De Volta aos trilhos
Eugênio Magno
Eu tenho estado trabalhando na rua Sapucahy, esquina com av. Assis Chateaubriand, na Floresta, em Belo Horizonte, num antigo prédio da Central do Brasil, hoje tombado pelo patrimônio histórico. De quase todas as janelas vejo a linha do trem e a imponente Estação da Central. Dia desses, ensimesmado, me perdi em pensamentos, olhando fixamente pela janela.
Tu veio dos trilhos e aos trilhos retornará. Esta frase mágica soou como uma profecia, que embora não pronunciada, estava se cumprindo naquele instante.
Trilhos sobre os quais andei, balançando com o ta-tac... ta-tac da composição. Trilhos ao lado dos quais pedalei em aventurosos passeios de bicicleta. Trilhos em cima dos quais equilibrei de mãos dadas com o meu primeiro amor, trocando juras e fazendo pactos – até de sangue.
Os velhos trilhos que atravessei, durante 23 anos, nas minhas idas e vindas de casa, me foram devolvidos. O tremor instantâneo de terra, o barulho da máquina e o apito do trem voltaram a fazer parte dos meus dias.
Minha tristeza é não poder mais ir de trem a Montes Claros, nem tampouco a Monte Azul, no velho “Misto” que rasgava o sertão e enchia de vida Burarama, Caçarema, Quem-Quem, Catuti (ou Catitu?), Pai Pedro, Tocandira e outras paragens. Não atravesso mais a linha da Melo Viana. Agora atravesso viadutos e vejo a linha e o trem presos, como bichos ferozes, em jaulas. Ando a 80, 100 kilometros por hora, em um trem de superfície, chamado metrô e vou do Calafate à Estação Central, da Central à Estação Calafate. Em alguns dias, da Estação Central ou da Calafate a Santa Tereza e, de vez em quando, a Eldorado. Fui recolocado nos trilhos, mas só embarco para trafegar pequenas distâncias.
Já começo a me cansar de ver o trem (mesmo os cargueiros e o trem de Vitória) partir e chegar. Quero ir também. Não mais do Calafate à Santa Tereza, ao Eldorado ou à Estação Central. Quero que o trem me leve para o Rio, para Vitória ou Santa Cruz de la Sierra. Quero ir de trem prá Montes Claros (visse, Charles Boa Vista), ou pra Monte Azul (viu, seu Alisson). Baldear na antiga Tremedal e pegar o trem da leste, rumo ao nordeste.
A saudade está me levando pela antiga E.F.C.B. e pela R.F.F.S.A., empresas em que meu pai ganhou a vida e o pão, que sustentou a mim, minha mãe e meus irmãos.
Agora estou sendo transportado pelo trem, sentado no vagão-restaurante, tomando cachaça, cerveja e cantando com meus bons amigos, Gilson, no violão, Cesão, no pandeiro, Reginauro, na caixinha de fósforos e o coro de Boca, Celsão, Duardo Brasil, Reco, Mauro, Aroldo, Elthomar, Jojô, Peré, João Grandão,Tadeu, Tcham Peba, Zezinho, ceo Élcio, Gerinha, Flávia, Soninha, Zana, Cidinha, Agostinha, Aída, Katião, Rosana, Vilminha, Guia e outras garotas, cujos nomes sempre variavam. É madrugada de lua clara, com direito a sereno. Da janela vem um gostoso cheiro de mato – que enganado – se assanha, achando que é a chuva, que pouco visita a minha imensa pátria, o sertão.
Eu fui tocado pelos pensamentos e lá estou. Nem sei se quero voltar (para cá). Prefiro estar no lugar de onde vim, para onde fui e, lá na estação, me encontrar com os outros que não estavam no trem.
Trilhos sobre os quais andei, balançando com o ta-tac... ta-tac da composição. Trilhos ao lado dos quais pedalei em aventurosos passeios de bicicleta. Trilhos em cima dos quais equilibrei de mãos dadas com o meu primeiro amor, trocando juras e fazendo pactos – até de sangue.
Os velhos trilhos que atravessei, durante 23 anos, nas minhas idas e vindas de casa, me foram devolvidos. O tremor instantâneo de terra, o barulho da máquina e o apito do trem voltaram a fazer parte dos meus dias.
Minha tristeza é não poder mais ir de trem a Montes Claros, nem tampouco a Monte Azul, no velho “Misto” que rasgava o sertão e enchia de vida Burarama, Caçarema, Quem-Quem, Catuti (ou Catitu?), Pai Pedro, Tocandira e outras paragens. Não atravesso mais a linha da Melo Viana. Agora atravesso viadutos e vejo a linha e o trem presos, como bichos ferozes, em jaulas. Ando a 80, 100 kilometros por hora, em um trem de superfície, chamado metrô e vou do Calafate à Estação Central, da Central à Estação Calafate. Em alguns dias, da Estação Central ou da Calafate a Santa Tereza e, de vez em quando, a Eldorado. Fui recolocado nos trilhos, mas só embarco para trafegar pequenas distâncias.
