Unidos do Roçado, a escola de samba de agricultores que transformou o Carnaval no sertão do Ceará
Na comunidade do Roçado de Dentro —na zona rural de Várzea Alegre, uma cidade de quase 40.000 habitantes no sertão do Ceará—, o bom inverno é o principal termômetro do Carnaval. Ali, há 56 anos, um grupo de agricultores deixa suas roças para levar até a zona urbana da cidade o desfile de uma escola de samba com mais de 300 integrantes e cuja trajetória transformou a cidade em polo carnavalesco. Da tradição iniciada pelos homens do campo, Várzea Alegre ganhou nos últimos anos outra escola de samba (Mocidade Independente do Sanharol) e uma série de blocos que todos os anos atraem centenas de pessoas ao município.
Esta história começa em 1963. Enquanto golpeava o solo para plantar legumes, o agricultor Pedro Souza cantava a marchinha de Emilinha Borba que ouvia repetidas vezes no único rádio de pilha do Roçado de Dentro. A voz saía ritmada ao tilintar da enxada: "Vem cá, seu guarda / Bota pra fora esse moço / Que tá no salão brincando / Com pó de mico no bolso / Foi ele / Foi ele sim / Foi ele quem jogou o pó em mim". Os companheiros agricultores, de tanto ouvi-lo cantar o Pó, aprendiam a letra e, mesmo sem portar os instrumentos necessários, reproduziam a música na roça. Era Pedro Souza, acostumado a tocar sanfona nas festas populares da comunidade, quem conduzia aquela orquestra improvisada, nascida imersa a um matagal de mudas de feijão e milho. Um ditava o tom, os outros o seguiam em coro. Valia ainda imitar, com a boca, o som do trombone, da sanfona e da corneta, enquanto o do surdo e o da caixa ficavam por conta de um batuque ritmado em um pedaço de madeira ou na própria coxa.
Em mais uma tarde como esta, em fevereiro de 1963, os agricultores do Roçado largaram as enxadas, pegaram instrumentos emprestados da banda cabaçal da comunidade, um conjunto musical típico do interior cearense, e decidiram entrar em cena para enfrentar uma espécie de abismo social que naquela época separava as zonas urbana e rural. Iluminados pelo sol a pino do meio-dia e usando galhos de plantas como alegoria, saíram animados pelas estradas do sítio, tocando e convidando os demais moradores para a empreitada. “A minha sanfona era novinha, e a princípio eu nem queria colocá-la no meio daquele negócio”, conta Matias Alves de Souza, sem saber direito se os amigos pegaram primeiro o braço dele ou a alça da concertina. Sem ter como fugir daquela intimação, o jeito foi seguir com os companheiros rumo à cidade. No percurso de dois quilômetros que separam a comunidade da zona urbana, vários momentos de hesitação. Com medo de serem ridicularizados na cidade, os agricultores tentaram esconder o rosto com carvão e goma —uma forma de não serem reconhecidos.
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