segunda-feira, 28 de outubro de 2024

LÁ VAI O BRASIL ...

 


(Imagem de artigo do brasilescola.uol.com.br)


O BRASIL VAI BEM E OS BRASILEIROS VÃO

 DE MAL A PIOR

 

Eugênio Magno*

 

É notório que as teorias e os teóricos, por ignorância ou conveniência, não têm espaço entre as lideranças da esquerda institucional brasileira. Embora isso não queira dizer que todo o campo progressista seja acrítico, é preocupante como os partidos hegemônicos que na atual configuração política operam à esquerda, destratam os intelectuais do mesmo espectro. Entretanto, mesmo proscritos dos círculos do poder como ideólogos programáticos e alijados das rodas da militância, condenados que são por não serem portadores do tal “lugar de fala”, eles teimam em falar.

Para provar essa teimosia em falar convoquei algumas dessas vozes para, de forma dialética e dialógica, nos acompanhar nesta reflexão. Para inaugurar essa premente necessidade de um pensar que oriente a política, a figura de um educador é indispensável.  O eleito foi Paulo Freire, que entende a conscientização das massas como atitude crítica dos homens na história como um compromisso permanente que nos interpela a assumir uma posição utópica frente ao mundo e tomar a utopia como compromisso histórico. E que fique claro que para Freire o utópico não é o irrealizável; a utopia é o idealismo, é a dialetização dos atos de anunciar e denunciar. Pois, segundo ele, só os utópicos são proféticos, assim como só os proféticos são portadores de esperança. E para esperançar – como verbo – é preciso agir e agir com coragem. Muita coragem, como a de Paulo Freire. Não o Freire romântico que reinventaram para esconder a luta de classes, mas o Freire que na sua trincheira, arredio à excessiva institucionalidade corporativista, sempre lutou com radicalidade contra a opressão.

Muitos analistas têm dito que não temos mais esquerda no país. Será mesmo verdade? Tem sido vexatório assistir a extrema direita vituperar contra o sistema, ocupando o papel da esquerda que numa constante atitude eleitoreira faz acordos aqui e acolá e além de não avançar dá ainda mais combustível para os adversários e defende o sistema. Simultaneamente a consciência ingênua se multiplica velozmente, inclusive à “esquerda”, ao sabor dos algoritmos, no mesmo compasso em que as massas continuam a receber educação política somente pela via da extrema direita. 

Luiz Inácio Lula da Silva já ocupa pela terceira vez o cargo de presidente da república e o Partido dos Trabalhadores (PT), está em seu quinto mandato. Tom Jobim disse que o Brasil não é para principiantes e Lula não é principiante. No entanto, com toda essa experiência, as coisas continuam não indo bem por aqui. Pouco foi feito até agora, neste mandato, e nenhuma mudança estrutural foi promovida ao longo de todos os governos petistas. Tivemos apenas pequenos avanços no campo social: direitos humanos e políticas compensatórias de inclusão. As desigualdades se agravam de forma constante e o modelo econômico continua o mesmo do período de Fernando Henrique Cardoso, com tímidos ajustes. Motivos existem e as justificativas não são difíceis de serem evocadas. Mas, para um partido que nasceu com o ideal de transformação política, social e econômica, sobram temas, situações, agendas e realidades que carecem de enfrentamento que se quer foram tocadas, e as poucas abordadas o foram de forma equívoca. O grande paradoxo é que os mandatos petistas, em linhas gerais, são tidos como os melhores governos brasileiros em tempos de democracia. Ainda que pesem todas as suas contradições, essa é uma verdade inegável.

Os desafios são imensos e os inimigos poderosíssimos, mas os muitos problemas para os quais não faltaram promessas de resolução seguem penalizando a população. É evidente a desproporcionalidade entre as forças que fazem a disputa de poder. O setor econômico é o dono da bola e a mídia corporativa faz o jogo do capital. São empresas que visam lucro e defendem, além dos próprios interesses, os de quem as patrocina. O fato do governo não possuir maioria no congresso também faz parte das argumentações e é uma realidade, mas não dá para atribuir essa responsabilidade somente ao eleitor, como querem alguns, assim como isso não pode ser desculpa para a falta de determinação para encarar as várias questões que há décadas já se punham e se complicaram ainda mais nos últimos anos. As reformas política e tributária, com uma real taxação das fortunas, por exemplo, é algo que já poderia ter acontecido há mais de uma década, quando em outros mandatos Lula gozava de altíssimos índices de popularidade e aprovação. E quanto a ter maior representatividade no Congresso Nacional é preciso que fique claro que isso é um trabalho de conquista e convencimento do eleitorado, uma responsabilidade partidária, portanto.

Os mais ardorosos defensores do governo até agora não se deram conta de que as dificuldades enfrentadas por Lula não são apenas por conta da força de Bolsonaro, do bolsonarismo, do fundamentalismo neopentecostal, do congresso, de Lira e et cetera e tal, como insistem em afirmar os que não querem enxergar a realidade. É extremamente arriscado fazer críticas ao governo no atual momento. Além das estratégias da extrema direita de manipular análises e opiniões que apontem qualquer descompasso do governo, tem o patrulhamento ideológico dos mais aguerridos que defenestram quem ousa apontar os erros de percurso governamental, classificando a voz dissonante de opositora. E com esse comportamento, Lula e o PT vão perdendo tanto a oportunidade de corrigir rumos, como perde aliados, simpatizantes e eleitores não “bozoistas” ou fundamentalistas que se vêm asfixiados pela passionalidade militante.

Se num passado recente tivemos o fenômeno do antipetismo formado, sobretudo, por eleitores ocasionais de Lula, em razão dos escândalos dos chamados “mensalão” e “petrolão”, a onda que começa a se formar agora é muito mais grave e difícil de ser contida. Sobe a maré do antilulismo em setores importantes de democratas, da própria esquerda, e de vários extratos sociais: trabalhadores precarizados, aposentados traídos e a da falsa classe média – inventada por uma sociologia oportunista e partidarizada –, abandonada e de volta à sua origem. Resumindo, muitos lulistas, que não são necessariamente petistas, estão decepcionados com a incapacidade do governo de entregar o que prometeu.

A insatisfação grassa no país, em todas as classes sociais. Os muito ricos estão entediados com as ameaças de contenção dos seus lucros que nunca se concretizam. A classe alta e a alta classe média, andam incomodadas, em razão de ter que conviver em seus salões com ex-esquerdistas. A média classe média está odiosa porque não progride mais na proporção que já cresceu e sente a possibilidade de ser rebaixada para a baixa classe média e a baixa classe média não mais consegue se sustentar nessa posição e tem sido empurrada para a classe baixa. É enorme a quantidade de profissionais com formação superior, pós-graduados: especialistas, mestres e doutores, fora das funções para as quais estudaram ou que se encontram desempregados. Trabalhadores qualificados caíram para a base trabalhadora ou para a condição de precarizados e temem que daí poderão ir sabe-se lá pra onde. Uma parcela dos pobres e dos muito pobres – não dos miseráveis – são dos poucos segmentos sociais que têm merecido algum tipo de atenção do governo. Abaixo desses, sobram – como sempre sobraram –, os miseráveis, os excluídos e os invisibilizados que vivem da esmola e dos restos da pequena burguesia e do proletariado. Não podem nem mesmo cumprir a exigência do endereço, físico, ou da aberração do endereço digital, para ter acesso às migalhas, ditas compensatórias, do governo.

Da arquibancada, o que fica visível é unicamente disputa de poder. E nesse jogo, a direita e a extrema direita estão vencendo com grande vantagem. Fazem novas lideranças aos borbotões. Amealharam em duas décadas e meia as grandes fatias da sociedade: a alta cúpula de líderes religiosos e fiéis fundamentalistas que se sentem ameaçados moralmente com o avanço das pautas identitárias, militares, banqueiros, trabalhadores informais uberizados – apelidados de empreendedores –, proprietários de empresas de vários portes, especialmente as grandes, e o agronegócio. Conquistou ainda grande parte da direita e centro-direita neoliberal e não teve nenhum escrúpulo em ceder às extorsões do centrão e aos ditames dos países hegemônicos e ao capital monopolista internacional.

