quarta-feira, 1 de maio de 2024

QUEM TRAIU OS APOSENTADOS ?

Os aposentados pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) vivem inseguros e são constantemente traídos. 


(Foto: Marcelo Camargo - ABr/pragmatismo)


Aposentados brasileiros condenados a penúria

Eugênio Magno
Comunicólogo / Jornalista, Doutor em Educação e
Assessor do Centro Nacional de Fé e Política Dom Helder Câmara

O Trânsito em Julgado da “revisão da vida toda”, para citar um fato gravíssimo, ocorrido recentemente, quicou igual bola de pingue-pongue, de um ministro para outro, no Supremo Tribunal Federal (STF), pelo menos por uns três anos. Isso, depois de ter a aprovação do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) que definiu por intermédio do tema 999 o entendimento de que “a ‘revisão da vida toda’ é plenamente possível e encontra respaldo legal e jurídico”, e determinou que todos os tribunais inferiores adotassem esse mesmo entendimento. O tema também havia sido aprovado pela suprema corte, no final de 2022. Mas agora, ao mudar de ministros, o mesmo STF mudou a decisão tomada anteriormente.

Se já era cruel assistir ao jogo calculado do supremo que parecia esperar pela morte de aposentados com direito a revisão e a prescrição de prazos legais para diminuir impactos econômicos e facilitar os interesses do INSS e suas constantes interposições de recursos ao processo, além de observar orientações do governo e do mercado, muito pior foi o desfecho.  A “revisão da vida toda” tomou sete raquetadas, para infortúnio de milhares de aposentados que alimentavam a esperança de uma pequena correção em seus rendimentos, um direito adquirido que foi covardemente derrubado por quem goza de grandes privilégios e são pagos pelos cidadãos.

Para continuar com a metáfora do pingue-pongue, a então ministra, Rosa Weber, fez que foi mas não foi. Deu um voto favorável, porém com restrições, saiu do jogo e deixou a bola quicando. Cristiano Zanim deu mais de um toque: levantou a bola nas alturas para ele mesmo cortar e deu a primeira raquetada contra os aposentados. Foi seguido por Flávio Dino, Dias Toffoli, Luiz Roberto Barroso, Luiz Fux, Gilmar Mendes e Nunes Marques. Por outro lado (pasmem), o bolsonarista, “terrivelmente evangélico”, André Mendonça, destoou da orquestração neoliberal e foi favorável à revisão. Carmem Lúcia, Edson Fachin e Alexandre de Moraes mantiveram suas posições, se dignaram a defender a causa dos aposentados. Bastavam os dois votos dos ministros recentemente indicados por Lula, Zanim e Dino, e o placar teria sido de 6 X 5 para os aposentados. Mas não foi o que ocorreu. Governo, INSS e STF massacraram os aposentados por 7 X 4. A orientação governamental era outra e o fato é que um governo que tem presidente e partido de origem popular optou por sacrificar os que sempre lhe apoiaram para atender mais uma vez os endinheirados.

Ministros identificados pela mídia e pelos progressistas como governistas – um deles oriundo de partido comunista –, votaram contra quem deu o sangue e a vida trabalhando pelo país. Com a decisão da elite burocrática brasileira, aposentados perdem a possibilidade de terem suas aposentadorias ajustadas, um direito já assegurado e garantido, com vitórias no STJ e no próprio STF, onde aguardava apenas Trânsito em Julgado e na sequência, escalonamento e agenda de pagamento pelo INSS. Mas, a expectativa foi embora pelo ralo, para satisfazer mais uma vez às pressões do capital e aos ditames do establishment. Essa é mais uma das contradições incompreensíveis que o cidadão sente na pele, no bolso e na mesa. Tudo isso para sustentar a falácia de que a “revisão da vida toda” ameaçava a saúde financeira do país. Se a preocupação era com os cofres públicos, quem barrou o processo não levou em conta que o valor total do desembolso aos aposentados seria bem menor do que o custo anual do judiciário brasileiro que é quatro vezes mais caro do que a média dos orçamentos dos judiciários do mundo, inclusive os de países ricos como Estados Unidos e Inglaterra.

As desculpas injustificáveis, dadas pelos algozes dos aposentados variam de acordo com a pergunta e a conveniência do momento. Todas as pretensas explicações e, até mesmo os votos dos ministros da suprema corte têm sido refutados. Especialistas em previdência já afirmaram em diversas ocasiões que o maior gargalo é o da Previdência Pública. E não é segredo para ninguém que os maiores benefícios pagos são exatamente os do judiciário, executivo, legislativo, Forças Armadas e funcionalismo público federal, como um todo. Esse pessoal aposenta com o mesmo salário da ativa e em certos casos com alguns penduricalhos a mais. Sem contar os servidores públicos, inclusive juízes, que infringem a lei e ao serem afastados de seus cargos, em vez de serem punidos, são premiados com uma aposentadoria compulsória. Isto é, param de trabalhar e continuam a receber polpudas aposentadorias.

Desde o impeachment de Dilma Rousseff, com Michel Temer na presidência, que os limites entre os três poderes da república têm se mostrado extremamente porosos. Situação agravada no governo de Jair Bolsonaro e que perdura no atual mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Vivemos tempos difíceis e a nossa frágil democracia vem sendo constantemente ameaçada. Não há dúvida quanto a importância do atual governo para deter a sanha golpista, recuperar os estragos causados na estrutura do Estado, defender a democracia, as instituições republicanas e a autonomia de cada uma delas como contrapesos do sistema. No entanto, as próprias instituições deveriam se ater aos seus papéis constitucionais em todas e quaisquer circunstâncias, não somente quando a sobrevivência de seus integrantes enquanto funcionários públicos do alto escalão é ameaçada e suas reputações atacadas. Nesse episódio da “revisão da vida toda”, por exemplo, que penalizou os aposentados, o STF que deveria se concentrar apenas no aspecto legal, tomou uma decisão política e econômica. No entender dos aposentados, dos seus advogados e de juristas especializados na matéria, a decisão da suprema corte foi claramente política e econômica.


