quarta-feira, 1 de abril de 2020

A REPÚBLICA NA UTI


(Foto: Eugênio Magno)


Oportunistas, apocalípticos e proféticos
em tempos de contaminação global

Eugênio Magno

O que dizer em hora tão urgente? Algumas pessoas em grupos de redes sociais têm reagido muito mal ao excesso de postagens sobre o novo coronavírus (COVID-19). Também pudera, com tantas comunicações desencontradas e fake news, haja paciência para essa enxurrada de informações, em sua maioria desqualificadas. As reações são diversas: “vamos manter o foco”, “não aguento mais ouvir falar de coronavírus”, “aqui não é lugar pra isso”, “vamos concentrar no nosso trabalho”, etc. Quando leio e ouço tais reações e comentários, me pergunto: qual deveria ser o foco? Em qual espaço se pode falar com liberdade sobre a pandemia que ultrapassa muros, fronteiras, classes sociais e persegue a todos – independentemente de cor, raça, nacionalidade, crença, gênero –, por toda parte e em todo o mundo? Devemos concentrar no nosso trabalho – concordo. Mas concentrar no que o nosso ofício e expertise pode contribuir para conter a contaminação. Apoiar as pessoas para que não se desesperem diante de ameaça tão letal. Ajudar a pensar propostas de trabalho e renda, com garantia imunológica, para vencer a crise econômica e financeira que já se abate sobre nós, é ainda mais grave para os mais pobres e tende a se acirrar nos próximos dias, podendo chegar a picos insustentáveis.
Como não falar sobre o coronavírus e seus diversos efeitos em nossas vidas e em nossas relações afetivas, familiares, comunitárias, profissionais, econômicas, políticas e, especificamente, no nosso caso, comunicacionais e educacionais? É nosso dever como comunicadores e educadores colaborar no processo de educação da população para as medidas de prevenção contra a Covid-19 com base nas orientações da Organização Mundial de Saúde (OMS). Mas é também de nossa responsabilidade pensar formas de sustentar a ação pedagógica, utilizando-nos dos meios virtuais e digitais, propondo pesquisas, leituras e experimentações que os educandos confinados possam realizar em seus lares. De acordo com a área de atuação de cada comunicador/educador, toda contribuição no sentido de minimizar os impactos psicoemocionais e ocupacionais da população são bem-vindas. É hora de fazer valer nossos diplomas, livros, artigos, pesquisas, especializações, amparos institucionais, salários, bolsas (as que ainda existem) e, fundamentalmente, nosso conhecimento e capacidade de articulação e mobilização. O momento nunca foi tão oportuno para que arquitetemos, anunciemos e ensinemos o novo.
O foco da população, como um todo, não pode e nem deve ser na doença, no vírus. É imprescindível que reconheçamos a sua potência para que possamos combatê-lo com a força necessária para liquidá-lo, mas não nos esqueçamos de usar a nossa perícia e robustez criativa para encontrar soluções para os vários desdobramentos da pandemia em nossas vidas. Ficar em casa, isto é, manter o distanciamento social, deveria ser algo indiscutível. Todavia, carecemos ainda de outras medidas que, além de contemplar todas as recomendações de precaução para deter o avanço da contaminação, consigam ultrapassar esse limite e proporcionar a cura e os cuidados devidos e necessários aos infectados. E ainda buscar alternativas para o colapso econômico. Para que isso ocorra, entretanto, muitas ações estratégicas devem ser incrementadas de forma responsável. Necessitamos, por exemplo, reconhecer que é vital o funcionamento de setores essenciais como os de saúde, segurança, combustíveis, transporte, telecomunicações, energia, água, vigilância sanitária, alimentação, pesquisa, ciência e tecnologia, para citar apenas alguns deles que, por sua vez, dependem de outros subsetores de suporte, para garantir suas atividades. Tudo isso, independentemente da vontade, ou do que a capacidade cognitiva dos dirigentes de nosso país consiga entender como melhor ou pior para a nação. Até porque, em meio a tantos decretos e revogações, informações e contrainformações, na esfera governamental, tornou-se impraticável submetermo-nos sem reflexão a qualquer ordem advinda do poder central, enquanto não houver razoabilidade, lucidez e o mínimo de garantias de que estaremos tomando o rumo certo.
Em meio ao caos social, a crise econômica e a pandemia que ameaça a saúde de toda a população, nossas lideranças políticas encontram-se totalmente perdidas no imbróglio de seus projetos de poder e continuam sem apresentar qualquer solução factível para o enfrentamento da situação. Enquanto blocos de uma direita oportunista e inescrupulosa antecipam a luta para a divisão dos possíveis despojos da meteórica ascensão e queda do bolsonarismo, parte significativa da esquerda e a grande maioria dos grupos associativos reduzem suas pautas a críticas ao governo Bolsonaro e a reivindicações sobre perdas sofridas (o que é justo, mas se distância e muito de nossas emergências). Chutar cachorro morto é coisa fácil. Até mesmo setores ultraconservadores, aliados aos saqueadores do Estado brasileiro que contribuíram para instaurar o desmonte da Res publica, resolveram reagir de forma vigorosa contra o atual governo. O cenário, definitivamente, não é dos mais alvissareiros, com ou sem Bolsonaro que, aliás, comete suicídio político todas as vezes que usa a caneta, abre a boca ou fica online.
Se os progressistas, as esquerdas lúcidas e os defensores da democracia não se unirem em torno de um projeto político, econômico, de saúde e de desenvolvimento que sensibilize a população e ponha freio neste trem desgovernado, o que assistiremos – como meros espectadores – será uma já anunciada troca de mãos, no manejo dos destinos de nosso país, para dar mais do mesmo ao nosso povo pra lá de sofrido. Excetuando o espectro dos oportunistas abjetos, é perceptível que segmentos da sociedade têm se subdividido entre apocalípticos e proféticos neste entreato da história que aponta para uma mudança de paradigma no modus vivendi da humanidade e na economia mundial. Estou alinhado aos proféticos, mas consciente de que profetismo requer mais que denúncia. Essa já está feita, não somente pelo coro das vozes dissidentes, como também e, principalmente, pelas próprias circunstâncias em que nos precipitamos. Agora é a hora d’a onça beber água. Os tempos carecem de anúncio.
Chegou o momento de todos os seres pensantes desse país – os poucos que ainda podem se dá ao luxo de sobreviver ainda que, hibernando confinados em “quarentena” –, usarmos toda a nossa reserva de força imunológica e capacidade de trabalho para contribuir com o país e com o mundo. Garantir o futuro dos que vierem e, quiçá, oportunizar um pouco mais de vida digna a nós mesmos e àquilo que representamos socialmente.

Este artigo também foi publicado no jornal Pensar a Educação em Pauta.

2 comentários:

  1. Excelente !
    Salvar a humanidade da pandemia e garantir uma economia para os futuros seres q aqui habitarão e dignidade aos que sobreviverem (muitos,se Deus quiser),

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