Acontece que direita e extrema direita têm projetos, tanto políticos como sociais, econômicos e para a segurança pública. Projetos perversos, é verdade. Mas os têm e conseguem comunica-los facilmente com a população, utilizando com excelência a mais nova e poderosa máquina de comunicação, a internet. Forma e conteúdo na medida certa para gerar engajamento de seguidores abnegados, acompanhados das mais nefastas políticas públicas anunciadas e cumpridas rigorosamente. Enquanto isso a esquerda, cujo sinônimo, desafortunadamente, tem sido esse PT irreconhecível, patina na comunicação. Patrocina, ao mesmo tempo que critica os veículos de comunicação corporativos. Não aprendeu a operar as novas mídias, assim como não apostou em inovações que pudessem ao menos justificar a sua nova autodenominação: progressista – um arranjo semântico para descaracterizar os ideais que deveria defender. E, o mais grave, não abre espaço para novas lideranças e não tem grandes projetos para áreas críticas, como segurança pública, educação e para a economia real. Se os tem, ninguém os conhece na concretude. O que falta em ação excede em tentativas de propaganda se utilizando da velha retórica que não convence mais ninguém.

Na seara da economia financista do rentismo improdutivo e da jogatina das bolsas o governo critica o Banco Central e a política cambial. Contraditoriamente continua a fazer o seu jogo, mas tem a desfaçatez de dizer que a economia vai bem, que o Produto Interno Bruto (PIB) cresceu e blá, blá, blá. Mas, como recentemente ironizou a saudosa economista, Maria da Conceição Tavares, antes de nos deixar, “ninguém come PIB. Comemos comida, alimento”. Pois é, o povo necessita de comida na mesa, o jovem precisa de boa escola e emprego, o profissional qualificado, de trabalho digno, o trabalhador e o aposentado de renda suficiente para se manter e suster suas famílias.

Para prosseguir com essa penosa síntese diagnóstica dos quase dois anos de governo, recorro às análises e às observações argutas de outros intelectuais que trafegam no mesmo espectro. Não são poucos os aliados políticos dos atuais governantes que há tempos chamam a atenção do PT para o seu pragmatismo excessivo. A obsessão pelo poder tem levado o partido a abandonar seu antigo apreço por programas e a pegar atalhos e variantes totalmente desprovidos de sinais e balizas, numa correria eleitoreira desenfreada que não mais o diferencia dos demais partidos, tão criticados por seus dirigentes e militantes num passado não muito distante. 

Não à toa Frei Betto abre o artigo, “Michels e Partidos de Esquerda”, destacando a tese defendida por Robert Michels na sua obra de 1911, “Sociologia dos Partidos Políticos”. Betto, traz ninguém menos do que o sociólogo, Max Weber, para testemunhar que Michels teria se desiludido com a ala esquerda do Partido Social-Democrata da Alemanha (SPD), pelo seu “eleitorarismo”, voltado quase que exclusivamente para ganhar eleições e pelo “oportunismo” dos seus líderes, cuja preocupação prioritária era estar na crista da onda política. A burocratização stalinista do Partido Comunista da União Soviética e os descaminhos de vários partidos oriundos das lutas populares que se transformaram em aparelhos eleitorais de uma oligarquia política, comprovam a tese de Michels. Preocupado com o ciclo de quase todo poder que emanado do povo, acaba por se colocar acima do povo, Frei Betto que no seu livro, “A Mosca Azul”, já denunciava tais desvios, encerra seu artigo advertindo: “A cabeça pensa onde os pés pisam. Um antídoto aos riscos apontados por Michels é a profunda ligação com os segmentos populares, o trabalho de base, a capacidade de ouvir críticas e se submeter à soberania da militância. E, sobretudo, não trocar o atacado pelo varejo – um programa de democracia verdadeiramente popular, tanto em nível político quanto econômico”.

O filósofo e psicanalista, Vladimir Safatle, é outro intelectual-ativista de esquerda, que tem se pronunciado constantemente, e com veemência, sobre os equívocos do atual governo Lula. Em várias oportunidades Safatle indica caminhos de maior radicalidade para os enfrentamentos que podem tirar o país dessa situação em que se encontra e fazer valer pelo menos alguns valores socialistas que justifiquem afirmar que temos um partido de esquerda no poder. O filósofo, em seus livros e entrevistas, aborda várias questões de interesse nacional, como o das instituições republicanas, seus vícios e descaminhos. Sobre o Supremo Tribunal Federal (STF), a avaliação de Vladimir Safatle é de que a instituição é capitalista e de direita e só investiu contra o bolsonarismo por se tratar de uma extrema direita que é contra as instituições, inclusive o próprio Supremo. Corte Suprema esta que na visão de uma esquerda menos messiânica nunca apoiou direitos trabalhistas ou dos aposentados e as pautas dos pobres, pela diminuição das desigualdades socioeconômicas. Aliás, o próprio STF é um exemplo de desigualdade e contradição. A despeito de decidir quase sempre contra os pobres, é uma das instituições mais dispendiosas do país e a corte que mais acumula privilégios em todo o mundo, se comparada com instituições da mesma estatura dos países mais ricos.

Mesmo sem gozar de simpatia por parte de setores democráticos e da esquerda brasileira, o presidente do senado, Rodrigo Pacheco, tem a aprovação de várias lideranças políticas, de conservadores a progressistas e de muitos intelectuais sobre a sua propositura de rever o plano de carreira dos ministros da Suprema Corte. Ciro Gomes é um que, mesmo sem dizer claramente qual seria exatamente o seu plano para os três poderes, já declarou sua vontade de ver cada um no seu quadrado. Seria necessário um livro inteiro ou, no mínimo, um artigo de maior extensão, exclusivamente, para analisar a porosidade entre os três poderes da república brasileira que, em vez de se configurarem como contrapesos, têm se prestado a socorrer uns aos outros conforme o soprar dos ventos, numa clara demonstração de um protecionismo corporativista altamente nocivo para o Estado Democrático e de Direito. No legislativo a situação não é menos complicada. A Câmara Federal goza de tanto poder que tem tornado o executivo refém de suas exigências e por aí vai... Ao arrepio do cumprimento da constituição, assistimos perplexos a uma série de situações deploráveis como a judicialização da política, a politização da justiça e um executivo enfraquecido, em razão do excesso de permeabilidade de sua frente que, de tão ampla, pouco tem servido além de manter Lula no poder. Uma realidade que em razão da outra opção que se anunciava não ter comparação, mas que ainda é muito pouco ou quase nada, diante do muito que se prometeu e do que o país necessita. Nem mesmo as questões do meio ambiente e dos direitos humanos que o governo tanto jactou em afirmar como prioridades conseguem avançar. As enchentes no sul do país e as queimadas em todo o território nacional, em 2024, são algumas demonstrações da falta de ações políticas de Estado efetivas para encarar o fenômeno das crises climáticas. A educação política da população, a consciência de classe e a desigualdade social, temas prioritários de qualquer política de esquerda, não têm nenhuma centralidade neste governo. As pautas da diversidade e das identidades, das mais importantes, cujo debate poderia ter se dado numa perspectiva que honrasse nossa condição de país mestiço, sem a falsificação da nossa história, vem acontecendo com a tomada de empréstimo das tradições antropológicas europeias e a forma binária de abordagem do racismo estadunidense.

A trajetória do então ministro dos direitos humanos e da cidadania, Sílvio de Almeida, de sua tese e de suas práticas, é um exemplo cabal da forma torta como as pautas identitárias foram orientadas e são tratadas no país. Um identitarismo personalista que empodera um escolhido, promove e permite ao promovido se autopromover e, na sequência, pune o escolhido pela mesma via do identitarismo. Para completar o quadro, assistimos quem coloca pessoas acima do bem e do mal, simplesmente por questões identitárias, se achar no direito de reivindicar até “luto” em razão do acontecimento que culminou com a demissão do ministro com medo dos possíveis desdobramentos. Apesar da gravidade do acontecido, a questão da diversidade e do direito a ter direitos, não pode ser tratada de forma espetacularizada e pelo viés desse identitarismo maroto e personalista. Contraditoriamente, esse tipo de abordagem esconde opressão, preconceito, ódio de classe e mais uma série de discriminações nos próprios contingentes desses grupos mais evidentes e condenam dezenas de outros grupos sociais, muitos até mais numerosos, mas sem projeção, a permanecerem no anonimato, sem fazer valer até mesmo seus direitos de sobrevivência. Sem contar que os desvios cometidos por algumas lideranças na condução desses cruciais direitos sociais têm dado grande munição para a extrema direita. Intelectuais sérios já alertaram para o perigo do que poderia se configurar no país com o que começou a ser arquitetado nos anos 1970, a partir da negação da mestiçagem e do macaquear os Estados Unidos, ao tratar a questão do racismo de forma binária. Tal falsificação histórica foi institucionalizada no governo de Fernando Henrique Cardoso – com a chancela do IBGE (enegrecendo o país de forma irresponsável) – e se aprofundou nas duas últimas décadas. Sem negar que o Brasil é um país racista, a tese do ex-ministro dos direitos humanos e cidadania, de “racismo ‘estrutural’”, tem sido questionada muito antes de Almeida se tornar ministro. Quem quiser aprofundar neste estudo precisa ir além de Jessé Souza e Sílvio de Almeida. É recomendável que dedique maior atenção a Darcy Ribeiro e não se esqueça de Alberto Guerreiro Ramos e Luís Gama, Antônio Risério e Eduardo Giannetti da Fonseca, para citar pelo menos seis intelectuais de grande envergadura que trataram desse tema com respeito à nação, aos povos e à história, sem ir na onda da falsificação de dados, das simplificações morais e dos modismos acadêmicos.

