Compromisso político da fé
Marcelo Barros
Monge beneditino e teólogo. Atualmente, é coordenador latino-americano da Associação Ecumênica de Teólogos/as do Terceiro Mundo (ASETT) e assessora comunidades eclesiais de base e movimentos sociais.
Em momentos nos quais o exercício da cidadania parece pouco visível e
a alienação social e política tomam formas que chegam até a justificar
golpe de Estado, é importante refletir sobre como restituir à política a
sua nobreza e dignidade.
Alguns meios de comunicação que se
alimentam cotidianamente de assassinatos e assaltos, exacerbam o mesmo
sensacionalismo, ao escolher como tema recorrente e quase único a
corrupção aparentemente generalizada que assola as instituições
públicas. Isso pode deixar em muitos a impressão de que todo político é
corrupto e a própria política é sempre ruim.
De fato, existe uma
atividade que é mais politicagem do que política. No entanto, em todas
as instituições, há pessoas profundamente éticas e corretas. Essas são a
maioria das pessoas. A minoria é corrupta e venal. Acontece que uma
vida consagrada aos outros e pautada na ética não é notícia. A
corrupção, sim, mesmo se ainda não for comprovada e, principalmente, se a
sua divulgação favorece a interesses partidários e de classe.
No
atual sistema político brasileiro, infelizmente, pessoas se aproveitam
de cargos e benefícios públicos para fins privados. Esse mal se
implantou em nossas instituições desde a época da colônia. Tomou formas
mais sofisticadas a partir dos anos de 1990. A maioria dos brasileiros
esperava um rigor maior e uma postura diferente de um governo que
prometia uma nova ética e se apresentava como de esquerda ou mais
popular.
Todos queremos governantes que não se omitam e não
compactuem com a desonestidade. No entanto, não podemos nos deixar levar
por uma carga emocional que condena antes do julgamento e quer punir,
sem que haja provas concretas da ilegalidade. Sem dúvida, toda corrupção
deve ser condenada, mas a mais grave não é essa que vestais da moral
bradam diariamente e sem cessar nos meios de comunicação.
No
plano político, a corrupção mais profunda ocorre quando um partido que
se apresentava como iniciativa dos trabalhadores e tinha como programa a
transformação do Brasil, se acomoda ao poder e troca o projeto de um
país justo e igualitário pela mera ambição de ganhar eleições e deter o
poder. Para isso, metas fundamentais como a reforma agrária, reforma
política e outras reformas de base são deixadas de lado. Ao fazer todo
tipo de conchavo para garantir a tal “governabilidade” pelos caminhos de
sempre, o governo coordenado pelo PT se comporta como a gralha da
antiga parábola de Esopo. Uma gralha ouviu falar que, em um pombal
vizinho, as pombas se alimentavam bem. Então, se pintou de branco,
fingiu-se de pomba e foi para o pombal. Deu certo até que, sem
querer, ela piou. Ao ouvir o seu granido, as pombas viram que era uma
gralha e a expulsaram. Sem alternativas, ela voltou ao meio das outras
gralhas que, quando a viram pintada de branco, também não a receberam. E
ela ficou sozinha, nem pomba, nem gralha.
No Brasil atual,
banqueiros ganham 400% de lucro ao ano. O agronegócio tem até ministério
no governo. Grandes empresas de comunicação ganham milhões do próprio
governo para desinformar a população e destruir o pouco que foi
construído. Mesmo assim, essa elite que representa menos de 10% da
população não se conforma e não acredita na gralha vestida de pomba. E
ao invés de se achar contemplada por um governo que, depois de eleito,
abandonou sua base social, o destrata do mesmo modo. Ignora todas as
conquistas sociais e tenta divulgar que o país nunca esteve tão mal como
agora. E fomenta as bases para um possível golpe de Estado para
libertar o país do “terrível e perigosíssimo” bolivarianismo venezuelano
ou simplesmente do comunismo cubano para o qual estaríamos caminhando.
Na
Campanha da Fraternidade de 2015, a CNBB propõe o aprofundamento da
missão das Igrejas cristãs em sua inserção social e política na
sociedade. O papa Paulo VI ensinava que a ação política é a forma mais
nobre de se viver a caridade cristã. O objetivo da ação social e
política das pessoas que têm fé é testemunhar que o projeto divino de um
mundo justo e de paz é possível. É assunto não só dos políticos, mas de
todos os cidadãos e, portanto de todos/as que, em meio às lutas do
mundo, querem viver em Deus.
O Evangelho de Jesus nos chama para
irmos sempre às raízes das questões e trabalharmos por uma transformação
radical de todas as estruturas da sociedade. O programa do Conselho
Mundial de Igrejas que reúne 349 Igrejas cristãs resume isso no
programa: Paz, Justiça e Cuidado com a Criação.
(Fonte: Site Brasil de Fato)
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