica-i
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