segunda-feira, 24 de fevereiro de 2025
CINEMA DE AUTOR EM SESSÃO DUPLA
quarta-feira, 19 de fevereiro de 2025
BRASIL NÃO É ESTADOS UNIDOS NEM CHINA
Comunicação ou Lacração?
Eugênio Magno*
O governo federal e o
mandato “Lula Três” ou “PT Cinco” tem sido alvo de inúmeras críticas. À
direita, por razões óbvias e à esquerda, por razões não tão óbvias assim mas,
para o cidadão progressista politizado que escapou do messianismo delirante de
torcida organizada, não ficam impunes a um mínimo escrutínio acerca de como o
governo tem operado nesses seus dois anos de mandato. Desde o primeiro ano
vozes aliadas apontavam inúmeras fragilidades, mas não foram levadas em
consideração. Passaram-se dois anos e nada foi feito para corrigir rumos. Ao
contrário, os erros se multiplicaram e só agora, com a aprovação do governo em queda
vertiginosa resolveram anunciar mudanças.
Análises simplistas dos que circunscrevem a política apenas à governabilidade e a interesses eleitoreiros, ao negar a necessidade de políticas de estado e de um projeto que enfrente as principais questões estruturais do país, debitam quase tudo nas barreiras interpostas pelo congresso e na incapacidade comunicacional do governo. Existem inúmeros equívocos nessas análises, em sua maioria tendenciosas – pró e contra o governo. As relações do executivo com o legislativo, o judiciário e com o mercado, por exemplo, apesar de porosas, são vendidas como independentes e até como se fossem conflituosas. São necessários exames abrangentes, objetivos, profundos e desapaixonados para compreender esse imbróglio.
Como a tônica deste artigo é a comunicação governamental, de saída é preciso que fique claro o seguinte: embora importantíssima, a comunicação, no sentido em que muitos apontam, não resolve absolutamente nada. Para se comunicar, especialmente no campo político, de forma ativa e não apenas reativa – e com delay, como o governo se comunica – é imprescindível que hajam informações e notícias originadas de fatos reais e ações concretas que impactem fortemente, e de maneira positiva, a vida do povo. O que se comunica é, ou deveria ser, o resultado de uma ação, para que haja Comunicação. Esta é uma equação que se estrutura com dez por cento de comunicação e noventa por cento de ação. Quando a ação, a política desenvolvida é forte o suficiente, ela própria já é a mensagem e até mesmo o meio. Numa circunstância tal, o papel da publicização, da divulgação, é apenas fazer com que a ação ganhe ainda mais relevância, capilaridade e repercussão. Mas esse não é o caso. A direita radical dominou o ambiente virtual com fake news e lacração e um monte de ineptos da esquerda adotou essa prática e se acha no direito de incentivar o governo a agir da mesma forma. Governistas e oposicionistas estão confundindo marketing digital, cancelamentos e lacração com comunicação.
A falta de audácia por parte do governo para enfrentar os temas mais difíceis, compatíveis com suas origens e sua base – a classe trabalhadora –, tem impedido que ele consiga pautar a imprensa com temas de grande impacto junto à população. Com tudo isso e mais as críticas, ilegítimas e legítimas, as poucas ações concretas e positivas do governo, principalmente as de pouca magnitude, ficam totalmente sem espaço na mídia e, consequentemente, desconhecidas da população, enquanto todas as maldades que, diga-se de passagem não têm sido poucas, ganham difusão.
No final do ano de 2024, alguns fatos geraram notícias favoráveis e desfavoráveis ao governo. Todavia, mesmo aquelas supostamente favoráveis, não se sustentaram com esse status se analisados com um pouco mais de rigor os fatos que as geraram. Sem entrar nos méritos do ocorrido, tomemos a infeliz fala de Rosângela Lula da Silva (Janja), numa palestra sobre combate à desinformação no Cria G-20 que, quando interrompida por uma buzina de navio mandou um sonoro: “fuk you, Elon Musk”. Por pura sorte a fala da primeira-dama foi subsumida pelas notícias-bomba sobre a tentativa de golpe, numa lambança em que apareceram nomes de militares de alta patente das Forças Armadas brasileiras e do ex-presidente, Jair Messias Bolsonaro. Fatos que despertaram grande atenção da mídia nacional e internacional, abafando a repercussão da fala da esposa do presidente.
Na sequência, surfando na mesma onda da avalanche de notícias sobre a arquitetura da tentativa de golpe e da divulgação dos nomes e cargos das autoridades envolvidas, esse mesmo governo acusado de não se comunicar bem ensaia o que poderia ter sido uma jogada de mestre. Usando cadeia nacional de rádio e TV, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, anunciou para todo o país as novidades do seu arcabouço fiscal. Para o anúncio das novas medidas – nada populares –, usou de uma prerrogativa de comunicação governamental que, inclusive, tem sido pouquíssimo usada até mesmo pelo presidente da república. A estratégia, mais marqueteira do que comunicacional, não se sustentou. Festejado pelo governo e por alguns poucos setores da sociedade, o que foi votado do arcabouço fiscal no final de 2024 conseguiu desagradar tanto a Faria Lima quanto os intelectuais e os mais pobres. A primeira, em razão do anúncio de possíveis atitudes futuras que os “prejudica”, e os últimos pelo massacre à classe trabalhadora e aos pobres, fato corriqueiro no país e que se agrava a cada dia. O salário mínimo foi atingido em cheio e muitos dos demais cortes como os do Benefício de Prestação Continuada (BPC), por mais paradoxal que possa parecer, só não aconteceram porque o congresso, incluindo alguns deputados de parte da esquerda não permitiram. E isso basta. As práticas desse governo de frente ampla tem sido dizentes. Não é necessário nem mesmo desenhar para que a situação seja melhor compreendida. Até o presente momento não foi possível articular nenhuma medida concreta de grande alcance popular. Infelizmente, é preciso dizer que o populismo e a demagogia têm sido a prática corrente. Enquanto os messiânicos e o povo em geral se entretinham com as notícias da tentativa de golpe e o anúncio dos nomes e patentes dos golpistas, a boiada passou. Lembram de uma frase parecida com essa? Pois é, foi dita e praticada de forma sistemática à direita, por seis anos e agora se repete em ato à esquerda.
É difícil entender porque certos setores da mídia que faz “assessoria de imprensa” para o governo insiste tanto em esbravejar que o congresso é contra o governo se o governo aprova tudo que manda para câmara e senado. Também, alimentando a boca grande do parlamento com as famigeradas emendas parlamentares, não poderia ser diferente. Dizem que a Faria Lima é contra o arcabouço fiscal e que o congresso é aliado da Faria Lima (?). Então, por que o congresso aprovou em regime de urgência a parte do pacote que mais prejudica a população de baixa renda e numa jogada de equilibrista ainda conseguiu desidratar o impacto do arrocho econômico? Resumindo, o governo criou uma estratégia de dar com a mão pequena e tirar com a mão grande. Tem gente que ainda não entendeu que os ataques às regras de reajuste do salário mínimo vão destruir o ganho de trabalhadores e aposentados. Isso representa um grande retrocesso em relação aos próprios avanços dos Governos Lula I e II e Dilma I que garantiam ganhos reais, acima da inflação aos assalariados, acompanhando o crescimento da economia que na lógica atual só faz engordar a porca dos mais ricos, condenando os pobres a se tornarem ainda mais pobres. E não cabe desculpas para tanto descalabro. Esse projeto tem digitais: é de autoria do governo e as maldades já foram feitas, aprovadas e estão em vigor. A tal isenção de Imposto Renda para os que ganham até cinco mil reais e a taxação dos mais ricos, quando votados e, se aprovados, o que é pouco provável, só terá validade a partir de 2026.