Já começo a me cansar de ver o trem (mesmo os cargueiros e o trem de Vitória) partir e chegar. Quero ir também. Não mais do Calafate à Santa Tereza, ao Eldorado ou à Estação Central. Quero que o trem me leve para o Rio, para Vitória ou Santa Cruz de la Sierra. Quero ir de trem prá Montes Claros (visse, Charles Boa Vista), ou pra Monte Azul (viu, seu Alisson). Baldear na antiga Tremedal e pegar o trem da leste, rumo ao nordeste.
A saudade está me levando pela antiga E.F.C.B. e pela R.F.F.S.A., empresas em que meu pai ganhou a vida e o pão, que sustentou a mim, minha mãe e meus irmãos.
Agora estou sendo transportado pelo trem, sentado no vagão-restaurante, tomando cachaça, cerveja e cantando com meus bons amigos, Gilson, no violão, Cesão, no pandeiro, Reginauro, na caixinha de fósforos e o coro de Boca, Celsão, Duardo Brasil, Reco, Mauro, Aroldo, Elthomar, Jojô, Peré, João Grandão,Tadeu, Tcham Peba, Zezinho, ceo Élcio, Gerinha, Flávia, Soninha, Zana, Cidinha, Agostinha, Aída, Katião, Rosana, Vilminha, Guia e outras garotas, cujos nomes sempre variavam. É madrugada de lua clara, com direito a sereno. Da janela vem um gostoso cheiro de mato – que enganado – se assanha, achando que é a chuva, que pouco visita a minha imensa pátria, o sertão.
Eu fui tocado pelos pensamentos e lá estou. Nem sei se quero voltar (para cá). Prefiro estar no lugar de onde vim, para onde fui e, lá na estação, me encontrar com os outros que não estavam no trem.
(Texto de 2002, inédito)
Sensacional grande Eugenio !!!! Pura poesia....poesia pura
ResponderExcluirValeu, Marquinho!
ResponderExcluirVocê me faz lembrar minha adolescência com suas idas e vindas (de trem) entre Montes Claros e Orion. Lugar pequeno, cuja única atração era o trem vindo/indo para Monte Azul.
ResponderExcluirE nestas lembranças, um misto de saudade e melancolia.
Muito bom. Valeu!
Então!?...
ResponderExcluirO trem, né? Ah, o trem... ô trem bão, sô!
Gosto demais do trem e de tudo que me faz lembrar dele...
Obrigado pelo comentário.
Adorei o texto!
ResponderExcluirParece que estou revendo minhas fotos do projeto TRAVESSÂO, onde realizei uma viagem pela via férrea, de Ouro Preto até Belo Horizonte- a pe.
beijo
eliane velozo
Obrigado pela visita e, pelo comentário, Eliane.
ResponderExcluirO trem é fascinante, né não!?...
É Eugênio, mais que o trem da vida, o trem de ferro nos lembra inocência. Uma inocência perdida no asfalto, no corre-corre do dia a dia, na poluição do ar, da paisagem e dos sons. Diferente da fumaça poética da Maria Fumaça e o apito doce e brejeiro que ela solta a convidar os de fora para um passeio ou um aceno de mão. Me lembra o trenzinho de Tiradentes à São João Del Rey que nos embala por meia hora pelos cantinhos sonhadores de nossa alma. Muito bonito esse texto. Abraço grande.
ResponderExcluirÉ isso Malú...
ResponderExcluirO meu texto é apenas o convite. A viagem, depois, é de cada um, no seu trem, fazendo o seu percurso, saboreando, no balanço do trem, as doces paisagens (sonoras e visuais).
Obrigado por partilhar comigo esse gosto pelos trilhos.
Abração,
Eugênio parabéns pelo texto.
ResponderExcluirMais do que lembranças e romantismo das viagens de trens que fizemos na mocidade o texto também nos convida a resgatar o transporte ferroviário.
O Brasil é muito grande e com a modernidade e menos romantismo pode-se viajar de trem com mais rapidez, conforto e segurança.
Construir rodovias podem até custar menos, mas a manutenção é cara e aparentemente menos segura.
Possivelmente, contribua para a insegurança das rodovias a imperícia e/ou imprudência dos nossos motoristas.
Meu cordial abraço.
Zanetti
Valeu, Zanetti!
ResponderExcluirEu até já havia postado o comentário junto ao artigo do Marcelo Barros. Mas aqui fica mais apropriado, não é mesmo?
Obrigado pelo incentivo.
Abração,
Hogeno, hogenético,cibernético, morfológico, isso é que é trem bão. Esse trem que nós curtimos tanto, que fomos e voltamos, curtindo o cheiro das farofas dos brejeiros norte mineiros, tão baianados, tão nordestinos como nós somos. A musicalidade que entoávamos durante o percurso de Montes Claros para Beozonte e vice-versa, era ignorada pelo tempo. Coitado, ele passava por nós sem ser notado e pouco fazíamos questão disso. Como voce mesmo disse, gostavámos de ouvir muito mais o ta tac, ta tac do trem, do que o tic tac do relógio. Um dia ainda haveremos de recordar a nossa cantoria nos mesmos trilhos. A fé remove montanhas .....
ResponderExcluirGraaande "Jurubeba"!
ResponderExcluirEsse trem era bão demais, n'era não?
Que Deus te ouça, meu amigo, que Deus te ouça...
Abração,