Elogio do silêncio
Eugênio Magno
Escrever
o quê Não posso escrever Não tenho palavras Minha voz murchou É só ausência A
tela cinza do micro e a página em silêncio O silêncio interior é a palavra mais
forte Futuro e passado são nada e o presente é esta síntese Procuramos tudo em
todos os lugares sem saber que o que buscamos é o nada Só o nada nos leva à
plenitude do ser Antes da nossa existência éramos nada e depois de existirmos
novamente nos transformaremos em nada O que temos então agora é um pequeno
parêntese entre o nada Portanto para ser pleno o agora também deve ser nada
Façamos um vazio no presente e seremos preenchidos pelo nada Não teremos mais
passado nem futuro e o presente será eternidade As harmônicas do silêncio devem
ser a nossa música interna o nosso compasso a guiar o nosso passo pisando o
finito em direção ao infinito O que existe já não me interessa O que vejo e o
que ouço e sinto não me apetecem Busco o que não existe O que não vejo não ouço
e não sinto Não me interessa o verso nem o inverso A ausência sim me acresce O
concreto e até o abstrato já foram descritos
O nada continua incógnito à espera de outros nada que cada vez mais o
desclassifique Não posso falar do que já existe O que existe é e ponto O que
não existe não é e reticências Gosto das reticências Tem gente que confunde
reticências com interrogação Interrogação é linguagem dos cientistas
reticências é linguagem de poeta Vírgula travessão também o são Até o ponto e
vírgula é linguagem de poeta Exclamação serve às linguagens precisas da
informação da certeza e da tola admiração Não tenho certezas não busco verdades
Elas não existem por aqui Ir talvez seja voltar mas os iludidos vão na certeza
de encontrar o fim Estou aprendendo a cultivar os nada A buscar o antes do
início A matéria-prima do que existe é verdadeira criação o que fizeram dela é
manipulação transformação A linguagem precisa precisa ser reinventada Ela já
não diz mais porque diz muitas coisas que são e nós precisamos dos nada Somente
o vazio e o silêncio da descida ao abismo do nada nos levará ao todo de tudo À
presença do que sempre tem sido ausência Não posso continuar a escrever Não posso
falar Não posso continuar a quebrar o silêncio As palavras já existem ou como
dizia o poeta Drumond os poemas já estão prontos à espera de quem os encontre
.
(Do livro Minas em Min, 2005, pág. 38)
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