Em meio às festas de fim de ano, logo após o pacorte(s) do Haddad, Lula assina o termo de posse de Gabriel Galípolo, como presidente do Banco Central e anuncia Galípolo e Arcabouço Fiscal como “Presentes de Natal” para os brasileiros. Não é por nada não, mas com esses “presentes”, dá pra rir e pra chorar. Teríamos que ser masoquistas para comemorar mais esse revés. E, na contramão de um posicionamento que seja digno de uma esquerda que honre tal posição, a todo instante um bando de incautos interpelam os críticos indagando se o cavalo de Tróia de Bolsonaro, Campos Neto, seria a melhor opção. Aí é preciso dizer que não é questão de preferência, mas de coerência. Quando o governo nomeia um banqueiro, representante do mercado, defensor dos juros altos e simpático à Faria Lima, cabe muita reflexão e os debates não podem ser invalidados de forma irresponsavelmente sumária como tem acontecido. O resultado está aí: a primeira ação de Galípolo à frente do Banco Central foi aumentar a taxa Selic em 1%. Enquanto a galera que deveria torcer pelo Brasil fica na torcida de China versus Estados Unidos a equipe econômica do governo faz gol contra.
Lulistas, governistas acríticos e mídia comprometida com o governo insistem em fazer comparações por baixo e usam o mesmo expediente carcomido da extrema direita. Bolsonaro e seus asseclas passaram quatro anos destruindo a república e detratando Lula e o PT. Lá se vão dois anos do mandato de Lula e Bolsonaro e os bolsonaristas não foram deixados de lado, à cargo da jusutiça. A todo instante a torcida Lulista recorre às confrontações, Lula X Bolsonaro, para justificar suas recorrentes passadas de pano. Há que se elevar o nível do debate, qualifica-lo. Criticar Jair Bolsonaro, Paulo Guedes, Roberto Campos Neto e companhia limitada é a coisa mais fácil que existe. A esquerda não é mais oposição e sim situação. Nessa condição, estabelecer comparativos com o período de Bolsonaro é perda de tempo e energia. Sendo o PT e ao menos parte da base governista de esquerda, é incoerente negar o direito e o dever dos cidadãos e dos seus eleitores cobrarem do governo sua posição progressista e as promessas de campanha, ao invés de repetir o comportamento teleguiado dos bolsonaristas que aceitam tudo do seu “mito”, de boca fechada. Afinal, sugerir, fiscalizar e criticar a quem se elegeu e deu poder é um direito legítimo. Entretanto, a miopia é grande. Essa esquerda, mesmo no poder, vilaniza o passado e culpa o futuro por nunca chegar – com inação –, enquanto a direita ferra o povo e a nação no presente, estando ou não no poder.
Se o governo ao menos admitisse que a sua missão consistia apenas em impedir a permanência do desastre Bolsonaro no poder e com a frente ampla garantir a democracia e colocar ordem na casa, o Brasil humanista e democrático já estaria agradecido. Mas não, fez uma série de promessas de campanha que não cumpre e ilude o povo anunciando falsas bondades. Falha que poderia ser minimizada se resolvesse usar de honestidade com a população. Mas o salto alto não permite dar nenhum sinal de fraqueza e revelar os verdadeiros entraves para a realização do que prometeu. Coisa que não acontece nem mesmo para reconquistar o apoio popular. Para 2026 já se fala até em mais uma guinada do centro para a direita. A impressão que fica é que só o poder interessa. Com isso, a popularidade e a credibilidade só cai junto ao próprio eleitorado.
Questionados, os fiéis escudeiros do governo se defendem dizendo que a economia voltou a crescer, o PIB aumentou, o ano de 2024 foi superavitário, o dólar baixou, os empregos voltaram e tal. São incapazes de reconhecer o grande déficit de empregos formais, a carestia dos alimentos e demais produtos no supermercado, na bomba de combustível, no armazém, no sacolão, na farmácia, na padaria, no comércio, nos transportes e nos serviços em geral. Uma total falta de sintonia com a realidade do Brasil profundo e da economia real. Falas de papagaios repetindo jargões neoliberais dos economistas do governo e do mercado. Alguns minimizam a gravidade da questão econômica que também é social, trazendo o tema das constantes ameaças à democracia. Argumentam que o fogo amigo pode dar munição ao nazi-fascismo extremado dos radicais da direita que está vivíssimo buscando a quem devorar e que novas tentativas de golpe podem ser armadas. Essa é uma ameaça real que nunca esteve ausente da política brasileira. Mas, que fique claro: nenhum dos que criticam o governo, por dentro, desconhecem-na ou a negam. O que não se pode esquecer é que existem muitos outros enfrentamentos a serem encarados no país, especialmente no campo econômico. A segurança pública merece atenção especial. O país reclama urgência na regulação do setor cibernético e de telefonia onde a criminalidade e os abusos proliferam denodadamente. E ainda tem as promessas de campanha, como a revogação de várias decisões do governo anterior, dentre muitas outras propostas, até então intocadas. Para tudo que não é realizado ou é encaminhado de forma errática, busca-se uma justificativa.
Já faz um tempo que a comunicação virou bode expiatório, a grande responsável por todos os equívocos do governo. Os que se metem a porta-vozes palacianos, lotados em diversas mídias, vivem dizendo que tem muita coisa boa acontecendo, mas que o governo não consegue comunicá-las. O irônico, é que nem mesmo esses ufanistas nos dão a conhecer tais bondades, enquanto as maldades vão todas passando: as da oposição, do centrão, do mercado e as do próprio governo. Mas quem as identifica, independentemente do campo político em que esteja, deve se calar ou correr o risco de falar e ser patrulhado. Só os mais aguerridos, a contrapelo dos haters, se mantêm firmes em suas posições de sujeitos históricos responsáveis.
No outro espectro, a turma da extrema direita que passou a adotar as redes sociais como fontes de (des)informação, agem como alucinados. Dão a impressão de pessoas que quando precisam de médicos vão à sapataria. É estarrecedor constatar o grau de confiança que eles atribuem a tantas informações desqualificadas e apócrifas. Mas, de certa forma, a chamada mídia alternativa ou independente tem sua parcela de culpa nisso também. Alardearam ser os bastiões da moral, da ética e do jornalismo sério e desancaram a mídia tradicional que todos conheciam e por onde grande parte da população se informava, apesar de seus vícios e comprometimentos e isso contribuiu para que o jornalismo como um todo e o profissional de comunicação fosse totalmente descredibilizado com o refrão diário na cabeça do internauta de que “a mídia é tendenciosa e a imprensa não é confiável”. Nessa onda, a extrema direita se aproveitou disso de maneira perversamente “inteligente”. Passou a usar o próprio argumento desses progressistas que se acham acima do bem e do mal e toda a mídia, seja ela corporativa, alternativa, independente ou progressista, vem sendo demonizada pela sociedade.
Os arautos do caos midiático se esquecem de que eles estão incluídos nisso, pois também são mídia e como tal vítimas dos próprios ataques. Além dessas declarações representarem um contrassenso pois que, a própria mídia independente, alternativa ou progressista (difícil nominar), ademais, não tem tido um comportamento justo ao processar as informações. Não dá espaço para o contraditório, condena veementemente o que não está alinhado com seu campo ideológico e certos comentaristas que operam nesses portais entraram de sola na wibe do cancelamento e da lacração. Só têm elogios para toda e qualquer atitude do governo e nas questões controversas adotam o silêncio como estratégia.
A hegemonia dos veículos de comunicação corporativos está em seus estertores. Já são muitos os blogs, sites, portais, canais e plataformas de jornalistas independentes e de novas empresas de comunicação digital que disputam audiência com a mídia tradicional em pé de igualdade. Mas, audiência, progressismo, engajamento e faturamento nem sempre é compatível com informação de qualidade e compromisso com a verdade dos fatos. As estruturas de processamento da informação: acompanhamento dos fatos, busca de fontes variadas, triagem, apuração, reportagem e checagem ainda não estão totalmente aprimoradas nesses novos veículos midiáticos. A maioria, apenas comenta notícias e emite opinião, em grande medida, se valendo das notícias apuradas pela imprensa corporativa tradicional que tanto criticam. O discurso depreciativo adotado pelos que se julgam ungidos não atingiu somente a mídia corporativa. Foi nefasto para todo o sistema de comunicação e sobre isso ninguém se manifesta.