Em meio a tantos outros problemas, o governo propõe mais arrochos para o povo na segunda fase do novo arcabouço fiscal. Vai cortar ainda mais os gastos. A desculpa, ainda que não seja com as mesmas palavras, é a dos tempos da ditadura: “Vamos fazer crescer o bolo para repartir depois”. Ou seja, vai seguir a cartilha de Paulo Guedes, “quebrar o piso para não furar o teto”. Ora, a área econômica, além de ser a que o governo encontra mais dificuldades em propor transformações e que repercute em vários setores, do desenvolvimento e tecnologia à segurança pública e da educação ao turismo, passando por saúde, direitos humanos, meio ambiente e cultura, é a área mais carregada de maquiagem e botox. Haja powerpoints, cortes seletivos de pesquisas e photoshops para mascarar a fotografia da economia real. Todos sabem que a economia e as desigualdades, formam o ponto nevrálgico do que precisa ser enfrentando urgentemente em nosso país. Se temos uma economia em crescimento e o Brasil vai bem, como querem nos fazer acreditar, porque os brasileiros vão de mal a pior? O país tem um sério problema gravitacional. A Lei da Gravidade aqui só funciona para pessoas e que estejam localizadas da baixa classe média para mais baixo na pirâmide social. E não vale aquela máxima de que se cair, do chão não passa. Corre-se o risco de ir para o subsolo, ser condenado à exclusão ou enterrado vivo. Já os bens e a riqueza flutuam fartamente, sem gravidade, na parte superior, nem mesmo de uma pirâmide, mas de um triângulo escaleno que pende para o lado direito.

No início deste ano o economista que exerceu a função de porta-voz da presidência da república no primeiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva, André Singer, professor titular do Departamento de Ciência Política da USP e autor do livro, O lulismo em crise, e Fernando Rugistsky, professor de economia da University of the West of England, em Bristol, onde também é codiretor de pesquisa em economia, fizeram um balanço do primeiro ano do Governo Lula, no site A Terra é Redonda. Singer e Rugistsky dois progressistas, afirmaram que, “Após ter vencido à frente de um heterogêneo ajuntamento de salvação democrática, o presidente decidiu entoar a melodia lulista clássica: fazer, no atacado, concessões à burguesia e, no varejo, buscar as brechas por meio das quais consiga beneficiar, em alguma medida, os segmentos populares. Só que o tema vem se desenvolvendo em andamento lentíssimo, tornando duvidosos os movimentos previstos para os períodos eleitorais de 2024 e 2026”.

Tais movimentos foram tão vacilantes que o resultado aí está. Faz tempo que a população vem dando o seu recado. Basta que se atente para os crescentes números de abstenções e de votos nulos e brancos a cada eleição. Esses números somados, ora se aproximam, ora são maiores do que os votos que candidatos vitoriosos ou perdedores recebem. Como já era previsto, os resultados eleitorais de 2024 não foram nada favoráveis para a esquerda representada pelo Partido dos Trabalhadores nessa sua atual configuração. Se não houver – agora – uma mudança radical na forma de fazer política por parte do governo, do PT e de seus aliados, a esperança da reeleição de Lula ou de que o governo faça um novo presidente está desfeita. Isso quer dizer que a lógica eleitoreira se esgotou. Não cola mais essa coisa de disputar eleições municipais com cálculos para eleições presidenciais. Precisa ficar claro também para os partidos que o povo, definitivamente, não é culpado e não vota mal como os simplificadores da realidade afirmam. A população não é burra. Ela tem as suas razões e estas estão sendo permanentemente ignoradas pelas lideranças políticas brasileiras. Se Bolsonaro foi horrível, um tufão, destruidor de várias das modestas conquistas sociais e uma ameaça à república, o que poderá surgir em 2026 será muito pior. O povo quer mudança e, insatisfeito como está, pode vir a apostar em qualquer candidato que acene com essa possibilidade. O irônico é que diante de uma esquerda conformista que não se atreve a encarar com radicalismo as transformações econômicas e sociais pelas quais o país grita, tenha sido necessário que o bolsonarismo pautasse o tema do socialismo.

Todavia, o tiro da extrema direita ao demonizar os regimes comunista e socialista pode ter saído pela culatra. A curiosidade da população foi aguçada e está sendo saciada. Ainda que seja minoria, com baixa vinculação e pouquíssima representação nos cargos eletivos, não é verdade que não exista mais esquerda no Brasil. O vácuo nesse campo logo será preenchido com a politização da sociedade pelas vanguardas intelectuais de esquerda. Os sinais são de que daí emergirá consciência crítica suficiente para a formulação de um amplo projeto político popular para a nação com oportunidades para o surgimento de novas lideranças bem formadas, compromissadas com a transformação da sociedade e com o fim do Estado burguês. Tudo indica ser essa a alternativa capaz de enfrentar a ofensiva deletéria da extrema direita. Trata-se de uma tendência mundial que já se ensaia até mesmo em países como Dinamarca, Finlândia, França e Estados Unidos, e por aqui não será diferente.


*O autor é comunicólogo e jornalista. Doutor em Educação e mestre em Artes Visuais.
Trabalha com Educação comunicacional e midiática.


domingo, 18 de agosto de 2024

A TECNOLOGIA DIGITAL É VICIOSA E VICIANTE

 

(Imagem capturada em: izapsoftworks - izap.com.br)


Tecnologias e criminalidade de braços dados

Eugênio Magno 

Não dá para acreditar que governos, justiça, polícias e grandes empresas sejam tão ingênuas a ponto de permitir que as grandes plataformas digitais tenham tantas informações e controle político, econômico, estratégico e das comunicações, entre outras áreas, submetidas à meia dúzia de monopólios tecnológicos privados.

As telecomunicações e a internet, juntas ou separadas, são as campeãs em burlar leis, extorquir e fazer reféns os usuários dos seus serviços, chantagear nações e governos, permitir o vazamento de informações confidenciais, além de ser usadas como ferramentas de ponta pelos criminosos cinco ponto zero.

Enquanto as polícias se ocupam com viciados em crack, pichadores e ladrões de galinha e de botijão de gás, os crimes cibernéticos campeiam livremente.  

Os subprodutos ímprobos do mundo tecnológico têm ofuscado os inegáveis benefícios da tecnologia. O telefone, por exemplo, deixou de ser o melhor meio de comunicação para se falar com familiares, amigos e parceiros de negócios. Atender a uma chamada telefônica de número desconhecido atualmente quando não é chateação é um risco. A maioria das ligações recebidas são de empresas de telemarketing oferecendo produtos que não interessa e de golpistas. Quem depende do telefone para trabalhar sofre com o assédio constante de oportunistas e criminosos. Um mínimo descuido leva o interlocutor a cair nas armadilhas, a cada dia mais sofisticadas, dos bandidos. Os vigaristas usam vozes e protocolos de abordagem idênticos aos das empresas de call center e telemarketing. Será que os números para os quais eles ligam são meros frutos da aleatoriedade ou vazados por empresas e instituições que coletam informações das pessoas e, em total desrespeito à Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), cedem seus mailings de acordo com suas conveniências e interesses?

