Eugênio Magno
O que há por trás do interesse dos grandes grupos
midiáticos em combater as chamadas
A expressão fake news, que quer dizer notícia falsa e
chega aos nossos olhos e ouvidos em idioma inglês, com ares de novidade, não
tem absolutamente nada de novo. A mentira, a notícia falsa, o boato, o
mexerico, a fofoca, a maledicência, a intriga, o sensacionalismo, o showrnalismo,
a espetacularização dos fatos, a fabricação e a desconstrução de mitos, a
propaganda enganosa, a publicidade travestida de notícia, o informe
publicitário e o testemunhal – que confundem o leitor, o ouvinte e o
telespectador –, são tão velhos quanto a vida no planeta.
No que diz respeito ao uso do smartphone, não podemos
nos esquecer das reflexões teóricas de Marshall McLuhan, ao tratar dos meios de
comunicação como extensões do homem. É preciso ter em mente que a fofoca de pé
de orelha vem sendo amplificada ao longo do tempo, viralizou e ... globalizou.
Os dispositivos digitais móveis permitem registros factuais e testemunhos
críveis por demais, para os tempos em que vivemos. O cidadão comum se apropriou
da tecnologia e saiu da condição de mero receptor de versões editadas dos fatos,
ao bel-prazer da grande mídia, para o contracampo de emissor de informações. E
quando lhe convém, a mídia também se utiliza desses registros, mas faz uma apropriação
indevida dessa versão dos fatos, torna-se dona da voz, silenciando e
invisibilizando a voz do dono.
Então, por que criminalizar as redes sociais, as
mídias digitais, especialmente num momento em que excelentes jornalistas,
formados ou não, estão realizando o ideal do bom jornalismo, justamente nos
espaços alternativos?
Longe das censuras ideológicas e econômicas,
aboletadas nas hierarquias dos veículos de comunicação de massa respira-se informação
democrática, a despeito da enxurrada de fakes, trotes, piadas, pegadinhas,
pirataria, mentiras e impropérios, tão comuns na rede. Tudo isso, sem nenhum
tipo de controle. Diferentemente do que acontece na mídia tradicional, onde
existe excesso de controle: da linha editorial (que é a menos nociva), mas,
fundamentalmente, o controle da hierarquia, dos acionistas do grupo, dos
anunciantes, da ideologia, do governo de plantão e de interesses geoeconômicos.
O tema necessita ser enfrentado com a seriedade e a
abrangência que exige. As falsas notícias que destroem reputações de pessoas físicas
e jurídicas, promovem o trucidamento público de carreiras, ferem os direitos
humanos e sociais, estigmatizam países e marginalizam povos, etnias, raças,
gêneros, classes sociais, categorias profissionais e comunidades carentes,
devem ser combatidas, em todos os espaços midiáticos em que ocorram.
Entretanto, está em curso no país uma grande onda de
criminalização das chamadas fake news, com um forte acento e atenção para o que
ocorre nas mídias sociais e no ciberespaço. Isto, em detrimento dos abusos,
tanto do excesso da manipulação de informações e entretenimentos típicos de
entorpecimento, quanto da subtração de informações relevantes e programas que
valorizem a cultura e os movimentos identitários de nosso povo.
Horas atrás, atendendo ao chamado de uma emissora de
rádio, com cobertura nacional, especializada em notícias, que solicitava a
participação dos ouvintes para opinar pelo Whatsapp sobre o uso do smartphone,
numa clara intenção de desqualificar o dispositivo, a julgar pelas mensagens
que os âncoras selecionavam e colocavam no ar, quis contrapor aquela situação e
levar um pouco mais de bom senso, luzes, reflexão crítica e aprofundamento ao
debate. Gravei uma mensagem de áudio e enviei à emissora. No meu áudio me
identificava, como solicitado pela rádio, como jornalista, radialista, doutor
em educação e dizia sucintamente, em tom cordial, mas de forma clara e contundente
que a questão mereceria uma análise mais profunda, até porque os celulares e os
smartphones têm cumprido um papel social muito importante, até mesmo do ponto
de vista da informação.