Quem quer se manter bem informado precisa quintuplicar as buscas por fontes de informação confiável de forma ampla e variada, e ainda assim corre o risco de ficar desinformado. O momento exige uma cruzada no sentido de resgatar a credibilidade da mídia, da informação, do jornalismo e da comunicação de um modo geral. O setor, em sua nova configuração, ampliada pelo digital e pela hegemonia das big techs carece, urgentemente, de regulamentação. Ainda assim, os responsáveis por legislar sobre o tema estão deitados em berço esplêndido a esperar não se sabe o quê.
Por essas e outras é que o refrão: “o governo comunica mal” é discutível. Tem uma turma de jornalistas e analistas insistindo tanto nisso que tal vaticínio só não vai virar verdade porque a realidade concreta não permite. Já trocaram o secretário de comunicação, de um político, por um marqueteiro. Saímos da retórica política institucionalizada para uma estratégia de marketing digital com pitadas panfletárias de campanha eleitoral, adaptadas ao estilo TikTok. Assim, do ponto de vista do formato e da agilidade, já se percebe uma mudança significativa. Entretanto, cabe indagar: onde fica a comunicação social no que ela deve ter de mais consistente, ética e comprometida com a verdade dos fatos e com seu público, no caso não um mero consumidor de conteúdos com imagens e manchetes atrativas, mas o cidadão brasileiro. Quem é do ramo – e é estudioso – sabe muito bem que comunicação é muito mais do que a simples retórica sofista. No entanto, é o que a maioria dos críticos da comunicação governamental defende e não se cansa de empurrar o governo para a adoção sistemática e oficial dessa prática epidérmica como estratégia prioritária.
É evidente que a Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (SECOM) vinha tendo dificuldades em operar estrategicamente forma e conteúdo da comunicação do governo federal. E é inaceitável para quem é profissional da área que uma das mais completas estruturas de comunicação que se pode ter, o sonho de consumo de qualquer comunicador, não consiga comunicar bem. Essa secretaria conta com o conglomerado de mídia da Empresa Brasil de Notícias (EBC), as melhores agências de Propaganda e Relações Públicas do país a seu serviço e um supercomunicador que é o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O governo já teve também o Flávio Dino que, descontadas as fanfarronices, além de ser um bom comunicador era um quadro com grandes chances para 2026, mas que a egolatria o tirou da linha sucessória presidencial com o irrecusável empregão no Supremo Tribunal Federal (STF). Janja foi outra que tem feito investidas na área de comunicação, mas depois das últimas imprudências calou-se ou foi silenciada. Fernando Haddad, de vez em quando arrisca um pronunciamento, mas apesar da fala educada e do seu bom-mocismo, não tem carisma. Sua comunicação se adequa mais ao petit comité de banqueiros, rentistas e comentaristas de economia neoliberais. Além de tudo, o ministro da fazenda só tem dado informações impopulares, o que não ajuda a ele e muito menos ao governo. As tiradas comunicacionais criativas do Lula também não se adequam mais ao time digital. Elas surtiam grande efeito no período analógico em que as possíveis respostas, quando surgiam, vinham com atraso. Os tempos mudaram e os improvisos do presidente carecem de upgrade para não serem transformados em memes da oposição, como tem ocorrido com frequência.
A despeito dessas e de outras considerações que possam ser feitas no âmbito da comunicação oficial do governo, desconfio que o tal problema comunicacional não se localizava totalmente na Secretaria de Comunicação. Provavelmente existe alguma eminência parda – inapta ou mal intencionada – atuando nos bastidores como orquestrador/a da militância digital de esquerda, incitando-a a agir tal e qual a extrema direita, no limite das narrativas espetaculares. Mídia alternativa e jornalistas influenciadores digitais foram capturados por essa orientação e têm atuado como multiplicadores da desventurada tendência juntamente com a torcida partidária nas redes sociais. A expectativa é de que o novo ministro da Comunicação, Sidônio Palmeira, acione seus radares para localizar e retirar a batuta do maestro impostor e fazer a regência da comunicação de maneira satisfatória para que o fator comunicacional não seja mais a desculpa governista.
Porém, na política, apesar da profusão de milagreiros, milagres não existem. Algumas das últimas ações governamentais que poderiam gerar repercussão positiva na mídia e nas redes foram malfadadas. O evento do dia 8 de janeiro de 2025, convocado pelo governo para celebrar a democracia, com um abraço na Praça dos Três Poderes, não conseguiu reunir nem duas mil pessoas. A fala de Lula, que aproveitou bem o sucesso do filme, Ainda estou aqui, para condenar os atos golpistas e o pronunciamento do ministro, Alexandre de Moraes que mandou recado para Mark Zuckerberg, dono do Facebook, dizendo que o Brasil tem leis, salvaram a pátria. Logo depois surgiu o caso do Pix com a boataria da taxação. Nessa, o governo tomou uma decisão e, ao voltar atrás, passou recibo para a oposição. Ato contínuo, a extrema direita acusou o produtor e diretor do filme, Ainda estou aqui, Walter Salles, de usar dinheiro público para fazer cinema. Pessoas que se dizem de esquerda usaram os argumentos mais bizarros para defender o cineasta: “ele é muito rico, dono de banco (..)”. E é mesmo, mas o Waltinho tem uma filmografia substantiva e inúmeros méritos que poderiam ser usados em sua defesa, além do mais essa coisa de banqueiro não deveria ser festejada, muito menos pela esquerda. Não pegou bem. A direita ressentida fez uma provocação tosca e a esquerda respondeu de forma estúpida. Para completar o quadro, a base do governo votou com a maioria para eleger os presidentes da Câmara e do Senado e especula-se que Arthur Lira é cotado para assumir um ministério. As sandices não têm fim. Na posse de Donald Trump foram as piadinhas sobre o traje preto e o chapéu da primeira-dama, Melania Trump, e logo em seguida veio a onda do boné. Uma bobagem, onde a esquerda já saiu perdendo, por se ver obrigada a utilizar a cor azul, em razão da extrema direita Bolsonaro-trumpista ter capturado o vermelho, tradicionalmente caracterizado como a cor das esquerdas no mundo inteiro. É difícil entender o porquê da insistência em disputar narrativas de lacração ao invés de disputar projeto político, fazer showrnalismo de internet e deixar de formar e informar a população.
A quantidade de erros cometidos pelo governo em sequência e a insistência de alguns fanáticos em desqualificar a comunicação governamental, por ignorância ou estrategicamente, têm nos convencido de que o buraco é bem mais embaixo. É muito clara a tentativa de transferir responsabilidades para esconder o comportamento neoliberal do governo e a falta de projetos e de boas notícias. Por isso, questões outras e de várias ordens foram usadas como ingredientes para temperar o tema da comunicação e deixar claro que não há comunicação que dê conta de escamotear ou dar verniz a tantos disparates. Para além dos aqui citados, muitos outros acontecimentos comprovam nossos argumentos e os de vários analistas, cientistas políticos e jornalistas que, desde o primeiro ano desse governo, alertam para a falta de ações concretas que repercutam na vida, no trabalho, na mesa e no bolso do povo. Fatos que poderiam ser matéria-prima comunicacional para despertar o interesse da mídia e agradar a nação.
Trabalha com Educação comunicacional e midiática.
segunda-feira, 28 de outubro de 2024
LÁ VAI O BRASIL ...
(Imagem de artigo do brasilescola.uol.com.br)
O BRASIL VAI BEM E OS BRASILEIROS VÃO
DE MAL A PIOR
Eugênio Magno*
É notório que as teorias e os teóricos, por ignorância ou conveniência, não têm espaço entre as lideranças da esquerda institucional brasileira. Embora isso não queira dizer que todo o campo progressista seja acrítico, é preocupante como os partidos hegemônicos que na atual configuração política operam à esquerda, destratam os intelectuais do mesmo espectro. Entretanto, mesmo proscritos dos círculos do poder como ideólogos programáticos e alijados das rodas da militância, condenados que são por não serem portadores do tal “lugar de fala”, eles teimam em falar.