No campo da telefonia, além dos maus serviços, cobranças indevidas e cortes súbitos nas ligações, existem vários outros aspectos que chamam a atenção. Quando estamos conectados a uma rede wifi, por exemplo, quase todas as ligações feitas ou recebidas são realizadas pela internet, via wifi; quer dizer, a operadora de telefonia cobra, mas não é ela que realiza o serviço. Outra situação bizarra é a moda da terceirização. Ela chegou a tal ponto que até mesmo as empresas de telefonia terceirizaram seus serviços de atendimento telefônico ao cliente. A falta de critérios nessa área é tão absurda que uma mesma empresa de call center atende demandas de usuários de serviços de fornecimento de energia, de água, de telefonia, de internet, de indústrias e empresas comerciais, de bancos e, o pior, de instituições públicas. Nessa lógica, os responsáveis pelas organizações ficam totalmente invisíveis e o cliente sem acesso direto ao fornecedor do serviço ou vendedor do produto. A dificuldade de fazer o contato, somada à burocracia telemática da ligação, o tempo de espera e a falta de autonomia das terceirizadas para resolver problemas complexos constituem barreiras que desestimulam o reclamante a reivindicar seus direitos. E, mais, como uma mesma empresa de call center atende várias organizações – públicas e privadas –, é muito provável que mailings transitem facilmente entre umas e outras empresas e instituições. Sem contar o lucrativo comércio de dados de usuários e consumidores, uma prática criminosa que já se tornou usual e não tem mobilizado as autoridades no sentido de combatê-la.

Existem leis para regular as teles, mas elas não são cumpridas como deveriam. Os descumprimentos se dão tanto porque os órgãos de fiscalização não se encontram aparelhados o suficiente para exercer o controle, quanto porque falta vontade política para encarar esse desafio, e probidade por parte de certos agentes públicos que volta e meia são flagrados em situações vexatórias de favorecimentos em troca de benefícios pessoais. Acrescente-se ainda o agravante de os próprios governos municipais, estaduais e federal, ao terceirizar serviços de call center, facultarem às empresas prestadoras desses serviços o acesso aos dados do contribuinte. E, a partir daí, só Deus sabe o que é feito com esses dados; muito embora seja de conhecimento público o valor monetário, de influência e de poder que esses dados representam. Recentemente o Ministério Público constatou irregularidades no INSS: associações fantasmas faziam descontos não autorizados na folha de pagamento dos aposentados.

Um dado curioso: Banco do Brasil (BB) e Caixa Econômica Federal (CEF) são as principais empresas usadas pelos criminosos cibernéticos para dar golpes na população e os aposentados são os principais alvos dos golpistas. Esses crimes utilizando BB e CEF seriam mais uma das estratégias do capital para forçar a privatização desses dois patrimônios públicos brasileiros, falta de segurança dos dados, ou mera coincidência?

É uma insanidade convivermos com tanta passividade no combate aos golpes sem a aplicação de penas mais severas nessa área. Não obstante a existência de leis, essas questões envolvendo as teles é antiga e foi agravada com a convergência de mídias. Oitenta e nove por cento da população brasileira acessa a internet pelo telefone e os algoritmos estão sempre de plantão capturando as mais inimagináveis informações dos usuários para uso do poder, do capital e também dos criminosos.

No quesito tecnologia digital cabe observar que os governantes brasileiros – desde os anos 1990 –, têm feito um grande mal ao estado e à nação. Falta expertise para comprar tecnologias e aplicativos em todas as esferas dos poderes públicos. Eles compram mal e submetem a população, inclusive analfabetos totais e a grande maioria de analfabetos funcionais e informacionais, ao uso compulsório das tecnologias, muitas delas de difícil interação e outras ruins mesmo, com péssima arquitetura comunicacional. As interfaces ignoram todas as conquistas da linguagem humana e da comunicação social. O fato da comunicação e da linguagem que levaram milênios para serem criadas, codificadas e aprimoradas padecerem, em poucas décadas, de uma lógica tolamente subvertida, é um aspecto importante que não tem merecido a devida atenção e que talvez seja o cerne dessa questão. Ao invés de termos uma Comunicação Tecnológica, com a comunicação que já era algo estabelecido e conceituado, como matriz do processo, a tecnologia engoliu a comunicação, até na forma de ser nominada. Em vez de Comunicação Tecnológica, o que temos é Tecnologia da Informação e da Comunicação. A comunicação perdeu seu protagonismo até na nomenclatura; de substantivo passou a ser mero adjetivo da tecnologia. E, essa nova lógica usurpadora não atingiu apenas a comunicação. Praticamente, quase tudo no mundo está submetido à tecnologia, quando a tecnologia é que deveria estar à serviço da vida e de tudo em todos os sentidos. No caso específico da comunicação, é importante sublinhar que os especialistas em tecnologias têm se mostrado péssimos comunicadores. Aliás, o pessoal de Tecnologia da Informação (TI) ao desenvolverem softwares e aplicativos deveriam ter ser sempre ao lado um profissional de comunicação, para se evitar tantos equívocos e dificuldades para os usuários, pelo menos enquanto cada profissional não esteja fazendo o seu melhor naquilo que lhe compete.

Essa ditadura do deus-tecnologia precisa ser derrubada. A tecnologia é uma conquista humana muito importante para figurar como usurpadora e substituta de tudo que já foi conquistado. Às autoridades mundiais cabe a responsabilidade de reposicionar a tecnologia como recurso auxiliar, uma verdadeira aliada da humanidade e de suas práticas e relações sociais e de produção.

Os monopólios digitais possuem mais informações sobre as populações do mundo do que os governos e os serviços de inteligência dos estados nacionais.

Atualmente no Brasil acontece um grande debate em torno da regulação das plataformas digitais. Em vários países já existe essa regulação e por aqui, nem mesmo o controle das empresas de telecomunicação é feito com o rigor necessário. Quanto às big techs, o debate não deveria ficar apenas em torno de se regular ou não, mas também de como deve ser a regulamentação, quais serão os mecanismos de controle, que penalidades vão ser aplicadas às empresas que descumprirem a lei e, a partir de quando a regulação estará vigendo. O Marco Civil da Internet já tem quase uma década, data de 2016, e a população clama por celeridade na aprovação da sua complementação. Caso isso não aconteça já, corre-se o risco de que se aprofunde ainda mais a sujeição da população a essa exploração desmedida por parte das grandes plataformas e das empresas milionárias que pagam fortunas pela utilização desses serviços e da apropriação dos dados do povo para exercerem cada vez mais controle sobre todos. Por essas e outras, quando se fala em regulação, é preciso que se respeite o direito do cidadão de optar por usar ou não a tecnologia em suas interações com os serviços públicos. E para aqueles que desejam utilizá-la é de fundamental importância que sejam disponibilizados - gratuitamente - pelo estado, para toda a população, cursos de letramento para o uso das tecnologias na vida cotidiana.

Assim como a regulação da internet e a operação das big techs carecem de urgência, as questões envolvendo a telefonia também precisam ser encaradas pelo governo. No entanto, aqueles que se dizem representantes do povo pensam e agem na direção contrária. Recentemente o Congresso Nacional decidiu manter o veto do ex-presidente, Jair Bolsonaro, que barra o Projeto que criaria a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet (PL2.630/202), conhecido como "PL das Fake News". O veto foi mantido pelos deputados federais com um placar de esmorecer o cidadão: 317 votos a favor, 139 contra e 4 abstenções. Entre outros pontos, o texto barrado estabelecia até cinco anos de reclusão e multa para quem cometesse o crime de “comunicação enganosa em massa”, definido como a promoção ou o financiamento de campanha ou iniciativa para disseminar fatos inverídicos e que fossem capaz de comprometer o processo eleitoral. Como a punição de quem espalhar fake news foi impedida, espera-se um festival de mentiras nas eleições municipais deste ano.

Num país em que uma lei de combate às fake news é rejeitado, vale tudo; nas redes sociais e também nas mídias corporativas. No dia 18 de junho de 2024, circulou em todo o país, inclusive nos veículos de comunicação tradicionais, a “notícia” de que um dos maiores intelectuais vivos da atualidade, Noam Chomsky, teria morrido. Nenhum dos veículos que divulgou a inverdade fez uma apuração decente que pudesse confirmar a veracidade do possível fato. Só no final do dia foi descoberto que Chomsky havia tido alta do hospital em que se encontrava internado no Brasil e que passava bem, embora ainda estivesse sob cuidados médicos. Infelizmente, nesses casos, os desmentidos e as correções só vêm a público tardiamente, depois do choque, dos incômodos causados às famílias das vítimas da desinformação e da comoção geral do povo. Nesse caso, envolvendo Noam Chomsky, descobriram que a notícia que deu origem a essa boataria veio de uma coluna de obituários de um portal internacional que homenageia pessoas em vida quando, quase sempre as pessoas são homenageadas apenas depois de mortas. No episódio em questão, ficou clara a falha do jornalismo em tornar notícia o que não ocorreu, pois sem fato não há notícia. E, como temos depositado todas essas aberrações na conta das fake news essa é mais uma para entrar no rol delas. Isso serve de alerta para o perigo das mídias digitais. A tal coluna, batizada de Obituary se aproveita e se aproveitou dessa contradição para ser notada e os jornais, portais e demais veículos de comunicação que multiplicaram a informação pecaram por não fazer apuração. E, na sequência, internautas que gostam de imitar repórteres carniceiros e dar “furos de reportagens” e manchetes ao gosto dos algoritmos, ajudaram a promover a desinformação.

