Apatia de uma noite de outono
Eugênio Magno
Depois da falta de sono, veio a
vontade de não dormir e vaguear pelas ruas desoladas. A lua se escondia atrás
da névoa. O vento que às vezes soprava e o chão úmido (coberto pelas folhagens)
faziam-me um convite a penetrar os labirintos daquela noite, mista de
horripilante e sedutora. As tortuosas ruelas, o chão, o céu e toda aquela
arquitetura barroca faziam coro me convidando a integrar tal atmosfera.
Agasalhado e frio, deixei de ser
espectador para protagonizar o nada, a apatia da noite de outono.
- Onde estavam os fantasmas e todos aqueles
personagens das lendas, do folclore e da ficção?
Já não haviam mais dráculas,
mulas-sem-cabeça, sacís, lobisomens ou mulheres-de-sete-metro. Apenas o ronco
coletivo, o sono e o sonho... enquanto eu, buscava incessantemente uma cena
digna daquela noite sombria.
Ao avistar a silhueta de duas pessoas
cheguei a pensar em visão fantasmagórica, até me certificar que se tratava de
uma senhora e um jovem. Resolví segui-los à distância e... quem sabe vivenciar
um acontecimento inesperado!? Os dois andavam em atitude suspeita e pareciam
fugir ou esconder algo que eu não conseguia identificar.
Num dado momento eles pararam, olharam
para trás e viraram uma esquina. Certa hora cheguei a pensar que os havia
perdido de vista. Depois os ví em frente ao casarão dos Freire.
Pensei: o que estariam fazendo em um casarão
abandonado?
A medida que me aproximava ouví
grunhidos, pancadas fortes e risadas. Passei a ter a nítida impressão de que
estava completando o quebra-cabeças.
Quis surpreendê-los, então.
Ao entrar no casarão, na enorme sala
iluminada à luz de velas, encontrei os dois, debruçados sobre a mesa. Perguntei
o que estava havendo, e o jovem me respondeu:
- Somos apenas dois diabéticos,
querendo comer nossa rapadura, sossegados.
A senhora completou:
- Acabamos de quebrá-la. Aceita!?(Do livro IN GÊ NU(A) IDA DE - Versos e prosa, 2005)
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