Para provar essa teimosia em falar convoquei algumas dessas vozes para, de forma dialética e dialógica, nos acompanhar nesta reflexão. Para inaugurar essa premente necessidade de um pensar que oriente a política, a figura de um educador é indispensável. O eleito foi Paulo Freire, que entende a conscientização das massas como atitude crítica dos homens na história como um compromisso permanente que nos interpela a assumir uma posição utópica frente ao mundo e tomar a utopia como compromisso histórico. E que fique claro que para Freire o utópico não é o irrealizável; a utopia é o idealismo, é a dialetização dos atos de anunciar e denunciar. Pois, segundo ele, só os utópicos são proféticos, assim como só os proféticos são portadores de esperança. E para esperançar – como verbo – é preciso agir e agir com coragem. Muita coragem, como a de Paulo Freire. Não o Freire romântico que reinventaram para esconder a luta de classes, mas o Freire que na sua trincheira, arredio à excessiva institucionalidade corporativista, sempre lutou com radicalidade contra a opressão.
Muitos analistas têm dito que não temos mais esquerda no país. Será mesmo verdade? Tem sido vexatório assistir a extrema direita vituperar contra o sistema, ocupando o papel da esquerda que numa constante atitude eleitoreira faz acordos aqui e acolá e além de não avançar dá ainda mais combustível para os adversários e defende o sistema. Simultaneamente a consciência ingênua se multiplica velozmente, inclusive à “esquerda”, ao sabor dos algoritmos, no mesmo compasso em que as massas continuam a receber educação política somente pela via da extrema direita.
Luiz Inácio Lula da Silva já ocupa pela terceira vez o cargo de presidente da república e o Partido dos Trabalhadores (PT), está em seu quinto mandato. Tom Jobim disse que o Brasil não é para principiantes e Lula não é principiante. No entanto, com toda essa experiência, as coisas continuam não indo bem por aqui. Pouco foi feito até agora, neste mandato, e nenhuma mudança estrutural foi promovida ao longo de todos os governos petistas. Tivemos apenas pequenos avanços no campo social: direitos humanos e políticas compensatórias de inclusão. As desigualdades se agravam de forma constante e o modelo econômico continua o mesmo do período de Fernando Henrique Cardoso, com tímidos ajustes. Motivos existem e as justificativas não são difíceis de serem evocadas. Mas, para um partido que nasceu com o ideal de transformação política, social e econômica, sobram temas, situações, agendas e realidades que carecem de enfrentamento que se quer foram tocadas, e as poucas abordadas o foram de forma equívoca. O grande paradoxo é que os mandatos petistas, em linhas gerais, são tidos como os melhores governos brasileiros em tempos de democracia. Ainda que pesem todas as suas contradições, essa é uma verdade inegável.
Os desafios são imensos e os inimigos poderosíssimos, mas os muitos problemas para os quais não faltaram promessas de resolução seguem penalizando a população. É evidente a desproporcionalidade entre as forças que fazem a disputa de poder. O setor econômico é o dono da bola e a mídia corporativa faz o jogo do capital. São empresas que visam lucro e defendem, além dos próprios interesses, os de quem as patrocina. O fato do governo não possuir maioria no congresso também faz parte das argumentações e é uma realidade, mas não dá para atribuir essa responsabilidade somente ao eleitor, como querem alguns, assim como isso não pode ser desculpa para a falta de determinação para encarar as várias questões que há décadas já se punham e se complicaram ainda mais nos últimos anos. As reformas política e tributária, com uma real taxação das fortunas, por exemplo, é algo que já poderia ter acontecido há mais de uma década, quando em outros mandatos Lula gozava de altíssimos índices de popularidade e aprovação. E quanto a ter maior representatividade no Congresso Nacional é preciso que fique claro que isso é um trabalho de conquista e convencimento do eleitorado, uma responsabilidade partidária, portanto.
Os mais ardorosos defensores do governo até agora não se deram conta de que as dificuldades enfrentadas por Lula não são apenas por conta da força de Bolsonaro, do bolsonarismo, do fundamentalismo neopentecostal, do congresso, de Lira e et cetera e tal, como insistem em afirmar os que não querem enxergar a realidade. É extremamente arriscado fazer críticas ao governo no atual momento. Além das estratégias da extrema direita de manipular análises e opiniões que apontem qualquer descompasso do governo, tem o patrulhamento ideológico dos mais aguerridos que defenestram quem ousa apontar os erros de percurso governamental, classificando a voz dissonante de opositora. E com esse comportamento, Lula e o PT vão perdendo tanto a oportunidade de corrigir rumos, como perde aliados, simpatizantes e eleitores não “bozoistas” ou fundamentalistas que se vêm asfixiados pela passionalidade militante.
Se num passado recente tivemos o fenômeno do antipetismo formado, sobretudo, por eleitores ocasionais de Lula, em razão dos escândalos dos chamados “mensalão” e “petrolão”, a onda que começa a se formar agora é muito mais grave e difícil de ser contida. Sobe a maré do antilulismo em setores importantes de democratas, da própria esquerda, e de vários extratos sociais: trabalhadores precarizados, aposentados traídos e a da falsa classe média – inventada por uma sociologia oportunista e partidarizada –, abandonada e de volta à sua origem. Resumindo, muitos lulistas, que não são necessariamente petistas, estão decepcionados com a incapacidade do governo de entregar o que prometeu.
A insatisfação grassa no país, em todas as classes sociais. Os muito ricos estão entediados com as ameaças de contenção dos seus lucros que nunca se concretizam. A classe alta e a alta classe média, andam incomodadas, em razão de ter que conviver em seus salões com ex-esquerdistas. A média classe média está odiosa porque não progride mais na proporção que já cresceu e sente a possibilidade de ser rebaixada para a baixa classe média e a baixa classe média não mais consegue se sustentar nessa posição e tem sido empurrada para a classe baixa. É enorme a quantidade de profissionais com formação superior, pós-graduados: especialistas, mestres e doutores, fora das funções para as quais estudaram ou que se encontram desempregados. Trabalhadores qualificados caíram para a base trabalhadora ou para a condição de precarizados e temem que daí poderão ir sabe-se lá pra onde. Uma parcela dos pobres e dos muito pobres – não dos miseráveis – são dos poucos segmentos sociais que têm merecido algum tipo de atenção do governo. Abaixo desses, sobram – como sempre sobraram –, os miseráveis, os excluídos e os invisibilizados que vivem da esmola e dos restos da pequena burguesia e do proletariado. Não podem nem mesmo cumprir a exigência do endereço, físico, ou da aberração do endereço digital, para ter acesso às migalhas, ditas compensatórias, do governo.
Da arquibancada, o que fica visível é unicamente disputa de poder. E nesse jogo, a direita e a extrema direita estão vencendo com grande vantagem. Fazem novas lideranças aos borbotões. Amealharam em duas décadas e meia as grandes fatias da sociedade: a alta cúpula de líderes religiosos e fiéis fundamentalistas que se sentem ameaçados moralmente com o avanço das pautas identitárias, militares, banqueiros, trabalhadores informais uberizados – apelidados de empreendedores –, proprietários de empresas de vários portes, especialmente as grandes, e o agronegócio. Conquistou ainda grande parte da direita e centro-direita neoliberal e não teve nenhum escrúpulo em ceder às extorsões do centrão e aos ditames dos países hegemônicos e ao capital monopolista internacional.
Acontece que direita e extrema direita têm projetos, tanto políticos como sociais, econômicos e para a segurança pública. Projetos perversos, é verdade. Mas os têm e conseguem comunica-los facilmente com a população, utilizando com excelência a mais nova e poderosa máquina de comunicação, a internet. Forma e conteúdo na medida certa para gerar engajamento de seguidores abnegados, acompanhados das mais nefastas políticas públicas anunciadas e cumpridas rigorosamente. Enquanto isso a esquerda, cujo sinônimo, desafortunadamente, tem sido esse PT irreconhecível, patina na comunicação. Patrocina, ao mesmo tempo que critica os veículos de comunicação corporativos. Não aprendeu a operar as novas mídias, assim como não apostou em inovações que pudessem ao menos justificar a sua nova autodenominação: progressista – um arranjo semântico para descaracterizar os ideais que deveria defender. E, o mais grave, não abre espaço para novas lideranças e não tem grandes projetos para áreas críticas, como segurança pública, educação e para a economia real. Se os tem, ninguém os conhece na concretude. O que falta em ação excede em tentativas de propaganda se utilizando da velha retórica que não convence mais ninguém.
