sábado, 8 de maio de 2010

UM NOVO MODELO DE DEMOCRACIA SOCIAL

O cientista político, Bruno Lima Rocha, faz uma tipificação da forma de articular o político com o social. Bruno Lima Rocha, é cientista político com doutorado e mestrado pela UFRGS, jornalista formado na UFRJ; docente de comunicação e pesquisador 1 da Unisinos; membro do Grupo Cepos e editor do portar Estratégia & Análise. Veja o artigo:

Por uma democracia social

com partidos políticos de outro tipo – 1

Bruno Lima Rocha

"Inauguramos nesta nova série de quatro breves artigos de difusão científica, um debate que vai além da forma orgânica dos partidos e se centra em sua missão institucional e na antecedência histórica. A série começa com a tipificação de uma nova forma de articular o político com o social e no intermédio destes dois níveis a presença do político-social, fortalecendo as chamadas tendências das bases de movimentos e as respectivas agrupações de tipo aberto. Lembramos que aqui se trabalha um modelo de tipo distinto do partido de intermediação de tipo burguês ou autoritário. E, que a radicalização da democracia, como atividade-meio para a transformação da sociedade, passa por uma escalada de participação e o conflito resultante desta.
Uma vez que aqui se trata da hipótese de desenvolvimento de uma organização política de minoria, ou o partido de quadros, com intenção de ruptura da ordem constituída, as variáveis de desenvolvimento para este tipo de instituição política estão condicionadas por sua missão institucional. Como afirmamos acima, estamos tentando generalizar um cenário de conflito social com protagonismo das maiorias de classe oprimida e trabalhadora.
Esta hipótese automaticamente exclui soluções e processos desenvolvidos através de vanguardas esclarecidas de tipo armado e/ou de proselitismo político. Uma vez que a conjuntura de momento não possibilita visualizações precisas e de rigor quanto ao programa ideológico deste tipo de partido, tomamos a ousadia de apontar um guarda-chuva ideológico genérico, dentro do panorama político das esquerdas latino-americanas após o Levante Zapatista no México (1994) e a derrubada do presidente equatoriano Abdala Bucaram (1997).
No exercício da modelagem, busco algo que aponte para uma ordem social com distribuição justa, independência nacional e democracia substantiva, participativa e com experimentalismos institucionais nesse sentido. Este tipo de organização seria a versão atual (pós-bipolaridade) de uma soma de objetivos de libertação nacional e democracia de cunho socialista, somados aos acúmulos de experiências atuais ou históricas na América Latina.
Através de raciocínio lógico binário, se a hipótese de vanguarda auto-esclarecida não é considerada válida, portanto a condição de organização de minoria tem como estilo político o impulsionar das instituições sociais voluntárias e de caráter massivo. Uma vez que esta mesma hipótese aponta dois eixos de mínimo denominador comum – o especifismo político-ideológico e o protagonismo das bases sociais - os mesmos se tornam o alicerce da caracterização do tipo de instituição política que abordamos.
Assim, para esta organização o nível político oficial, o de concorrência através de eleições não é considerado nem no plano tático de atuação. Experiências recentes na América Latina vêm provando e comprovando a limitação deste tipo de atuação para fins de ruptura. A mesma ressalva é valida para ocupar estruturas estatais para, desde adentro, intentar cambiar a correlação de forças e missão institucional de modo a torná-los públicos. Experimentalismos institucionais dentro do regime de legalidade são também considerados de forma tática e não-determinante para cumprir seu objetivo. Por exclusão, as saídas pela via de ruptura são estratégicas e prioritárias.
Um aspecto é importante ressaltar, que é o tema da inserção e condicionamento das bases sociais para um objetivo finalista dentro de uma estratégia permanente. O tema do controle por parte dos partidos de esquerda sobre os movimentos populares é justo o oposto do desenvolvido pelo grosso da literatura de ciência política, tomando por base a generalização da experiência da social-democracia européia. Assim, ao invés de ser inflexível para com sua própria base e transigir, a partir desta moeda de troca (o nível sindical e de massas), com os partidos da burguesia, este tipo de partido aponta para estruturas de democracia interna, tanto em suas instâncias internas como nos movimentos de classe os quais este incide e/ou hegemoniza. No caso, a intransigência é com os demais e não para dentro de si mesmo.