Em meio a tantos abusos, falta de punição e regulação, o convívio saudável com as novas tecnologias tem se mostrado difícil. Sobram desvios de finalidade, conflitos de interesse e muitas outras mutretagens na internet, na telefonia e nas redes sociais.

O marketólogo e psicólogo estadunidense, Adam Alter, autor do livro “Irresistível: porque você é viciado em tecnologia e como lidar com ela”, tem alertado para o perigo de estarmos, em média, oito horas por dia em frente a uma tela de computador, tablet ou celular. Embora consciente de vivermos em um mundo tecnológico, Alder sugere que devemos aproveitar apenas o melhor das telas e deixar o pior para trás. Em entrevista ao Instituto Conhecimento Liberta (ICL), o especialista teceu um corolário de considerações e advertências sobre o uso vicioso e viciante das tecnologias.

Segundo Adam Alter, estudos recentes constataram que as pessoas veem três vezes mais coisas nocivas do que as produtivas nas telas e isso é muito preocupante, pois, a tecnologia digital não proporciona nenhuma pausa. Filmes têm fim. Livros e novelas também têm capítulos e fim. Mas, a mídia digital não tem fim, é como o design dos cassinos, onde as pessoas sempre são convencidas a continuar jogando. Não tem sinais de paradas ou relógio que informe a quantidade de tempo em que se fica hipnotizado pelo vício de querer sempre mais. As evidências neurocientíficas mostram que tem muita gente vidrada em coisas viciantes, ainda que delas não goste. As mídias sociais, por exemplo, são lugares em que as pessoas permanecem horas a fio, mesmo que o gostar diminua, apenas em função do querer estar conectado o tempo todo. Não é permitido mais não fazer nada. As populações desenvolveram o vício de se “ocupar” o tempo todo, mesmo que seja em uma ocupação com o “nada”, com a virtualidade, a improdutividade.

Além dos problemas cognitivos causados pelo vício tecnológico e das fake news, prática flagrante na rede, é preciso que se atente para as ideias emocionais que circulam na internet de forma massiva. Essas ideias baseadas em emoções viajam muito mais rápido do que os fatos verdadeiros. A emoção temperada com a negatividade e a raiva, alimentam ainda mais o vício em mídias digitais. As grandes plataformas detêm o monopólio das nossas atenções. É muito poder nas mãos de quatro ou cinco detentores do controle das principais plataformas com alcance mundial. Esses empresários têm mais poder do que os mais potentes países do mundo, como já foi dito. Mal comparando, é como foi num passado recente, ter em mãos a bomba atômica. Os donos dessas megacorporações não têm apenas o monopólio das nossas atenções, como também todos os nossos dados pessoais, comerciais e geográficos. E somos nós mesmos, as vítimas desse controle, os lacaios de nós próprios, com a cumplicidade ativa dos governos a nos fazer reféns de um controle absoluto com fins obscuros.

O sistema capitalista deu um salto extremamente ofensivo contra a humanidade, saiu da economia da materialidade do consumo para a economia da atenção. É fundamental que aconteçam movimentos de base que discutam o impacto negativo das mídias digitais em nossas vidas e que comecemos a boicotar as plataformas e realizar ações de combate a essa força hegemônica que domina o planeta. O autor de “Irresistível”, sugere que haja pressão contra as plataformas, de baixo, pelas bases – pela massa usuária –, e por cima, pelos governos e pelos poderes públicos que também são consumidores-usuários, clientes das plataformas digitais. Eles têm poder legislador, fiscalizador e de polícia, para coibir os abusos constantes praticados pelas plataformas, regulando-as, como já acontece em algumas nações.

É crucial que hajam leis e os governos do mundo inteiro promovam regulação urgente das grandes plataformas. A pane global, em meados de 2024, num desses sistemas, com prejuízos gigantes, em várias áreas, foi uma pequena demonstração do imbróglio em que o mundo se meteu. Pessoas, empresas, instituições e governos, todo o mundo estão submetidos, total e completamente, a uma tecnologia sobre a qual não se tem nenhum controle e que em breve nem mesmo os seus controladores poderão controlar, tamanho é o avanço e o domínio da Inteligência Artificial e dos algoritmos.  

A situação nos coloca diante de um grande paradoxo: como lutar contra um sistema que, apesar de tantos problemas, representa avanços tão significativos?

Os desafios são complexos e para enfrentá-los é preciso começar de algum ponto. Uma maneira simples e possível de iniciar imediatamente esse enfrentamento é adotar uma postura de menor dependência dessas tecnologias, utilizando-as somente para o que seja construtivo. Outro procedimento que vem sendo recomendado é evitar todas aquelas plataformas que empanturram o usuário de conteúdos para os quais ele não tenha tempo suficiente de avaliar a qualidade do que vai consumir. Passar parte do dia sem tela, desinstalar aplicativos supérfluos, retirar a maioria dos lembretes dos celulares e deixar somente os avisos do que de verdade interessa é o que têm aconselhado os pesquisadores que estudam os efeitos nocivos das tecnologias digitais.

Já numa escala macro, só uma governança mundial para dar conta dessa e de muitas outras demandas de ordem planetária. Até que isso ocorra pra valer, os estados nacionais deveriam fazer esse enfrentamento, cada um criando sua internet estatal, para garantir cidadania plena às suas populações.

Tal como o mundo funciona, todos necessitam de tecnologias. Elas estão presentes na vida de todo e qualquer indivíduo ou organização. Para o bem ou para o mal, elas estão aí e isso não tem mais volta. Como utilizá-las, de que forma a humanidade é submetida e se submete a elas é a questão. Governos, universidades, imprensa, escolas e sociedade precisam debater exaustivamente esse tema para melhor compreendê-lo e estabelecer parâmetros e limites para a sua utilização.


terça-feira, 30 de julho de 2024

UM POUCO DA CHINA COM RODRIGO LESTE



 (do Diário de Viagem de Rodrigo Leste) 

# 21 – TAI CHI E QIGONG: TERAPIAS CORPORAIS  CHINESAS COM RODRIGO LESTE

Dediquei vários episódios do podcast Mediações para fazer uma síntese comentada do livro “Ikigai: os segredos dos japoneses para uma vida longa e feliz, de Héctor Garcia e Francesc Miralles.
Nesses episódios foram divulgados vários aspectos dessa filosofia milenar, incluindo abordagens sobre várias técnicas de meditação e terapias corporais.


Em razão da plataforma Spotify ao incorporar a Anchor criar algumas dificuldades para os podcasters estou migrando para outra plataforma (provavelmente irei para o Youtube com nova denominação), publiquei este episódio de Mediações no meu feed do Facebook.

(Rodrigo Leste, fotografado por Eugênio Magno, No Parque Municipal de Belo Horizonte) 

Com esta edição de Mediações eu fecho a série de seis episódios sobre as terapias orientais, a partir da leitura comentada do livro IKIGAI.
Clique neste link e ouça a entrevista com o escritor, ator, poeta e performer, Rodrigo Leste que também trabalha com terapias corporais e fala do que trouxe na bagagem da sua viagem à China.

domingo, 9 de junho de 2024

FLASHES DO FLAGELO DE PRISIONEIROS DAS METRÓPOLES

Os abandonados são sombras inseparáveis de uma humanidade desumana


Esse morador de rua dormia em uma passarela próxima a praça da Estação, em Belo Horizonte, ao meio-dia, com o sol a pino, no último sábado (08/05). Certamente passou a noite em claro, caminhando para aquecer ou à beira de uma fogueira de papel junto a outros desafortunados como ele. 

A população de rua tem seu sofrimento elevado à enésima potência no inverno


Bete e Geraldo não são um casal, são amigos que partilham a mesma sina de moradores de rua. Bete está na rua há 20 anos e Geraldo conta que já completou 12 anos sem família, sem teto e sem documentos. Bete afirma que tem seus documentos e que os carrega para todo lugar em sua inseparável mochila, atenta para não ser roubada. Pois, segundo ela, é comum serem roubados por pessoas que se encontram na mesma situação de abandono.