Na seara da economia financista do rentismo improdutivo e da jogatina das bolsas o governo critica o Banco Central e a política cambial. Contraditoriamente continua a fazer o seu jogo, mas tem a desfaçatez de dizer que a economia vai bem, que o Produto Interno Bruto (PIB) cresceu e blá, blá, blá. Mas, como recentemente ironizou a saudosa economista, Maria da Conceição Tavares, antes de nos deixar, “ninguém come PIB. Comemos comida, alimento”. Pois é, o povo necessita de comida na mesa, o jovem precisa de boa escola e emprego, o profissional qualificado, de trabalho digno, o trabalhador e o aposentado de renda suficiente para se manter e suster suas famílias.
Para prosseguir com essa penosa síntese diagnóstica dos quase dois anos de governo, recorro às análises e às observações argutas de outros intelectuais que trafegam no mesmo espectro. Não são poucos os aliados políticos dos atuais governantes que há tempos chamam a atenção do PT para o seu pragmatismo excessivo. A obsessão pelo poder tem levado o partido a abandonar seu antigo apreço por programas e a pegar atalhos e variantes totalmente desprovidos de sinais e balizas, numa correria eleitoreira desenfreada que não mais o diferencia dos demais partidos, tão criticados por seus dirigentes e militantes num passado não muito distante.
Não à toa Frei Betto abre o artigo, “Michels e Partidos de Esquerda”, destacando a tese defendida por Robert Michels na sua obra de 1911, “Sociologia dos Partidos Políticos”. Betto, traz ninguém menos do que o sociólogo, Max Weber, para testemunhar que Michels teria se desiludido com a ala esquerda do Partido Social-Democrata da Alemanha (SPD), pelo seu “eleitorarismo”, voltado quase que exclusivamente para ganhar eleições e pelo “oportunismo” dos seus líderes, cuja preocupação prioritária era estar na crista da onda política. A burocratização stalinista do Partido Comunista da União Soviética e os descaminhos de vários partidos oriundos das lutas populares que se transformaram em aparelhos eleitorais de uma oligarquia política, comprovam a tese de Michels. Preocupado com o ciclo de quase todo poder que emanado do povo, acaba por se colocar acima do povo, Frei Betto que no seu livro, “A Mosca Azul”, já denunciava tais desvios, encerra seu artigo advertindo: “A cabeça pensa onde os pés pisam. Um antídoto aos riscos apontados por Michels é a profunda ligação com os segmentos populares, o trabalho de base, a capacidade de ouvir críticas e se submeter à soberania da militância. E, sobretudo, não trocar o atacado pelo varejo – um programa de democracia verdadeiramente popular, tanto em nível político quanto econômico”.
O filósofo e psicanalista, Vladimir Safatle, é outro intelectual-ativista de esquerda, que tem se pronunciado constantemente, e com veemência, sobre os equívocos do atual governo Lula. Em várias oportunidades Safatle indica caminhos de maior radicalidade para os enfrentamentos que podem tirar o país dessa situação em que se encontra e fazer valer pelo menos alguns valores socialistas que justifiquem afirmar que temos um partido de esquerda no poder. O filósofo, em seus livros e entrevistas, aborda várias questões de interesse nacional, como o das instituições republicanas, seus vícios e descaminhos. Sobre o Supremo Tribunal Federal (STF), a avaliação de Vladimir Safatle é de que a instituição é capitalista e de direita e só investiu contra o bolsonarismo por se tratar de uma extrema direita que é contra as instituições, inclusive o próprio Supremo. Corte Suprema esta que na visão de uma esquerda menos messiânica nunca apoiou direitos trabalhistas ou dos aposentados e as pautas dos pobres, pela diminuição das desigualdades socioeconômicas. Aliás, o próprio STF é um exemplo de desigualdade e contradição. A despeito de decidir quase sempre contra os pobres, é uma das instituições mais dispendiosas do país e a corte que mais acumula privilégios em todo o mundo, se comparada com instituições da mesma estatura dos países mais ricos.
Mesmo sem gozar de simpatia por parte de setores democráticos e da esquerda brasileira, o presidente do senado, Rodrigo Pacheco, tem a aprovação de várias lideranças políticas, de conservadores a progressistas e de muitos intelectuais sobre a sua propositura de rever o plano de carreira dos ministros da Suprema Corte. Ciro Gomes é um que, mesmo sem dizer claramente qual seria exatamente o seu plano para os três poderes, já declarou sua vontade de ver cada um no seu quadrado. Seria necessário um livro inteiro ou, no mínimo, um artigo de maior extensão, exclusivamente, para analisar a porosidade entre os três poderes da república brasileira que, em vez de se configurarem como contrapesos, têm se prestado a socorrer uns aos outros conforme o soprar dos ventos, numa clara demonstração de um protecionismo corporativista altamente nocivo para o Estado Democrático e de Direito. No legislativo a situação não é menos complicada. A Câmara Federal goza de tanto poder que tem tornado o executivo refém de suas exigências e por aí vai... Ao arrepio do cumprimento da constituição, assistimos perplexos a uma série de situações deploráveis como a judicialização da política, a politização da justiça e um executivo enfraquecido, em razão do excesso de permeabilidade de sua frente que, de tão ampla, pouco tem servido além de manter Lula no poder. Uma realidade que em razão da outra opção que se anunciava não ter comparação, mas que ainda é muito pouco ou quase nada, diante do muito que se prometeu e do que o país necessita. Nem mesmo as questões do meio ambiente e dos direitos humanos que o governo tanto jactou em afirmar como prioridades conseguem avançar. As enchentes no sul do país e as queimadas em todo o território nacional, em 2024, são algumas demonstrações da falta de ações políticas de Estado efetivas para encarar o fenômeno das crises climáticas. A educação política da população, a consciência de classe e a desigualdade social, temas prioritários de qualquer política de esquerda, não têm nenhuma centralidade neste governo. As pautas da diversidade e das identidades, das mais importantes, cujo debate poderia ter se dado numa perspectiva que honrasse nossa condição de país mestiço, sem a falsificação da nossa história, vem acontecendo com a tomada de empréstimo das tradições antropológicas europeias e a forma binária de abordagem do racismo estadunidense.
A trajetória do então ministro dos direitos humanos e da cidadania, Sílvio de Almeida, de sua tese e de suas práticas, é um exemplo cabal da forma torta como as pautas identitárias foram orientadas e são tratadas no país. Um identitarismo personalista que empodera um escolhido, promove e permite ao promovido se autopromover e, na sequência, pune o escolhido pela mesma via do identitarismo. Para completar o quadro, assistimos quem coloca pessoas acima do bem e do mal, simplesmente por questões identitárias, se achar no direito de reivindicar até “luto” em razão do acontecimento que culminou com a demissão do ministro com medo dos possíveis desdobramentos. Apesar da gravidade do acontecido, a questão da diversidade e do direito a ter direitos, não pode ser tratada de forma espetacularizada e pelo viés desse identitarismo maroto e personalista. Contraditoriamente, esse tipo de abordagem esconde opressão, preconceito, ódio de classe e mais uma série de discriminações nos próprios contingentes desses grupos mais evidentes e condenam dezenas de outros grupos sociais, muitos até mais numerosos, mas sem projeção, a permanecerem no anonimato, sem fazer valer até mesmo seus direitos de sobrevivência. Sem contar que os desvios cometidos por algumas lideranças na condução desses cruciais direitos sociais têm dado grande munição para a extrema direita. Intelectuais sérios já alertaram para o perigo do que poderia se configurar no país com o que começou a ser arquitetado nos anos 1970, a partir da negação da mestiçagem e do macaquear os Estados Unidos, ao tratar a questão do racismo de forma binária. Tal falsificação histórica foi institucionalizada no governo de Fernando Henrique Cardoso – com a chancela do IBGE (enegrecendo o país de forma irresponsável) – e se aprofundou nas duas últimas décadas. Sem negar que o Brasil é um país racista, a tese do ex-ministro dos direitos humanos e cidadania, de “racismo ‘estrutural’”, tem sido questionada muito antes de Almeida se tornar ministro. Quem quiser aprofundar neste estudo precisa ir além de Jessé Souza e Sílvio de Almeida. É recomendável que dedique maior atenção a Darcy Ribeiro e não se esqueça de Alberto Guerreiro Ramos e Luís Gama, Antônio Risério e Eduardo Giannetti da Fonseca, para citar pelo menos seis intelectuais de grande envergadura que trataram desse tema com respeito à nação, aos povos e à história, sem ir na onda da falsificação de dados, das simplificações morais e dos modismos acadêmicos.
