Noite à dentro
Eugênio Magno
Uma nuvem impedia o amanhecer,
enquanto ele velava insone. A laranja em cima da mesa, o gato no canto da sala,
lambendo seu pelo e a torneira, que insistia em vazar, renitente, pingava na
pia. A sua morte não era surpresa, mas assim mesmo a vida lhe anunciava novas
aventuras. A imagem de Nossa Senhora, no móvel da sala, de braços abertos e
mãos espalmadas, num gesto de acolhimento, o entristecia. Sua mãe jazia há
muito. Muito antes que ele pudesse retribuir ao menos uma mísera parcela do seu
cuidar. E sempre aquela dor, como uma nota, em sustenido, latejando, enquanto a
recorrente murmuração praguejante era intercalada apenas por um surdo evocar de
preces. Então o relógio tocou, na tentativa de acordar aquele que não dormira,
mas que, enredado em pesadelos, tampouco desperto estava.
(Do livro Poetas En/Cena-2, 2008, pág. 66)
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