Democracia
fala mais alto e governo baixa a bola
Eugênio Magno
A reprovação do governo Bolsonaro é alta e cresce
na crise, mesmo entre os brasileiros que receberam o auxílio emergencial. Mas a
luta contra o obscurantismo desse governo ainda não chegou ao fim. A batalha
tem sido renhida.
As disputas por votos e os embates entre
familiares, amigos, colegas de trabalho, de escola e contatos de redes sociais,
durante as eleições de 2018, foram intensas, polêmicas e polarizadas a extremo.
O que era para ser pontual, datado, em um momento de disputa política
acalorada, se estendeu por um longo tempo e ainda tem dado pano pra manga. Até poucos
dias atrás ainda éramos vítimas constantes do encaminhamento de mensagens
apócrifas, replicadas nas redes sociais, alardeando a cura miraculosa do novo
coronavírus, demonizando a política e atacando a educação, a cultura e os
poderes da república.
É com tristeza que assistimos a
irresponsável politização da pandemia. Quantas vezes tivemos que recorrer a
textos da Organização Mundial de Saúde (OMS) e à opinião de cientistas para
esclarecer os desinformados que o coronavírus foi batizado
com esse nome desde o início dos anos 2000 e que é bem provável que o vírus até
já existisse antes disso sem um nome que o identificasse. Era e continua sendo
necessário ressaltar que estamos vivendo a pandemia do novo coronavírus (COVID-19).
A China, os Estados Unidos, o Brasil, o mundo, todos sabiam de sua existência,
como sabiam que o vírus sofreu mutação e, por falta de controle, voltou com
altos índices de letalidade em todos os continentes. Não existem testes suficientes,
nem equipamentos e medicamentos para combater a doença, assim como ainda não existem
fármacos para imunizar a população mundial. Os especialistas afirmam que uma
vacina para ser validada necessita de, no mínimo, dois anos de aplicação em
massa, para fazer parte de um protocolo internacional de saúde. Mas o
hipercapitalismo oportuniza sempre o lucro para os detentores do poder e do
capital, reforçando esse famigerado pacto pela desigualdade que persiste entre
nós e, em tempos de pandemia se intensifica empurrando os mais pobres para a
morte. São vexatórios os flagrantes da corrupção praticada por agentes públicos
nas várias instâncias de poder, durante a pandemia, envolvidos com
superfaturamento de equipamentos de saúde e a exploração indevida de
medicamentos e leitos de hospitais.
A crise brasileira na atualidade é
multissetorial, o que revela mais do que incompetência política e falta de
conhecimento sobre gestão pública, mas também e, principalmente, deficiência
cognitiva dos nossos dirigentes, como já apontaram alguns estudiosos. Vejamos a
questão da cloroquina, por exemplo, propagandeada e defendida pelo presidente
da república a ponto de trocar ministros da saúde como se troca de roupa em
plena crise pandêmica, em razão dos ministros discordarem da adoção do
medicamento como solução no combate a covid-19. Vários estudos revelam que esse
remédio só deve ser administrado nas doses propostas para combater o corona, em
pacientes que estejam em estado gravíssimo, pois seus efeitos colaterais são extremamente
danosos. Aliás, vale lembrar que esse medicamento não é nenhuma novidade, já é utilizado
para combater outros males, como artrite, malária, etc., há algum tempo. Não
podemos negar a existência de uma grande corrida mercadológica entre os
laboratórios da indústria farmacêutica para ver quem chega à frente com a
descoberta dos fármacos preventivos e curativos. Mas precisamos reconhecer que a
polarização política em torno da pandemia chegou ao extremo de acirrar os
ânimos entre as oposições no Brasil, a ponto dos bolsonaristas acusarem de
contra a vida, todos que se posicionaram a favor da ciência. Quanta
insensatez... Arrisco dizer que não haveria um único brasileiro que deixasse de
festejar a cura comprovada dessa doença, mesmo que o receituário fosse o portentoso
e inflacionado grão de feijão do pastor Waldomiro.
Nunca vi o Brasil tão desprestigiado e
desacreditado, interna e externamente como nos últimos tempos. Já fomos colônia,
império, subdesenvolvidos, terceiro-mundistas, passamos por ditaduras, mas
agora estamos desgovernados. Até poucos dias atrás testemunhávamos ataques
exacerbados contra os poderes legislativo e judiciário, num claro sintoma de
desespero político por parte do executivo que vinha acenando com a
possibilidade de governar sozinho, sem os contrapesos dos demais poderes da
república. Com todas as críticas cabíveis aos três poderes, não existe nenhum
registro de que o legislativo ou o judiciário tenha atacado ou ameaçado o poder
executivo. O que tem ocorrido são manifestações de membros dos dois poderes e
de vários setores da sociedade brasileira contra o chefe do executivo nacional. Existem mais de 40 pedidos de
impeachment para barrar Bolsonaro.