Apesar do olhar perdido, Geraldo diz ter esperança de um dia voltar à sociedade. 


Os dois amigos torcem para que o inverno seja menos rigoroso. "Quase morri de frio num ano desses aí", testemunhou Geraldo.

O inverno brasileiro começa oficialmente no próximo dia 20 de junho, mas a temperatura já registra mínimas muito baixas, especialmente nas madrugadas.

As autoridades públicas têm o dever humanitário de agir rápido para garantir abrigo, alimento e agasalho à população de rua. A sociedade civil organizada e a população em geral também deve se engajar nessa tarefa que é responsabilidade de todos.


quarta-feira, 1 de maio de 2024

QUEM TRAIU OS APOSENTADOS ?

Os aposentados pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) vivem inseguros e são constantemente traídos. 


(Foto: Marcelo Camargo - ABr/pragmatismo)


Aposentados brasileiros condenados a penúria

Eugênio Magno
Comunicólogo / Jornalista, Doutor em Educação e
Assessor do Centro Nacional de Fé e Política Dom Helder Câmara

O Trânsito em Julgado da “revisão da vida toda”, para citar um fato gravíssimo, ocorrido recentemente, quicou igual bola de pingue-pongue, de um ministro para outro, no Supremo Tribunal Federal (STF), pelo menos por uns três anos. Isso, depois de ter a aprovação do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) que definiu por intermédio do tema 999 o entendimento de que “a ‘revisão da vida toda’ é plenamente possível e encontra respaldo legal e jurídico”, e determinou que todos os tribunais inferiores adotassem esse mesmo entendimento. O tema também havia sido aprovado pela suprema corte no final de 2022. Mas agora, ao mudar de ministros, o mesmo STF mudou a decisão tomada anteriormente.

Se já era cruel assistir ao jogo calculado do supremo que parecia esperar pela morte de aposentados com direito a revisão, a prescrição de prazos legais para diminuir impactos econômicos e facilitar os interesses do INSS e suas constantes interposições de recursos ao processo, além de observar orientações do governo e do mercado, muito pior foi o desfecho.  A “revisão da vida toda” tomou sete raquetadas, para infortúnio de milhares de aposentados que alimentavam a esperança de uma pequena correção em seus rendimentos, um direito adquirido, covardemente derrubado por quem goza de grandes privilégios e são pagos pelos cidadãos.

Para continuar com a metáfora do pingue-pongue, a então ministra, Rosa Weber, fez que foi mas não foi. Deu um voto favorável, porém com restrições; saiu do jogo e deixou a bola quicando. Cristiano Zanim deu mais de um toque: levantou a bola nas alturas para ele mesmo cortar e deu a primeira raquetada contra os aposentados. Foi seguido por Flávio Dino, Dias Toffoli, Luiz Roberto Barroso, Luiz Fux, Gilmar Mendes e Nunes Marques. Por outro lado (pasmem), o bolsonarista, “terrivelmente evangélico”, André Mendonça, destoou da orquestração neoliberal e foi favorável à revisão. Carmem Lúcia, Edson Fachin e Alexandre de Moraes mantiveram suas posições, se dignaram a defender a causa dos aposentados. Bastavam os dois votos dos ministros recentemente indicados por Lula, Zanim e Dino, e o placar teria sido de 6 X 5 para os aposentados. Mas não foi o que ocorreu. Governo, INSS e STF massacraram os aposentados por 7 X 4. A orientação governamental era outra e o fato é que um governo que tem presidente e partido de origem popular optou por sacrificar os que sempre lhe apoiaram, para atender, mais uma vez, os endinheirados.

Ministros identificados pela mídia e pelos progressistas como governistas – um deles oriundo de partido comunista –, votaram contra quem deu o sangue e a vida trabalhando pelo país. Com a decisão da elite burocrática brasileira, aposentados perdem a possibilidade de terem suas aposentadorias ajustadas, um direito já assegurado e garantido, com vitórias no STJ e no próprio STF, onde aguardava apenas Trânsito em Julgado e na sequência, escalonamento e agenda de pagamento pelo INSS. Mas, a expectativa foi embora pelo ralo, para satisfazer as pressões do capital e aos ditames do establishment. Essa é mais uma das contradições incompreensíveis que o cidadão sente na pele, no bolso e na mesa. Tudo isso para sustentar a falácia de que a “revisão da vida toda” ameaçava a saúde financeira do país. Se a preocupação era com os cofres públicos, quem barrou o processo não levou em conta que o valor total do desembolso aos aposentados seria bem menor do que o custo anual do judiciário brasileiro que é quatro vezes mais caro do que a média dos orçamentos dos judiciários do mundo, inclusive os de países ricos como Estados Unidos e Inglaterra.

As desculpas, injustificáveis, dadas pelos algozes dos aposentados variam de acordo com a pergunta e a conveniência do momento. Todas as pretensas explicações e, até mesmo os votos dos ministros da suprema corte têm sido refutados. Especialistas em previdência já afirmaram em diversas ocasiões que o maior gargalo é o da Previdência Pública. E não é segredo para ninguém que os maiores benefícios pagos são exatamente os do judiciário, executivo, legislativo, Forças Armadas e funcionalismo público federal como um todo. Esse pessoal aposenta com o mesmo salário da ativa e em certos casos com alguns penduricalhos a mais. Sem contar os servidores públicos, inclusive juízes, que infringem a lei e ao serem afastados de seus cargos, em vez de serem punidos, são premiados com uma aposentadoria compulsória. Isto é, param de trabalhar e continuam a receber polpudas aposentadorias.

Desde o impeachment de Dilma Rousseff, com Michel Temer na presidência, que os limites entre os três poderes da república têm se mostrado extremamente porosos. Situação agravada no governo de Jair Bolsonaro e que perdura no atual mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Vivemos tempos difíceis e a nossa frágil democracia vem sendo constantemente ameaçada. Não há dúvida quanto a importância do atual governo para deter a sanha golpista, recuperar os estragos causados na estrutura do Estado, defender a democracia, as instituições republicanas e a autonomia de cada uma delas como contrapesos do sistema. No entanto, as próprias instituições deveriam se ater aos seus papéis constitucionais em todas e quaisquer circunstâncias, não somente quando a sobrevivência de seus integrantes enquanto funcionários públicos do alto escalão é ameaçada e suas reputações atacadas. Nesse episódio da “revisão da vida toda”, por exemplo, que penalizou os aposentados, o STF que deveria se concentrar apenas no aspecto legal, tomou uma decisão política e econômica. No entender dos aposentados, dos seus advogados e de juristas especializados na matéria, a decisão da suprema corte foi claramente política e econômica.


O advogado, Altair Carlos da Silva Júnior, especializado em direito previdenciário, constata que, “uma vez mais, o STF que deveria decidir apenas considerando as questões jurídicas, é influenciado por questões políticas do país, visto que essa recente decisão favorece o governo federal que alegava um déficit de 478 bilhões de reais, em caso de decisão pela possibilidade da ‘revisão da vida toda’”. Ele destaca que “decisão semelhante já aconteceu há algum tempo, quando foi analisado e decidido contrariamente aos segurados, o tema da ‘desaposentação’”.

É praticamente unânime a opinião de autoridades no assunto de que o INSS supervalorizou o desembolso que teria de fazer se os pagamentos aos aposentados fossem autorizados. A Previdência chegou a falar em R$ 478 bilhões, quando juristas e peritos que acompanham o caso estimam que o valor não ultrapassaria R$ 3 bilhões. Há quem acredite que R$ 1,5 bilhões seriam suficientes, já que nem todos que entraram com o processo pedindo revisão teriam direito, assim como não foram todos os aposentados com direito à revisão que entraram com o processo até a data limite. Os cálculos de desembolso corrigidos, apresentados pelo INSS foram exageradamente inflacionados. O órgão alardeou que se a revisão da vida toda passasse, o país quebraria. Pura desfaçatez. Todo brasileiro com mínimo acesso à informação sabe muito bem onde está a ameaça: o que pode quebrar o Brasil são as mamatas de ocupantes do poder e os assaltos que os ricos promovem aos cofres públicos todos os dias com o beneplácito dos governos de plantão. Os aposentados, ao contrário, sustentaram o país como trabalhadores e continuam a sustentar como investidores e sócios lesados de uma previdência que sempre se negou a remunerá-los na proporção de seus investimentos (contribuições) ao longo de décadas, para garantir uma velhice digna. E agora, o INSS ao arquitetar o que já está sendo chamado de estelionato previdenciário condena os aposentados com direito a “revisão da vida toda” a penúria, privando-os de um ajuste mínimo para corrigir parte do prejuízo que vêm contabilizando como contribuintes de toda uma vida. 

