quinta-feira, 26 de julho de 2018

FAKE NEWS: O QUÊ? QUEM? QUANDO? ONDE? COMO? POR QUE?


Eugênio Magno

O que há por trás do interesse dos grandes grupos midiáticos em combater as chamadas



A expressão fake news, que quer dizer notícia falsa e chega aos nossos olhos e ouvidos em idioma inglês, com ares de novidade, não tem absolutamente nada de novo. A mentira, a notícia falsa, o boato, o mexerico, a fofoca, a maledicência, a intriga, o sensacionalismo, o showrnalismo, a espetacularização dos fatos, a fabricação e a desconstrução de mitos, a propaganda enganosa, a publicidade travestida de notícia, o informe publicitário e o testemunhal – que confundem o leitor, o ouvinte e o telespectador –, são tão velhos quanto a vida no planeta.
No que diz respeito ao uso do smartphone, não podemos nos esquecer das reflexões teóricas de Marshall McLuhan, ao tratar dos meios de comunicação como extensões do homem. É preciso ter em mente que a fofoca de pé de orelha vem sendo amplificada ao longo do tempo, viralizou e ... globalizou. Os dispositivos digitais móveis permitem registros factuais e testemunhos críveis por demais, para os tempos em que vivemos. O cidadão comum se apropriou da tecnologia e saiu da condição de mero receptor de versões editadas dos fatos, ao bel-prazer da grande mídia, para o contracampo de emissor de informações. E quando lhe convém, a mídia também se utiliza desses registros, mas faz uma apropriação indevida dessa versão dos fatos, torna-se dona da voz, silenciando e invisibilizando a voz do dono.
Então, por que criminalizar as redes sociais, as mídias digitais, especialmente num momento em que excelentes jornalistas, formados ou não, estão realizando o ideal do bom jornalismo, justamente nos espaços alternativos?
Longe das censuras ideológicas e econômicas, aboletadas nas hierarquias dos veículos de comunicação de massa respira-se informação democrática, a despeito da enxurrada de fakes, trotes, piadas, pegadinhas, pirataria, mentiras e impropérios, tão comuns na rede. Tudo isso, sem nenhum tipo de controle. Diferentemente do que acontece na mídia tradicional, onde existe excesso de controle: da linha editorial (que é a menos nociva), mas, fundamentalmente, o controle da hierarquia, dos acionistas do grupo, dos anunciantes, da ideologia, do governo de plantão e de interesses geoeconômicos.
  

O tema necessita ser enfrentado com a seriedade e a abrangência que exige. As falsas notícias que destroem reputações de pessoas físicas e jurídicas, promovem o trucidamento público de carreiras, ferem os direitos humanos e sociais, estigmatizam países e marginalizam povos, etnias, raças, gêneros, classes sociais, categorias profissionais e comunidades carentes, devem ser combatidas, em todos os espaços midiáticos em que ocorram.