Um exemplo histórico relativamente recente e ainda por demais injustiçado, sendo condenado ao segundo desaparecimento (por omissão dos que produzem análise e discurso sobre a política) é a experiência insurrecional peruana da década de 1980 do século XX. Não me refiro ao Sendero Luminoso, mas sim ao acionar político-social da outra organização insurgente. A leitura obrigatória para este tema se encontra na entrevista com o comandante do Movimento Revolucionário Tupac Amaru / Exército Revolucionário Tupacamarista (MRTA) Nestor Cerpa Cartolini (Cartolini, 1997). Nesta publicação se expõe as experiências de democracia direta e participativa desenvolvidas no Frente San Martín no final da década de 1980 até o início da década seguinte, nesta região de selva há 1000 km. da capital do Peru, Lima.
Voltando a modelagem, em termos concretos, esta instituição política defende e aplica a democracia interna, a autodeterminação resolutiva e a independência dos movimentos populares em relação aos partidos de classe (incluindo ao próprio partido). Este espaço assegura a autonomia de classe social oprimida perante todas as instituições políticas agindo dentro e sobre ela. A democracia interna serviria como prerrogativa contra a cristalização com tendências burocráticas ou de oligarquias (ver a caracterização sobre o tema, abordado por Michels em Panebianko, 1982, p.36). Este é um dispositivo conformado por mecanismos e decisões visando impedir a deformação burocrática, tanto na parte interna da organização como nas estruturas organizativas das instituições sociais (movimentos de classe e programáticos) onde este gravita.
O binômio de autonomia de classe social e democracia interna em todos os níveis apontam para uma discussão de fundo teórico e essencial para nos fazermos compreender. Trata-se da própria idéia de classe política e, uma vez que esta se constitua, as possibilidades de seu desenvolvimento atingir ou não tanto a democracia possível como a desejável pelos agentes coletivos. Em tese, estaríamos diante das opções extremas de perpetuação sem renovação, a chamada opção aristocrática; e renovação sem perpetuação, a dita a opção democrática-revolucionária (para ambas ver Bobbio, 2002, cap.8).
Partindo destas opções consagradas, formulo mais duas possibilidades: uma se aproxima da aristocrática, transformando-a em oligárquica, ou seja, renovação para perpetuação. Outra teria o mesmo perfil, mas insistiria em perpetuação de missão com renovação de pessoal, esta, entendo como normativamente positiva para este modelo aqui apresentado. Em outras palavras, o tema é o do treinamento como parte essencial da reprodução desejável por uma instituição política (Para uma discussão e crítica do tema da classe política em Michels, ver Bobbio 2002, cap.8, e com precisão pp. 225-227). A discussão, por tanto, se dá sobre o mecanismo a ser reproduzido e o tipo de treinamento necessário para cumprir uma missão institucional.
Considerando as experiências anteriores, este mecanismo tem de gerar quadros treinados para assegurar a democracia interna (em todos os níveis) e os objetivos de programa máximo. Já o programa máximo, prevê a idéia de acumulação e vai ao encontro contra as soluções de ordem tática de programas mínimos, com reformas parciais ou favorecimentos a uma categoria em contra de outra (ver Przeworski, 1995, cap.1). É aquele que deve ser proporcionado pela própria instituição política que advoga esta tese. Não há possibilidade teórica fora disso, e aí rigorosamente se descarta qualquer hipótese de definições de falsa consciência (Przeworski, 1986, p.81)."

Bibliografia do artigo:
CARTOLINI, Nestor Cerpa. Entrevista al comandante del MRTA, Montevidéu, Editorial Recortes, 1997.

BOBBIO, Norberto. Ensaio sobre ciência política na Itália. Brasília, Editora UnB, 2002.
PANEBIANKO, Angelo. Modelos de Partido. Madrid, Alianza Editorial, 1982.
PRZEWORSKI, Adam. Capitalismo e Social-Democracia. São Paulo, Cia. das Letras, 1995.

(Fonte: site do IHU - Instituto Humanitas Unisinos)

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