Se tudo isso não bastasse, somado ao vazamento dos contatos dos segurados para o assédio de bancos, financeiras e escritórios de advocacia, o Instituto Nacional do Seguro Social foi flagrado nos últimos dias em mais uma das suas. Um relatório concluído por auditores do Tribunal de Contas da União (TCU) identificou a existência de “controles frágeis” dentro do INSS. Fragilidade essa que permite descontos indevidos em larga escala por associações, feitos de forma direta na folha de pagamento dos aposentados. 

É desconcertante constatar o quanto o eleitor e o cidadão são instrumentalizados nesse país. Vale tudo pelo poder e só o poder e o dinheiro interessam àqueles que deveriam nos representar, mas que representam apenas os seus próprios interesses. Câmara, senado e imprensa – tradicional e progressista – não se manifestaram contra o supremo quando seus ministros apoiaram a causa dos ricos ao votarem contra o direito dos aposentados. Entretanto, o parlamento agora critica o STF de judicializar a desoneração da folha de pagamento, como se no Brasil a judicialização da política e a politização da justiça não fosse prática corriqueira, atendendo interesses à direita e à esquerda. Comportando-se já há algum tempo como biruta de aeroporto, alguns órgãos da mídia progressista autoproclamada como bastião da ética e de jornalismo independente, equilibrado e de qualidade, adota o silêncio dos cúmplices no episódio dos aposentados, mas desanca o senado e defende intransigentemente o STF na pauta mais recente, e assim segue como assessoria de imprensa do governo.

O mais bizarro nessa história da “revisão da vida toda” é o seguinte: o ex-presidente, Jair Bolsonaro e seu ministro da economia, Paulo Guedes, que tanto fez para aprofundar as desigualdades e beneficiar as elites econômicas, também tentou desferir esse golpe contra os aposentados e não conseguiu, mesmo com dois ministros nomeados por ele no STF. Mas, por ironia do destino é justamente no governo Lula que a esperança de trabalhadores aposentados finda, com sua obediência excessiva ao Banco Central e a Faria Lima. 

Como tudo nesse país é possível, a solução para os aposentados talvez seja a criação de um movimento que articule algo do tipo ação popular especial. O movimento reuniria aposentados com direito à “revisão da vida toda”, parlamentares, juristas, peritos e advogados especializados em previdência, interessados na causa, para requerer o saque total das contribuições dos aposentados, acrescido de juros, correção monetária e outros ganhos processuais por prejuízos financeiros, assédio moral, em razão do uso indevido dos seus dados e por outras perdas. Afinal, é assim que todo e qualquer investidor age quando não está satisfeito com o retorno dos seus investimentos ou se sente lesado pelas operadoras. No caso dos especuladores da bolsa esse tipo de atitude tem amparo legal e conta com as garantias do Banco Central. No que diz respeito as contribuições pagas à Previdência, por não ser investimento especulativo, mas garantia de sobrevivência dos idosos, a coisa é ainda mais grave e tanto o INSS quanto o Estado brasileiro não podem sair impunes desse jogo combinado contra os aposentados.

terça-feira, 16 de abril de 2024

INSS SÓ FERRA OS APOSENTADOS

 


Se não bastasse a orquestração para derrubar o direito dos aposentados às correções pela Revisão da Vida Toda e o repasse dos contatos dos segurados para o assédio de bancos, financeiras e escritórios de advocacia, o Instituto Nacional do Seguro Social é flagrado em mais uma irregularidade (ou seria ilegalidade mesmo?).


"TCU aponta 'descontos indevidos em larga escala' e pressiona INSS"

O Portal Metrópoles, de 16.04.2024, em matéria de Luiz Vassalo e Fábio Leite, informou que "Um relatório de inspeção concluído neste mês por auditores do Tribunal de Contas da União (TCU) identificou a “existência de controles frágeis” dentro do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) que permitem “descontos indevidos em larga escala” feitos por associações diretamente na folha de pagamento dos aposentados."
Até onde vai tanto abuso e descaso para com quem trabalhou a vida inteira e quer o mínimo de dignidade na velhice?

(Fonte: Metrópoles)

quinta-feira, 15 de fevereiro de 2024

SEGREDOS DO ENVELHECIMENTO SAUDÁVEL

 

(Capa do livro)


Envelhecer: os segredos para uma vida longa, feliz e plena de sentido

Em um lugarejo chamado Ogimi, na ilha de Okinawa, no Japão, existem muitos moradores que vivem mais de cem anos. Além de viverem mais têm muita vitalidade e disposição. Seu sangue apresenta baixo nível de radicais livres. A menopausa é mais suave. Homens e mulheres mantêm níveis elevados de hormônios sexuais até idades avançadas. O índice de demência é mais baixa do que a média da população mundial. 

No podcast mediações, Eugênio Magno dedica alguns episódios a uma leitura comentada do livro, “Ikigai: os segredos dos japoneses para uma vida longa e feliz", de Héctor Garcia e Francesc Miralles. Se você quer aprender os segredos para viver mais e com qualidade de vida, como os longevos hiper-anciãos de Ogimi, clique aqui e ouça o podcast.


domingo, 4 de fevereiro de 2024

CRIME DA VALE EM MARIANA OITO ANOS DEPOIS


Sem ninguém preso pelo rompimento até hoje, mineradora pede mais prazo em ação na Inglaterra.

Bento Rodrigues, Mariana (MG) após rompimento da barragem do Fundão - da VALE -  em 2015
(Foto: Rogério Alves / TV Senado)


Em Londres, Vale consegue prorrogar julgamento sobre crime de Mariana até 2025



Oito anos após o rompimento da Barragem do Fundão, em Mariana (MG), e com grande parte das famílias atingidas ainda sem receber indenização, a mineradora Vale pediu à Justiça da Inglaterra que o julgamento sobre a indenização às famílias e comunidades atingidas seja prorrogado por mais três semanas. A juíza responsável pelo caso atendeu ao pedido que, na prática, fará com que o julgamento da ação — prevista inicialmente para ser concluída neste ano — só termine em 2025.
Para ler a matéria completa de Mateus Coutinho para o Brasil de Fato, clique aqui.

(Fonte: Portal Brasil de Fato, Minas Gerais)

terça-feira, 23 de janeiro de 2024

"PARALELOS DISTÓPICOS" NA CASA DO JORNALISTA

 

Nesta quarta-feira, 24 de janeiro de 2024, às 19 horas, na Casa Matriz, anexo da Casa do Jornalista, acontece o evento PARALELOS DISTÓPICOS, instalação participativa da multiartista brasileira radicada no Uruguai, Eliane Velozo, do Colectivo de Escritura Migrante @escrituramigrante, onde os presentes participarão de uma roda de conversas com apresentação de poesia e  música. 



Os primeiros trinta minutos do evento serão reservados a uma visitação individual da instalação, "O ruído e o tempo", de Eliane Velozo.
Na sequência, haverá uma roda de conversa mediada pela coordenadora do evento, Brenda Marques Pena, com os convidados: Cícero Christófaro, Eugênio Magno, José Antônio Vieira, Maria do Socorro Coelho, Rita Silva, Ronaldo Zenha e Tibério França.
Paralelos Distópicos trabalha a temática do tempo, baseando-se nas distopias que enfrentamos em nosso dia a dia, numa concepção de evento em que o público também poderá interagir.
A entrada é franca e o endereço é: Casa do Jornalista, Av. Álvares Cabral, nº 400, entrada pelos fundos (rua Espírito Santo), no espaço Casa Matriz.



sábado, 20 de janeiro de 2024

CHOQUE ELÉTRICO

A Cemig “compra” dos pobres, a preço irrisório, a energia que revende a todos, a peso de ouro. 


(Capas de Folders da Cemig distribuídos na reunião)

Transferência de Energia: de pobres Para ricos



Eugênio Magno*

Ao participar recentemente de uma reunião da Cemig com a Comunidade Quilombola de Pinhões, no município de Santa Luzia, Minas Gerais, foi possível testemunhar o lado obscuro das chamadas políticas sociais praticadas pelas grandes empresas.

O projeto Cemig nas Comunidades, incrementado em 2019 e anunciado com pompa e circunstância pela empresa, embora bem embalado, não consegue esconder seu lado perverso. É evidente que a jogada, uma espécie de Robim Hood às avessas, toma dos pobres para entregar aos ricos e vender novamente aos pobres a mercadoria reciclada, a terceira linha do produto. É a lógica de reprodução das desigualdades da forma mais matreira possível.