No momento em que me mobilizava para participar do
programa, percebi que uma autoridade do judiciário falava sobre fake news,
dizendo que "[...] se alguém suspeitar de uma fake news, especialmente nas
redes sociais – que é onde elas mais acontecem – ligue, denuncie o fato a um
grande veículo de comunicação, de credibilidade, como essa emissora, por
exemplo, para que o autor de tal ato possa ser identificado e punido".
Diante da declaração seletiva e absurda que ouvi,
acrescentei ao meu áudio um breve complemento sobre fake news, dizendo que as
fake news têm sido atribuídas de uma maneira muito generalizada às mídias
sociais e à internet, quando na verdade elas ocorrem também nos veículos
tradicionais: jornais, rádios e televisões. E que o impacto e os danos causados
por uma fake news na grande imprensa era muito maior do que aqueles provocados
pela divulgação de notícias falsas e boatos nos meios eletrônicos. Disse ainda
que o tema não podia ser tratado com superficialidade, como vem sendo conduzido.
E, finalizei com uma pequena mensagem de texto me colocando à disposição para
uma conversa mais longa, com o objetivo de aprofundar a discussão ou até de
conceder uma entrevista, caso eles tivessem a real intenção de democratizarem
esse debate.
Poucos minutos depois, o Whatsapp indicava que as
mensagens de áudio e de texto haviam sido ouvidas e lidas e, até o momento em
que redijo este texto, quase 40 horas depois de enviar as mensagens, não obtive
nenhum retorno por parte da emissora de rádio, como previ.
A hipocrisia e o sarcasmo com que o tema vem sendo
tratado são escandalosos.
Quem encabeça grande parte das discussões e propõe
regulação para o combate as fake news, dessa forma torta que estão fazendo, são
órgãos representantes da grande mídia, políticos conservadores, envolvidos em
escândalos e setores do judiciário que parecem desconhecer total e
completamente de que forma acontece o fenômeno da comunicação e como se dão os
processos comunicacionais na mídia.
Para que a discussão prospere, em profundidade, e uma
possível regulamentação sobre as fake news ocorra, será necessário muito mais
do que uma canetada, o lobby da mídia hegemônica ou a persuasão, por meio da massificação
de um pacote pronto e acabado, produzido pela corrente ideológica da
mordaça.
A realidade é difusa. Os fatos, os acontecimentos,
ocorrem a todo instante. Evoluem, desdobram-se e repercutem numa velocidade
assombrosa. Produzem efeitos tão ou mais significativos que os eventos e causas
que os geraram, e as narrativas midiáticas ou testemunhais reproduzem os fatos a
partir do seu ponto de vista que é: a vista de um ponto, ou seja, sempre será a
versão de um fato, contaminada pela cultura, ideologia, modos de ver e de dizer
do emissor da vez.
Uma comissão que venha a tratar desse tema deve ter
sim representantes do mundo político, da grande imprensa, das grandes
plataformas digitais e do judiciário. Mas não pode prescindir dos leitores, dos
ouvintes, dos telespectadores, dos jornalistas, dos comunicólogos, dos
educadores, das universidades, de instituições como a ABI e a OAB, dentre
outras, dos internautas e dos ativistas das mídias alternativas.
O que acontece no atual momento histórico é que grande
parte dos veículos de comunicação tradicionais: jornais, rádios e televisões
que há muito deixaram de funcionar como mediadores de interesses e conflitos na
sociedade, dando voz e vez à população, aos cidadãos e às organizações e aos
poderes instituídos, de forma igualitária, perderam terreno para as mídias
sociais e querem ganhar a parada no tapetão. A maioria dos grupos de mídia não
está mais a serviço dos interesses coletivos e sociais. Os conglomerados de mídia
atuam cada vez mais na defesa dos grandes grupos econômicos e empresariais que,
por sua vez ditam comportamentos a políticos e governos, influenciando
políticas comerciais e econômicas de nações e blocos regionais.
A grande mídia poderá vir a tomar o seu próprio veneno,
ao surfar na onda da devastação dos direitos democráticos. A liberdade de
imprensa corre sérios riscos de se tornar refém do “invisível”.
(Ilustrações: imagens do Google)
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