Em meio a tantos outros problemas, o governo propõe mais arrochos para o povo na segunda fase do novo arcabouço fiscal. Vai cortar ainda mais os gastos. A desculpa, ainda que não seja com as mesmas palavras, é a dos tempos da ditadura: “Vamos fazer crescer o bolo para repartir depois”. Ou seja, vai seguir a cartilha de Paulo Guedes, “quebrar o piso para não furar o teto”. Ora, a área econômica, além de ser a que o governo encontra mais dificuldades em propor transformações e que repercute em vários setores, do desenvolvimento e tecnologia à segurança pública e da educação ao turismo, passando por saúde, direitos humanos, meio ambiente e cultura, é a área mais carregada de maquiagem e botox. Haja powerpoints, cortes seletivos de pesquisas e photoshops para mascarar a fotografia da economia real. Todos sabem que a economia e as desigualdades, formam o ponto nevrálgico do que precisa ser enfrentando urgentemente em nosso país. Se temos uma economia em crescimento e o Brasil vai bem, como querem nos fazer acreditar, porque os brasileiros vão de mal a pior? O país tem um sério problema gravitacional. A Lei da Gravidade aqui só funciona para pessoas e que estejam localizadas da baixa classe média para mais baixo na pirâmide social. E não vale aquela máxima de que se cair, do chão não passa. Corre-se o risco de ir para o subsolo, ser condenado à exclusão ou enterrado vivo. Já os bens e a riqueza flutuam fartamente, sem gravidade, na parte superior, nem mesmo de uma pirâmide, mas de um triângulo escaleno que pende para o lado direito.
No início deste ano o economista que exerceu a função de porta-voz da presidência da república no primeiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva, André Singer, professor titular do Departamento de Ciência Política da USP e autor do livro, O lulismo em crise, e Fernando Rugistsky, professor de economia da University of the West of England, em Bristol, onde também é codiretor de pesquisa em economia, fizeram um balanço do primeiro ano do Governo Lula, no site A Terra é Redonda. Singer e Rugistsky dois progressistas, afirmaram que, “Após ter vencido à frente de um heterogêneo ajuntamento de salvação democrática, o presidente decidiu entoar a melodia lulista clássica: fazer, no atacado, concessões à burguesia e, no varejo, buscar as brechas por meio das quais consiga beneficiar, em alguma medida, os segmentos populares. Só que o tema vem se desenvolvendo em andamento lentíssimo, tornando duvidosos os movimentos previstos para os períodos eleitorais de 2024 e 2026”.
Tais movimentos foram tão vacilantes que o resultado aí está. Faz tempo que a população vem dando o seu recado. Basta que se atente para os crescentes números de abstenções e de votos nulos e brancos a cada eleição. Esses números somados, ora se aproximam, ora são maiores do que os votos que candidatos vitoriosos ou perdedores recebem. Como já era previsto, os resultados eleitorais de 2024 não foram nada favoráveis para a esquerda representada pelo Partido dos Trabalhadores nessa sua atual configuração. Se não houver – agora – uma mudança radical na forma de fazer política por parte do governo, do PT e de seus aliados, a esperança da reeleição de Lula ou de que o governo faça um novo presidente está desfeita. Isso quer dizer que a lógica eleitoreira se esgotou. Não cola mais essa coisa de disputar eleições municipais com cálculos para eleições presidenciais. Precisa ficar claro também para os partidos que o povo, definitivamente, não é culpado e não vota mal como os simplificadores da realidade afirmam. A população não é burra. Ela tem as suas razões e estas estão sendo permanentemente ignoradas pelas lideranças políticas brasileiras. Se Bolsonaro foi horrível, um tufão, destruidor de várias das modestas conquistas sociais e uma ameaça à república, o que poderá surgir em 2026 será muito pior. O povo quer mudança e, insatisfeito como está, pode vir a apostar em qualquer candidato que acene com essa possibilidade. O irônico é que diante de uma esquerda conformista que não se atreve a encarar com radicalismo as transformações econômicas e sociais pelas quais o país grita, tenha sido necessário que o bolsonarismo pautasse o tema do socialismo.
Todavia, o tiro da extrema direita ao demonizar os regimes comunista e socialista pode ter saído pela culatra. A curiosidade da população foi aguçada e está sendo saciada. Ainda que seja minoria, com baixa vinculação e pouquíssima representação nos cargos eletivos, não é verdade que não exista mais esquerda no Brasil. O vácuo nesse campo logo será preenchido com a politização da sociedade pelas vanguardas intelectuais de esquerda. Os sinais são de que daí emergirá consciência crítica suficiente para a formulação de um amplo projeto político popular para a nação com oportunidades para o surgimento de novas lideranças bem formadas, compromissadas com a transformação da sociedade e com o fim do Estado burguês. Tudo indica ser essa a alternativa capaz de enfrentar a ofensiva deletéria da extrema direita. Trata-se de uma tendência mundial que já se ensaia até mesmo em países como Dinamarca, Finlândia, França e Estados Unidos, e por aqui não será diferente.
Trabalha com Educação comunicacional e midiática.
domingo, 18 de agosto de 2024
A TECNOLOGIA DIGITAL É VICIOSA E VICIANTE
Eugênio Magno
Não dá para acreditar
que governos, justiça, polícias e grandes empresas sejam tão ingênuas a ponto
de permitir que as grandes plataformas digitais tenham tantas informações e
controle político, econômico, estratégico e das comunicações, entre outras
áreas, submetidas à meia dúzia de monopólios tecnológicos privados.
As telecomunicações e a
internet, juntas ou separadas, são as campeãs em burlar leis, extorquir e fazer
reféns os usuários dos seus serviços, chantagear nações e governos, permitir o
vazamento de informações confidenciais, além de ser usadas como ferramentas de
ponta pelos criminosos cinco ponto zero.
Enquanto as polícias se
ocupam com viciados em crack, pichadores e ladrões de galinha e de
botijão de gás, os crimes cibernéticos campeiam livremente.
Os subprodutos ímprobos
do mundo tecnológico têm ofuscado os inegáveis benefícios da tecnologia. O
telefone, por exemplo, deixou de ser o melhor meio de comunicação para se falar
com familiares, amigos e parceiros de negócios. Atender a uma chamada
telefônica de número desconhecido atualmente quando não é chateação é um risco.
A maioria das ligações recebidas são de empresas de telemarketing oferecendo produtos
que não interessa e de golpistas. Quem depende do telefone para trabalhar sofre
com o assédio constante de oportunistas e criminosos. Um mínimo descuido leva o
interlocutor a cair nas armadilhas, a cada dia mais sofisticadas, dos bandidos.
Os vigaristas usam vozes e protocolos de abordagem idênticos aos das empresas
de call center e telemarketing. Será que os números para os quais eles ligam
são meros frutos da aleatoriedade ou vazados por empresas e instituições que
coletam informações das pessoas e, em total desrespeito à Lei Geral de Proteção
de Dados (LGPD), cedem seus mailings de acordo com suas conveniências e
interesses?
No campo da telefonia,
além dos maus serviços, cobranças indevidas e cortes súbitos nas ligações, existem
vários outros aspectos que chamam a atenção. Quando estamos conectados a uma
rede wifi, por exemplo, quase todas as ligações feitas ou recebidas são
realizadas pela internet, via wifi; quer dizer, a operadora de telefonia cobra,
mas não é ela que realiza o serviço. Outra situação bizarra é a moda da terceirização.