O advogado, Altair Carlos da Silva Júnior, especializado em direito previdenciário, constata que, “uma vez mais, o STF que deveria decidir apenas considerando as questões jurídicas, é influenciado por questões políticas do país, visto que essa recente decisão favorece o governo federal que alegava um déficit de 478 bilhões de reais, em caso de decisão pela possibilidade da ‘revisão da vida toda’”. Ele destaca que “decisão semelhante já aconteceu há algum tempo, quando foi analisado e decidido contrariamente aos segurados, o tema da ‘desaposentação’”.

É praticamente unânime a opinião de autoridades no assunto de que o INSS supervalorizou o desembolso que teria de fazer se os pagamentos aos aposentados fossem autorizados. A Previdência chegou a falar em R$ 478 bilhões, quando juristas e peritos que acompanham o caso estimam que o valor não ultrapassaria R$ 3 bilhões. Há quem acredite que R$ 1,5 bilhões seriam suficientes, já que nem todos que entraram com o processo pedindo revisão teriam direito, assim como não foram todos os aposentados com direito à revisão que entraram com o processo até a data limite. Os cálculos de desembolso corrigidos, apresentados pelo INSS foram exageradamente inflacionados. O órgão alardeou que se a revisão da vida toda passasse, o país quebraria. Pura desfaçatez. Todo brasileiro com mínimo acesso à informação sabe muito bem onde está a ameaça: o que pode quebrar o Brasil são as mamatas de ocupantes do poder e os assaltos que os ricos promovem aos cofres públicos todos os dias com o beneplácito dos governos de plantão. Os aposentados, ao contrário, sustentaram o país como trabalhadores e continuam a sustentar como investidores e sócios lesados de uma previdência que sempre se negou a remunerá-los na proporção de seus investimentos (contribuições) ao longo de décadas, para garantir uma velhice digna. E agora, o INSS ao arquitetar o que já está sendo chamado de estelionato previdenciário condena os aposentados com direito a “revisão da vida toda” a penúria, privando-os de um ajuste mínimo para corrigir parte do prejuízo que vêm contabilizando como contribuintes de toda uma vida. 

Se tudo isso não bastasse, somado ao vazamento dos contatos dos segurados para o assédio de bancos, financeiras e escritórios de advocacia, o Instituto Nacional do Seguro Social foi flagrado nos últimos dias em mais uma das suas. Um relatório concluído por auditores do Tribunal de Contas da União (TCU) identificou a existência de “controles frágeis” dentro do INSS. Fragilidade essa que permite descontos indevidos em larga escala por associações, feitos de forma direta na folha de pagamento dos aposentados. 

É desconcertante constatar o quanto o eleitor e o cidadão são instrumentalizados nesse país. Vale tudo pelo poder e só o poder e o dinheiro interessam àqueles que deveriam nos representar, mas que representam apenas os seus próprios interesses. Câmara, senado e imprensa – tradicional e progressista – não se manifestaram contra o supremo quando seus ministros apoiaram a causa dos ricos ao votarem contra o direito dos aposentados. Entretanto, o parlamento agora critica o STF de judicializar a desoneração da folha de pagamento, como se no Brasil a judicialização da política e a politização da justiça não fosse prática corriqueira, atendendo interesses à direita e à esquerda. Comportando-se já há algum tempo como biruta de aeroporto, alguns órgãos da mídia progressista autoproclamada como bastião da ética e de jornalismo independente, equilibrado e de qualidade, adota o silêncio dos cúmplices no episódio dos aposentados, mas desanca o senado e defende intransigentemente o STF na pauta mais recente, e assim segue como assessoria de imprensa do governo.

O mais bizarro nessa história da “revisão da vida toda” é o seguinte: o ex-presidente, Jair Bolsonaro e seu ministro da economia, Paulo Guedes, que tanto fez para aprofundar as desigualdades e beneficiar as elites econômicas, também tentou desferir esse golpe contra os aposentados e não conseguiu, mesmo com dois ministros nomeados por ele no STF. Mas, por ironia do destino é justamente no governo Lula que a esperança de trabalhadores aposentados finda com sua obediência excessiva ao Banco Central e a Faria Lima. 

Como tudo nesse país é possível, a solução para os aposentados talvez seja a criação de um movimento que articule algo do tipo ação popular especial. O movimento reuniria aposentados com direito à “revisão da vida toda”, parlamentares, juristas, peritos e advogados especializados em previdência interessados na causa para requerer o saque total das contribuições dos aposentados, acrescido de juros, correção monetária e outros ganhos processuais por prejuízos financeiros, assédio moral em razão do uso indevido dos seus dados e por outras perdas. Afinal, é assim que todo e qualquer investidor age quando não está satisfeito com o retorno dos seus investimentos ou se sente lesado pelas operadoras. No caso dos especuladores da bolsa, esse tipo de atitude tem amparo legal e conta com as garantias do Banco Central. No que diz respeito as contribuições pagas à Previdência, por não ser investimento especulativo, mas garantia de sobrevivência dos idosos, a coisa é ainda mais grave e tanto o INSS quanto o Estado brasileiro não podem sair impunes desse jogo combinado contra os aposentados.

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