O staff mobilizado pela empresa para essa reunião, foi enorme. No início, havia mais representantes da empresa do que da própria comunidade. Ao final da reunião a empresa, inclusive, formou maioria porque grande parte dos integrantes da comunidade deixaram a quadra onde aconteceu o encontro por não suportarem a desfaçatez com que os tais programas e “benefícios” eram apresentados.

A malfadada reunião, depois de breve saudação de uma representante da comunidade, foi seguida pela apresentação pessoal de algo em torno de uma dúzia de funcionários e terceirizados da Cemig. Os trabalhos foram iniciados por uma agente do projeto com o tradicional “Bom dia”. Como o cumprimento foi respondido pela comunidade de forma quase monocórdica, a palestrante fez aquela tradicional provocação de animadores de auditório: “como é mesmo que se fala, pessoal? – Booom diiia!!!”, na expectativa de uma repetição efusiva da sua mesura, o que não ocorreu.

Numa atitude típica de quem lida com incautos a “animadora” discorreu sobre a necessidade de todos fazerem a sua parte para economizar energia. Usou daquele discurso que conhecemos e concordamos até o ponto em que a economia de eletricidade seja bom para o bolso do consumidor, para o bem do planeta e não para precarizar a vida da população, privatizar estatais e encher as burras de uma minoria de abastados exploradores do povo e das riquezas naturais do país. A coisa foi se tornando insuportável à medida que a didática da agente foi se encaminhando para seu verdadeiro propósito, uma pedagogia prescritiva e autoritária. Não faltaram recomendações de não deixar luzes acesas, tomar menos banho (claro que me lembrei do ex-presidente da república, rifado nas últimas eleições). A palestrante empolgou e falou que tomássemos cuidado com o ferro elétrico, com esse negócio de passar roupa e receitou: “a moda agora é andar amassadinho”. Depois veio a história de trocar lâmpadas tradicionais por lâmpadas de led, para economizar na conta de luz. O discurso é conhecido: “a Cemig vai trocar essas lâmpadas fluorescentes e incandescentes por lâmpadas de led, sem custos – até sete lâmpadas por residência. Boquilha sem lâmpada não tem direito a reposição e a lâmpada antiga será levada para ser reciclada”.

Realmente a substituição das lâmpadas e as orientações para sermos parcimoniosos na utilização da energia faz sentido, gera economia. Mas essa é só a metade da história. A outra metade é que a economia vai para o chamado mercado livre de energia e para os acionistas. Com a economia de energia contabilizada, a empresa passará a fornecer uma menor carga energética a essas microrregiões, e continuará entregando energia de péssima qualidade com manutenção deficitária nas localidades periféricas, para com isso garantir às indústrias, ao agronegócio e aos bairros nobres um fornecimento energético de excelência.

Embora nunca tenha me prestado a serviços comunicacionais de natureza tão vil, senti uma pontinha de constrangimento ao ver o produto final de um trabalho de comunicação e relações públicas, diga-se de passagem, muito bem elaborado, “comprado” pelo pessoal da casa como verdade absoluta e “vendido” para a população sob a aura de bênçãos do alto, com o beneplácito da diretoria da associação que representa a comunidade. E essa é a pior parte. Das megaempresas e do capital, nada podemos esperar. No entanto, passividade e até mesmo leniência dos nossos pares com seus usurpadores traz muita indignação.

Já é a segunda vez que a empresa visita a comunidade com o mesmo propósito: fazer catequese sobre economia de energia, incentivar a troca de lâmpadas e o cadastro para a tarifa social. Acontece que a comunidade tem muitas outras demandas, mais graves e urgentes. A microrregião sofre com variações constantes de tensão na rede e picos de energia diários, independentemente das condições climáticas. Quando ocorre qualquer pane residencial ou acidente na rede elétrica pública, a manutenção é extremamente morosa, pois falta logística. Segundo os trabalhadores – terceirizados (vale frisar) –, a base do plantão fica em outra cidade, cuja localização é diametralmente oposta a Santa Luzia. Se tudo isso não bastasse, pelo menos duas vezes por mês falta energia por cinco, seis horas seguidas. Ao longo do ano acontecem muitas interrupções prolongadas de energia. Algumas duram até 24 horas. E energia é a base de tudo. Se falta energia, falta luz, falta água; fica-se sem telefone e internet. Sem contar que queima equipamentos, estraga alimentos e impede os moradores de trabalhar. Além dos inúmeros transtornos, a baixa qualidade da energia fornecida causa também grandes prejuízos financeiros que nunca são ressarcidos.

Será essa é a Eficiência Energética que a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), órgão criado com a finalidade de regular e fiscalizar a produção, transmissão, distribuição e comercialização de energia, quer para o Brasil?

O livro “Power Play”, que trata da luta pelo controle da eletricidade do mundo, da ambientalista australiana, Sharon Beder, denuncia o jogo orquestrado pelas companhias de eletricidade em todo o mundo, inundando escolas e comunidades com livros didáticos e presentinhos para conquistar simpatia. A obra de Beder é uma referência para quem deseja aprofundar e compreender melhor essa questão.

E por falar em livro, o coordenador do projeto da Cemig na região carregava debaixo do braço um livro grosso durante toda a reunião. Disse que o livro contava a história dessa e de outras comunidades, bairros, aglomerados e favelas de Minas Gerais. Pelo que entrevi era um livro grande (pelo menos 21 X 30 cm), de capa dura, colorido, e o miolo parecia ser de papel couché. Ora, a Cemig não é editora, nem instituição de ensino. Então, qual é o verdadeiro interesse da companhia em contar histórias de comunidades? Não sei que fim teve o bendito livro: se foi dado de presente a quem estendeu o tapete vermelho para a empresa ou se voltaram com ele para exibi-lo em outras pregações.

A estratégia dessas grandes organizações é pavimentar a estrada para retirar o controle da eletricidade das mãos do Estado e submeter a população ao vale tudo do mercado e aos interesses meramente lucrativos dos acionistas, jogadores profissionais, sempre à caça do mais novo cassino para fazer suas apostas. E a ironia é que no Brasil privatiza-se empresas estatais para grupos que em seus países de origem são controlados por governos, ou seja, são estatais. Veja o caso da Enel. Basta entrar no Google e digitar: <enel é uma empresa>... que vai aparecer lá pra você: “A Enel é uma empresa com parte do controle estatal. Seu maior acionista é o Ministério de Economia e Finança da Itália. É a maior empresa da Europa em valor de mercado e está presente em 35 países. Seu faturamento em todo o ano passado foi de € 74,6 bilhões”, o equivalente a 399,8 bilhões de reais.

No território brasileiro, a tal da Enel Brasil, que de brasileira não tem nada, já domina os mercados de energia dos estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Ceará.

Em Minas Gerais o governador, Romeu Zema, quer seguir a mesma trilha de outros estados e privatizar de vez a Cemig, ainda com 51% de ações do Estado, mas que apesar do controle acionário estatal vem operando como se fosse empresa privada.

Vamos colocar as barbas de molho. Se perdermos o controle acionário, o que já é ruim pode ficar muito pior. Será o caos, como o que a Enel deixou acontecer recentemente em São Paulo. A maior cidade do país e uma das maiores do mundo ficou no escuro e sem energia por quase três dias.

É bom lembrar que, antes da Cemig, quem fornecia energia em Minas Gerais eram empresas privadas. Foi Juscelino Kubitschek de Oliveira, quando governador do nosso estado quem criou a Cemig, em 1952, denominada em seu nascimento de Centrais Elétricas de Minas Gerais. Os primeiros trâmites para sua viabilização foram realizados pelo seu Secretário de Viação e Obras Públicas, José Esteves Rodrigues.

Conheci José Esteves de perto. Era casado com a minha prima, Ana (Nenzinha) Lopes Esteves. Imagino que ele deve estar se revirando em seu túmulo, como certamente revira também JK, juntamente com a primeira diretoria da Cemig, Lucas Lopes, Pedro Laborne Tavares, John Reginald Cotrim, Mario Penna Bhering e Mauro Thibau, por conta do desmantelo que fazem dessa empresa que tanto orgulho deu aos mineiros.

 * Eugênio Magno é Jornalista e Radialista Profissional. Doutor em Educação. Autor de vários textos publicados em livros, jornais, revistas e portais. Assessor do Centro Nacional de Fé e Política Dom Helder Câmara (CEFEP-DF). Produtor e apresentador do podcast Mediações e Editor deste blog.