Ela chegou a tal ponto que até mesmo as empresas de telefonia terceirizaram
seus serviços de atendimento telefônico ao cliente. A falta de critérios nessa
área é tão absurda que uma mesma empresa de call center atende demandas de usuários
de serviços de fornecimento de energia, de água, de telefonia, de internet, de indústrias
e empresas comerciais, de bancos e, o pior, de instituições públicas. Nessa
lógica, os responsáveis pelas organizações ficam totalmente invisíveis e o
cliente sem acesso direto ao fornecedor do serviço ou vendedor do produto. A
dificuldade de fazer o contato, somada à burocracia telemática da ligação, o
tempo de espera e a falta de autonomia das terceirizadas para resolver
problemas complexos constituem barreiras que desestimulam o reclamante a reivindicar
seus direitos. E, mais, como uma mesma empresa de call center atende várias
organizações – públicas e privadas –, é muito provável que mailings transitem
facilmente entre umas e outras empresas e instituições. Sem contar o lucrativo comércio
de dados de usuários e consumidores, uma prática criminosa que já se tornou
usual e não tem mobilizado as autoridades no sentido de combatê-la.
Existem leis para
regular as teles, mas elas não são cumpridas como deveriam. Os descumprimentos
se dão tanto porque os órgãos de fiscalização não se encontram aparelhados o
suficiente para exercer o controle, quanto porque falta vontade política para encarar
esse desafio, e probidade por parte de certos agentes públicos que volta e meia
são flagrados em situações vexatórias de favorecimentos em troca de benefícios
pessoais. Acrescente-se ainda o agravante de os próprios governos municipais,
estaduais e federal, ao terceirizar serviços de call center, facultarem às
empresas prestadoras desses serviços o acesso aos dados do contribuinte. E, a
partir daí, só Deus sabe o que é feito com esses dados; muito embora seja de
conhecimento público o valor monetário, de influência e de poder que esses
dados representam. Recentemente o Ministério Público constatou irregularidades
no INSS: associações fantasmas faziam descontos não autorizados na folha de
pagamento dos aposentados.
Um dado curioso: Banco
do Brasil (BB) e Caixa Econômica Federal (CEF) são as principais empresas
usadas pelos criminosos cibernéticos para dar golpes na população e os
aposentados são os principais alvos dos golpistas. Esses crimes utilizando BB e
CEF seriam mais uma das estratégias do capital para forçar a privatização
desses dois patrimônios públicos brasileiros, falta de segurança dos dados, ou
mera coincidência?
É uma insanidade
convivermos com tanta passividade no combate aos golpes sem a aplicação de
penas mais severas nessa área. Não obstante a existência de leis, essas
questões envolvendo as teles é antiga e foi agravada com a convergência de
mídias. Oitenta e nove por cento da população brasileira acessa a internet pelo
telefone e os algoritmos estão sempre de plantão capturando as mais inimagináveis
informações dos usuários para uso do poder, do capital e também dos criminosos.
No quesito tecnologia digital cabe observar que os governantes brasileiros – desde os anos 1990 –, têm feito
um grande mal ao estado e à nação. Falta expertise para comprar tecnologias e
aplicativos em todas as esferas dos poderes públicos. Eles compram mal e submetem
a população, inclusive analfabetos totais e a grande maioria de analfabetos funcionais
e informacionais, ao uso compulsório das tecnologias, muitas delas de difícil
interação e outras ruins mesmo, com péssima arquitetura comunicacional. As
interfaces ignoram todas as conquistas da linguagem humana e da comunicação
social. O fato da comunicação e da linguagem que levaram milênios para serem
criadas, codificadas e aprimoradas padecerem, em poucas décadas, de uma lógica
tolamente subvertida, é um aspecto importante que não tem merecido a devida
atenção e que talvez seja o cerne dessa questão. Ao invés de termos uma Comunicação
Tecnológica, com a comunicação que já era algo estabelecido e conceituado, como
matriz do processo, a tecnologia engoliu a comunicação, até na forma de ser nominada.
Em vez de Comunicação Tecnológica, o
que temos é Tecnologia da Informação e
da Comunicação. A comunicação perdeu seu protagonismo até na nomenclatura;
de substantivo passou a ser mero adjetivo da tecnologia. E, essa nova lógica
usurpadora não atingiu apenas a comunicação. Praticamente, quase tudo no mundo
está submetido à tecnologia, quando a tecnologia é que deveria estar à serviço
da vida e de tudo em todos os sentidos. No caso específico da comunicação, é
importante sublinhar que os especialistas em tecnologias têm se mostrado
péssimos comunicadores. Aliás, o pessoal de Tecnologia da Informação (TI) ao
desenvolverem softwares e aplicativos deveriam ter ser sempre ao lado um
profissional de comunicação, para se evitar tantos equívocos e dificuldades
para os usuários, pelo menos enquanto cada profissional não esteja fazendo o
seu melhor naquilo que lhe compete.
Essa ditadura do
deus-tecnologia precisa ser derrubada. A tecnologia é uma conquista humana
muito importante para figurar como usurpadora e substituta de tudo que já foi
conquistado. Às autoridades mundiais cabe a responsabilidade de reposicionar a
tecnologia como recurso auxiliar, uma verdadeira aliada da humanidade e de suas
práticas e relações sociais e de produção.
Os monopólios digitais
possuem mais informações sobre as populações do mundo do que os governos e os
serviços de inteligência dos estados nacionais.
Atualmente no Brasil acontece
um grande debate em torno da regulação das plataformas digitais. Em vários
países já existe essa regulação e por aqui, nem mesmo o controle das empresas
de telecomunicação é feito com o rigor necessário. Quanto às big techs, o
debate não deveria ficar apenas em torno de se regular ou não, mas também de
como deve ser a regulamentação, quais serão os mecanismos de controle, que
penalidades vão ser aplicadas às empresas que descumprirem a lei e, a partir de
quando a regulação estará vigendo. O Marco Civil da Internet já tem quase uma
década, data de 2016, e a população clama por celeridade na aprovação da sua
complementação. Caso isso não aconteça já, corre-se o risco de que se aprofunde
ainda mais a sujeição da população a essa exploração desmedida por parte das
grandes plataformas e das empresas milionárias que pagam fortunas pela
utilização desses serviços e da apropriação dos dados do povo para exercerem
cada vez mais controle sobre todos. Por essas e outras, quando se fala em
regulação, é preciso que se respeite o direito do cidadão de optar por usar ou
não a tecnologia em suas interações com os serviços públicos. E para aqueles
que desejam utilizá-la é de fundamental importância que sejam disponibilizados - gratuitamente - pelo estado, para toda a população, cursos de letramento para o uso das tecnologias na vida cotidiana.
Assim como a regulação
da internet e a operação das big techs carecem de urgência, as questões envolvendo
a telefonia também precisam ser encaradas pelo governo. No entanto, aqueles que
se dizem representantes do povo pensam e agem na direção contrária.
Recentemente o Congresso Nacional decidiu manter o veto do ex-presidente, Jair
Bolsonaro, que barra o Projeto que criaria a Lei Brasileira de Liberdade,
Responsabilidade e Transparência na Internet (PL2.630/202), conhecido como "PL
das Fake News". O veto foi mantido pelos deputados federais com um placar de
esmorecer o cidadão: 317 votos a favor, 139 contra e 4 abstenções. Entre outros
pontos, o texto barrado estabelecia até cinco anos de reclusão e multa para
quem cometesse o crime de “comunicação enganosa em massa”, definido como a
promoção ou o financiamento de campanha ou iniciativa para disseminar fatos inverídicos
e que fossem capaz de comprometer o processo eleitoral. Como a punição de quem
espalhar fake news foi impedida, espera-se um festival de mentiras nas eleições
municipais deste ano.