É preciso muito, muito mais que força e
voluntarismo para ser um chefe de estado. A Presidência da República não é para
estagiários. Além de bagagem, inteligência e maturidade política, há que se ter
o lombo curtido para ocupar tal posição. Leva-se muita pancada naquela cadeira
– e quem não as levou? Getúlio, Jânio, JK, Jango, os militares (de Castelo
Branco a Figueiredo), Sarney, Collor, Itamar, FHC, Lula (que chegou a ser
preso), Dilma e Temer (?). Agora, vem o senhor Jair Messias Bolsonaro com uma
equipe da pior qualidade, achar que pode passar ileso e que vai resolver tudo
de forma autoritária, mandando a imprensa calar a boca, sobrevoando
manifestações populares de helicóptero, ameaçando as instituições e se fazendo
de vítima de um complô? Se ele tivesse vocação para estadista buscaria resolver
as coisas de forma republicana e aceitaria os ônus do cargo. Mas o presidente e
seus correligionários sempre pareceram estar deslocados no tempo. É impossível
saber se ainda estão em 2018 ou se deram um salto temporal e já se encontram em
2022, disputando nova eleição. O certo é que o capitão venceu as eleições e
permanece com a mesma retórica de campanha eleitoral, esquecendo de que é
preciso governar e governar para todos não só para aqueles que nele votaram, mas,
inclusive e, também, para os que já se arrependeram de terem lhe dado o voto.
O que vivemos no atual momento requer
articulações suprapartidárias e comportamento republicano. Se os três poderes
não fizerem seu dever de casa e o presidente não aprender a conviver com os
contrários, que na política e na democracia é o que de mais precioso deve existir
para que não haja totalitarismos e autoritarismos nem à direita, nem à
esquerda, daremos com os burros n’água. Quero crer que o presidente tenha
tomado tento e que busca agora garantir seu mandato, sair do isolamento
político, tirar a cara da vidraça e deixar de insultar e insuflar os ânimos de
seus opositores. A indústria das fake news políticas diminuiu consideravelmente
sua produção de conteúdo após o início da investigação dos suspeitos de
gerenciar e distribuir por meio de robôs informações falsas, incitar o ódio e
promover a desinformação. A prisão do Queiroz, ao que parece, também contribuiu
para essa baixada de bola. É grande o número de milicianos digitais que, amedrontados
pela ação da Polícia Federal, fecharam seus QGs ou entraram em recesso, deixando
internautas militantes – os arautos do caos –, sem munição para seus disparos
tresloucados. São notórios os sinais de arrefecimento dos extremistas frente às
reações que começam a surgir de vários grupos econômicos e instituições republicanas,
depois das insistentes manifestações populares contra a onda que vinha
ameaçando agressiva e sistematicamente a democracia e a república brasileira.
Para além dos arrependidos – confessos e
velados –, existem os ressentidos consigo mesmos. Estes que no calor do seu
entusiástico apoio a Bolsonaro no período da campanha eleitoral se indignavam
contra o espectro político-partidário do qual divergiam e, de forma ensandecida
tripudiavam de quem não partilhava de suas convicções. Uma pequena parte desse
grupo ainda persiste na defesa do indefensável. Órfãos de uma liderança coerente
com as bandeiras levantadas durante as eleições presidenciais de 2018 e das
promessas descumpridas de construção de um novo Brasil, teimam, ainda hoje, em
defender as suas equivocadas decisões passadas, despejando todo o ódio de suas pesadas
consciências contra aqueles que não ficaram do lado errado da história. Não
estou convicto de que continuam defendendo Bolsonaro. Ouso inferir que o
orgulho não lhes permite admitir o equívoco e que se debatem na areia movediça
em que se chafurdaram.
Apesar do naufrágio iminente, a debandada total
ainda não se concretizou e a república, o estado democrático de direito, a
vida, a saúde, a economia, os direitos humanos e sociais e a liberdade estão minados
e necessitam, urgentemente, serem salvos e reconstruídos.
Mas nem tudo está perdido. Muitas ações, e mobilizações estão sendo deflagradas em todo o país, online e offline. Na semana passada, por exemplo, aconteceu um evento virtual de grande envergadura. Durante quase 5 horas, o III Ato do movimento Direitos Já, com o tema “Em defesa da democracia, da vida e proteção Social”, reuniu, algo em torno de 130 das mais importantes lideranças e personalidades da política e da sociedade brasileira, para dar um recado ao governo e à nação. Unidos na diferença, os participantes da live foram unânimes em afirmar que não há espaço no Brasil para outro regime político que não seja a democracia. E, no dia 29 de junho veio outro recado importantíssimo: Pesquisa Datafolha revelou que a democracia segue majoritária na preferência da população. Entre os brasileiros adultos, 75% - três em cada quatro brasileiros – têm a democracia como a melhor forma de governo. Será que já não é o bastante?
Este artigo também foi publicado no jornal Pensar a Educação em Pauta e no site do Centro Nacional de Fé e Política Dom Helder Câmara.
Que bom ler um texto seu, trabalhei com vc na Rádio cidade.
ResponderExcluirOlá, Raquel! Bom ter você aqui. Quanto tempo!!! Abraço,
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