Entretanto, está em curso no país uma grande onda de criminalização das chamadas fake news, com um forte acento e atenção para o que ocorre nas mídias sociais e no ciberespaço. Isto, em detrimento dos abusos, tanto do excesso da manipulação de informações e entretenimentos típicos de entorpecimento, quanto da subtração de informações relevantes e programas que valorizem a cultura e os movimentos identitários de nosso povo.
Horas atrás, atendendo ao chamado de uma emissora de rádio, com cobertura nacional, especializada em notícias, que solicitava a participação dos ouvintes para opinar pelo Whatsapp sobre o uso do smartphone, numa clara intenção de desqualificar o dispositivo, a julgar pelas mensagens que os âncoras selecionavam e colocavam no ar, quis contrapor aquela situação e levar um pouco mais de bom senso, luzes, reflexão crítica e aprofundamento ao debate. Gravei uma mensagem de áudio e enviei à emissora. No meu áudio me identificava, como solicitado pela rádio, como jornalista, radialista, doutor em educação e dizia sucintamente, em tom cordial, mas de forma clara e contundente que a questão mereceria uma análise mais profunda, até porque os celulares e os smartphones têm cumprido um papel social muito importante, até mesmo do ponto de vista da informação. 
No momento em que me mobilizava para participar do programa, percebi que uma autoridade do judiciário falava sobre fake news, dizendo que "[...] se alguém suspeitar de uma fake news, especialmente nas redes sociais – que é onde elas mais acontecem – ligue, denuncie o fato a um grande veículo de comunicação, de credibilidade, como essa emissora, por exemplo, para que o autor de tal ato possa ser identificado e punido". 
Diante da declaração seletiva e absurda que ouvi, acrescentei ao meu áudio um breve complemento sobre fake news, dizendo que as fake news têm sido atribuídas de uma maneira muito generalizada às mídias sociais e à internet, quando na verdade elas ocorrem também nos veículos tradicionais: jornais, rádios e televisões. E que o impacto e os danos causados por uma fake news na grande imprensa era muito maior do que aqueles provocados pela divulgação de notícias falsas e boatos nos meios eletrônicos. Disse ainda que o tema não podia ser tratado com superficialidade, como vem sendo conduzido. E, finalizei com uma pequena mensagem de texto me colocando à disposição para uma conversa mais longa, com o objetivo de aprofundar a discussão ou até de conceder uma entrevista, caso eles tivessem a real intenção de democratizarem esse debate.
Poucos minutos depois, o Whatsapp indicava que as mensagens de áudio e de texto haviam sido ouvidas e lidas e, até o momento em que redijo este texto, quase 40 horas depois de enviar as mensagens, não obtive nenhum retorno por parte da emissora de rádio, como previ.
A hipocrisia e o sarcasmo com que o tema vem sendo tratado são escandalosos.
Quem encabeça grande parte das discussões e propõe regulação para o combate as fake news, dessa forma torta que estão fazendo, são órgãos representantes da grande mídia, políticos conservadores, envolvidos em escândalos e setores do judiciário que parecem desconhecer total e completamente de que forma acontece o fenômeno da comunicação e como se dão os processos comunicacionais na mídia.
Para que a discussão prospere, em profundidade, e uma possível regulamentação sobre as fake news ocorra, será necessário muito mais do que uma canetada, o lobby da mídia hegemônica ou a persuasão, por meio da massificação de um pacote pronto e acabado, produzido pela corrente ideológica da mordaça. 
A realidade é difusa. Os fatos, os acontecimentos, ocorrem a todo instante. Evoluem, desdobram-se e repercutem numa velocidade assombrosa. Produzem efeitos tão ou mais significativos que os eventos e causas que os geraram, e as narrativas midiáticas ou testemunhais reproduzem os fatos a partir do seu ponto de vista que é: a vista de um ponto, ou seja, sempre será a versão de um fato, contaminada pela cultura, ideologia, modos de ver e de dizer do emissor da vez.
Uma comissão que venha a tratar desse tema deve ter sim representantes do mundo político, da grande imprensa, das grandes plataformas digitais e do judiciário. Mas não pode prescindir dos leitores, dos ouvintes, dos telespectadores, dos jornalistas, dos comunicólogos, dos educadores, das universidades, de instituições como a ABI e a OAB, dentre outras, dos internautas e dos ativistas das mídias alternativas.


O que acontece no atual momento histórico é que grande parte dos veículos de comunicação tradicionais: jornais, rádios e televisões que há muito deixaram de funcionar como mediadores de interesses e conflitos na sociedade, dando voz e vez à população, aos cidadãos e às organizações e aos poderes instituídos, de forma igualitária, perderam terreno para as mídias sociais e querem ganhar a parada no tapetão. A maioria dos grupos de mídia não está mais a serviço dos interesses coletivos e sociais. Os conglomerados de mídia atuam cada vez mais na defesa dos grandes grupos econômicos e empresariais que, por sua vez ditam comportamentos a políticos e governos, influenciando políticas comerciais e econômicas de nações e blocos regionais.
A grande mídia poderá vir a tomar o seu próprio veneno, ao surfar na onda da devastação dos direitos democráticos. A liberdade de imprensa corre sérios riscos de se tornar refém do “invisível”.
(Ilustrações: imagens do Google)

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