Num país em que uma lei
de combate às fake news é rejeitado, vale tudo; nas redes sociais e também nas
mídias corporativas. No dia 18 de junho de 2024, circulou em todo o país,
inclusive nos veículos de comunicação tradicionais, a “notícia” de que um dos
maiores intelectuais vivos da atualidade, Noam Chomsky, teria morrido. Nenhum
dos veículos que divulgou a inverdade fez uma apuração decente que pudesse
confirmar a veracidade do possível fato. Só no final do dia foi descoberto que Chomsky
havia tido alta do hospital em que se encontrava internado no Brasil e que passava
bem, embora ainda estivesse sob cuidados médicos. Infelizmente, nesses casos,
os desmentidos e as correções só vêm a público tardiamente, depois do choque,
dos incômodos causados às famílias das vítimas da desinformação e da comoção
geral do povo. Nesse caso, envolvendo Noam Chomsky, descobriram que a notícia
que deu origem a essa boataria veio de uma coluna de obituários de um portal
internacional que homenageia pessoas em vida quando, quase sempre as pessoas
são homenageadas apenas depois de mortas. No episódio em questão, ficou clara a
falha do jornalismo em tornar notícia o que não ocorreu, pois sem fato não há
notícia. E, como temos depositado todas essas aberrações na conta das fake news
essa é mais uma para entrar no rol delas. Isso serve de alerta para o perigo
das mídias digitais. A tal coluna, batizada de Obituary se aproveita e se aproveitou dessa contradição para ser
notada e os jornais, portais e demais veículos de comunicação que multiplicaram
a informação pecaram por não fazer apuração. E, na sequência, internautas que
gostam de imitar repórteres carniceiros e dar “furos de reportagens” e
manchetes ao gosto dos algoritmos, ajudaram a promover a desinformação.
Em meio a tantos
abusos, falta de punição e regulação, o convívio saudável com as novas
tecnologias tem se mostrado difícil. Sobram desvios de finalidade, conflitos de
interesse e muitas outras mutretagens na internet, na telefonia e nas redes
sociais.
O marketólogo e
psicólogo estadunidense, Adam Alter, autor do livro “Irresistível: porque você
é viciado em tecnologia e como lidar com ela”, tem alertado para o perigo de
estarmos, em média, oito horas por dia em frente a uma tela de computador,
tablet ou celular. Embora consciente de vivermos em um mundo tecnológico, Alder
sugere que devemos aproveitar apenas o melhor das telas e deixar o pior para
trás. Em entrevista ao Instituto Conhecimento Liberta (ICL), o especialista
teceu um corolário de considerações e advertências sobre o uso vicioso e
viciante das tecnologias.
Segundo Adam Alter, estudos
recentes constataram que as pessoas veem três vezes mais coisas nocivas do que
as produtivas nas telas e isso é muito preocupante, pois, a tecnologia digital
não proporciona nenhuma pausa. Filmes têm fim. Livros e novelas também têm
capítulos e fim. Mas, a mídia digital não tem fim, é como o design dos cassinos,
onde as pessoas sempre são convencidas a continuar jogando. Não tem sinais de
paradas ou relógio que informe a quantidade de tempo em que se fica hipnotizado
pelo vício de querer sempre mais. As evidências neurocientíficas mostram que
tem muita gente vidrada em coisas viciantes, ainda que delas não goste. As
mídias sociais, por exemplo, são lugares em que as pessoas permanecem horas a
fio, mesmo que o gostar diminua, apenas em função do querer estar conectado o
tempo todo. Não é permitido mais não fazer nada. As populações desenvolveram o
vício de se “ocupar” o tempo todo, mesmo que seja em uma ocupação com o “nada”,
com a virtualidade, a improdutividade.
Além dos problemas
cognitivos causados pelo vício tecnológico e das fake news, prática flagrante
na rede, é preciso que se atente para as ideias emocionais que circulam na
internet de forma massiva. Essas ideias baseadas em emoções viajam muito mais
rápido do que os fatos verdadeiros. A emoção temperada com a negatividade e a
raiva, alimentam ainda mais o vício em mídias digitais. As grandes plataformas
detêm o monopólio das nossas atenções. É muito poder nas mãos de quatro ou cinco
detentores do controle das principais plataformas com alcance mundial. Esses
empresários têm mais poder do que os mais potentes países do mundo, como já foi
dito. Mal comparando, é como foi num passado recente, ter em mãos a bomba
atômica. Os donos dessas megacorporações não têm apenas o monopólio das nossas
atenções, como também todos os nossos dados pessoais, comerciais e geográficos.
E somos nós mesmos, as vítimas desse controle, os lacaios de nós próprios, com
a cumplicidade ativa dos governos a nos fazer reféns de um controle absoluto
com fins obscuros.
O sistema capitalista
deu um salto extremamente ofensivo contra a humanidade, saiu da economia da
materialidade do consumo para a economia da atenção. É fundamental que
aconteçam movimentos de base que discutam o impacto negativo das mídias
digitais em nossas vidas e que comecemos a boicotar as plataformas e realizar ações de combate a essa força hegemônica que domina o planeta. O autor de
“Irresistível”, sugere que haja pressão contra as plataformas, de baixo, pelas
bases – pela massa usuária –, e por cima, pelos governos e pelos poderes
públicos que também são consumidores-usuários, clientes das plataformas
digitais. Eles têm poder legislador, fiscalizador e de polícia, para coibir os
abusos constantes praticados pelas plataformas, regulando-as, como já acontece
em algumas nações.
É crucial que hajam
leis e os governos do mundo inteiro promovam regulação urgente das grandes plataformas.
A pane global, em meados de 2024, num desses sistemas, com prejuízos gigantes, em
várias áreas, foi uma pequena demonstração do imbróglio em que o mundo se
meteu. Pessoas, empresas, instituições e governos, todo o mundo estão submetidos,
total e completamente, a uma tecnologia sobre a qual não se tem nenhum controle
e que em breve nem mesmo os seus controladores poderão controlar, tamanho é o
avanço e o domínio da Inteligência Artificial e dos algoritmos.
A situação nos coloca
diante de um grande paradoxo: como lutar contra um sistema que, apesar de
tantos problemas, representa avanços tão significativos?
Os desafios são
complexos e para enfrentá-los é preciso começar de algum ponto. Uma maneira
simples e possível de iniciar imediatamente esse enfrentamento é adotar uma
postura de menor dependência dessas tecnologias, utilizando-as somente para o
que seja construtivo. Outro procedimento que vem sendo recomendado é evitar
todas aquelas plataformas que empanturram o usuário de conteúdos para os quais
ele não tenha tempo suficiente de avaliar a qualidade do que vai consumir. Passar parte do
dia sem tela, desinstalar aplicativos supérfluos, retirar a maioria dos
lembretes dos celulares e deixar somente os avisos do que de verdade interessa é
o que têm aconselhado os pesquisadores que estudam os efeitos nocivos das
tecnologias digitais.
Já numa escala macro, só uma governança
mundial para dar conta dessa e de muitas outras demandas de ordem planetária. Até
que isso ocorra pra valer, os estados nacionais deveriam fazer esse
enfrentamento, cada um criando sua internet estatal, para garantir cidadania
plena às suas populações.
Tal como o mundo funciona, todos necessitam de tecnologias. Elas estão presentes na vida de todo e qualquer indivíduo ou organização. Para o bem ou para o mal, elas estão aí e isso não tem mais volta. Como utilizá-las, de que forma a humanidade é submetida e se submete a elas é a questão. Governos, universidades, imprensa, escolas e sociedade precisam debater exaustivamente esse tema para melhor compreendê-lo e estabelecer parâmetros e limites para a sua utilização.
terça-feira, 30 de julho de 2024
UM POUCO DA CHINA COM RODRIGO LESTE
(do Diário de Viagem de Rodrigo Leste)
# 21 – TAI CHI E QIGONG: TERAPIAS CORPORAIS CHINESAS COM RODRIGO LESTE
Nesses episódios foram divulgados vários aspectos dessa filosofia milenar, incluindo abordagens sobre várias técnicas de meditação e terapias corporais.
Clique neste link e ouça a entrevista com o escritor, ator, poeta e performer, Rodrigo Leste que também trabalha com terapias corporais e fala do que trouxe na bagagem da sua viagem à China.