Saudades do mestre Birri
Eugênio Magno
Comunicólogo e Educador
Hoje, 13 de março de
2018, gostaria de enviar uma mensagem ao mestre Fernando Birri, que completaria
93 anos de vida, se não tivesse falecido em 27 de dezembro do ano passado.
O cineasta Wolney Oliveira me apresentou a “Fer” (como Birri assinava
suas correspondências) com quem, durante 9 anos, mantive rico diálogo que me
inspirou a um mergulho acadêmico de grande fôlego. Paulo Freire e Birri foram
sujeitos e principais referenciais teóricos da tese, Fernando Birri e Paulo Freire: educação e cinema em diálogo como
práticas da liberdade, que defendi em 2017, na Faculdade de Educação da
UFMG.
Don Fernando Juan Birri nasceu em Santa Fe de la Vera Cruz, na Argentina,
onde seus antepassados, italianos, chegaram em 1880. Ele estudou cinema no Centro Sperimentale di Cinematografia di
Roma em um dos momentos mais importantes do cinema mundial, o auge do neo-realismo e teve como mestres,
Zavatttini, Rosselini e De Sicca, dentre outros. De volta à Argentina, depois
da formação, Birri fundou a Escuela
Documental de Santa Fe, na Universidade Nacional do Litoral, em 1956, onde
realizou, junto com seus alunos, duas importantes obras da cinematografia
latino-americana: Tire dié (1960) e Los inundados (1961).
Nesses tempos de novos retrocessos
políticos em que vivemos fazer memória a Fernando Birri, que saiu do nosso país
em 1964 pelos mesmos motivos que se exilou da Argentina em 1963, me remete a
uma de suas lembranças em terras brasileiras. “Treze de março de 64 era dia do
meu aniversário, por isso não me esqueço: completava 39 anos. E, naquele dia
João Goulart fez o seu lendário discurso da reforma agrária, na Central do
Brasil, no Rio de Janeiro. A praça estava transbordante. Quando terminou o
discurso houve uma imensa ovação. Duas semanas depois veio o Golpe Militar e
Jango caiu”.
Birri saiu do Brasil e correu o mundo, levou sua arte a vários
continentes. Nos anos 1980 desembarcou na Venezuela, em Mérida e, na
Universidade de Los Andes, criou o Laboratório
de Poéticas Cinematográficas, um espaço para reflexão e crítica do Nuevo Cine Latinoamericano. Em 1986
Fernando Birri se dedicou a fundar e dirigir a Escola de Cinema de San Antonio
de los Baños, em Havana, a convite do amigo, Gabriel García Marques e do comandante
Fidel Castro.
Embora tenha alternado períodos de residência em outros países, Birri
radicou-se em Roma, onde viveu até os últimos instantes ao lado da companheira
Carmen Papio.
As semelhanças do período de exílio
de Birri no Brasil com o atual momento, não são meras coincidências. O quadro
político que se pinta aqui nos trópicos provoca uma sensação de déjà vu. Hoje, somos outros os atores e
produtores, todavia, os patrocinadores continuam sendo os mesmos. E, Fernando
Birri já não se encontra mais entre nós, virou estrela. Mas o calor da sua
chama continua a incendiar o espírito dos que lutam por uma América Latina
livre da tirania e da rapinagem.
(Este artigo também foi publicado no jornal O Tempo, de Terça-feira, 13 de março de 2018)
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