A Escola Básica interroga a Universidade
Em boa parte dos discursos e das representações que buscam relacionar a escola básica e a universidade no Brasil o que se ressalta é, em boa medida, os antagonismos. Já há muitos anos que os professores das universidades explicitam que a escola básica brasileira não prepara bem os alunos para as exigências que lhes serão impostas no ensino superior. De outra parte, é amplamente sabido e divulgado o diagnóstico de que a universidade brasileira, desde há muito tempo, se distanciou da realidade da escola básica e, de um modo geral, da própria realidade do país. A imagem metafórica de uma torre de marfim, distante das vicissitudes mundanas, para representar a universidade, é eloquente neste sentido.
Sabemos que essa representação dicotômica da relação entre a universidade e a sociedade e, de modo particular, entre a universidade e a escola básica, é apenas parcialmente verdadeira. Por um lado, as universidades sempre foram, desde os seus primórdios, espaços de produção de conhecimentos e de sensibilidades que se distanciavam da vida cotidiana do conjunto da população. Por outro, foi essa característica que fortaleceu essas instituições como centros intelectuais capazes de questionar o passado e o presente e, de certa forma, antecipar, intelectual ou idealmente, o futuro.
É, por isso, necessário pensar que, apesar da tensão que sempre presidiu e, ao que parece, presidirá, a relação entre a universidade e a escola básica, há uma relação de necessária colaboração entre essas instituições. Tal relação, historicamente, tem contribuído para um enriquecimento da experiência dos alunos e dos professores da escola básica brasileira e, mesmo, para um crescente e salutar desconforto da universidade em relação às suas possíveis contribuições a essa nível de ensino.
Nos últimos meses veio à tona uma das faces muito visíveis da relação entre a universidade e a escola básica no Brasil por ocasião das discussões das Bases Nacionais Curriculares. Apesar de integrar uma política de governo, a versão inicial das Bases Nacionais Curriculares foi, no entanto, uma ação de responsabilidade principal de professores e pesquisadores das universidades brasileiras.
Como entender a polêmica em torno da Base Nacional Curricular? Estariam os pesquisadores e professores que foram responsáveis por sua elaboração, distantes dos reclames da sociedade no que diz respeito aos conteúdos que precisam ser ensinados na escola? Estariam as elaborações distantes do universo cotidiano e mediano dos professores, alunos e familiares das escolas básicas brasileiras? Ou, diferentemente, esses debates refletiriam fraturas existentes entre os próprios especialistas acerca daquilo que deveria ser ensinado na escola básica no Brasil?
Independentemente de qual seja a nossa resposta às indagações acima, o certo é que a escola básica brasileira vem, crescentemente, interrogando a universidade, seja no que se refere à própria formação de professores, seja, de um modo mais profundo, acerca dos modos de compreensão do que são os conhecimentos relevantes o bastante para serem ensinados na escola. Não menos evidente é o fato de que, nesta interrogação estão, também, embutidos questionamento acerca dos modos de legitimação ou não dos conhecimentos nas complexas sociedades contemporâneas. Nesse sentido, afirmar que isto ou aquilo merece ou deve ser ensinado na escola básica não é, definitivamente, um ato ingênuo ou despropositado.
O exemplo das discussões da Base Nacional Curricular não é, nem de longe, algo isolado. Assim como a universidade, por meio de suas ações de ensino, pesquisa e extensão, questiona continuamente a escola básica, não é menos verdade que da escola básica, de seus professores e gestores, partem continuamente interrogações acerca da universidade e de seus modos de interagir com o mundo social.
É preciso que estejamos atentos às tensões e as colaborações que presidem as relações entre as universidades e a escola básica brasileira. Sobretudo, é preciso que estejamos atentos às interrogações que a escola básica faz à universidade como centro de pesquisa e de formação de professores.
(Fonte: Boletim Pensar a Educação em Pauta)
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