Pandemônio na República Federativa do Brasil
Eugênio Magno
Quando a vida é ameaçada por um inimigo mortal, como o coronavírus, há que se dispor de governantes e técnicos preparados e ágeis para orientar e socorrer adequadamente o seu povo, de forma universal, sem acepção de qualquer natureza. Entretanto, o que temos testemunhado no Brasil é bizarro.
A falta de entendimento entre as autoridades e a disputa política em torno da pandemia que é tema do campo científico é algo vexatório. Chegou-se ao ponto de termos um presidente que, posando de médico, receita remédio em cadeia nacional e ouvirmos horrores de uma reunião ministerial. Em vídeo, recentemente divulgado, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Sales, disse com todas as letras que o governo deveria aproveitar que a imprensa só fala em coronavírus e passar toda a “boiada”: desregulamentações das reservas indígenas e de normas de exploração dos recursos naturais brasileiros, entre outros despropósitos. Ainda bem que o ministro do STF, Celso de Mello, teve a prudência de não permitir a divulgação de certos trechos da malfadada reunião ministerial, nos quais, alega o decano da suprema corte brasileira, conter afirmações que ferem a diplomacia internacional e que poderiam gerar sérias represálias ao Brasil.
Internamente, a situação do país é calamitosa: a economia vai de mal a pior, a constituição não para de ser rasgada, ao longo dos anos, governo e aliados radicais ameaçam rupturas com os poderes da república, ministros da suprema corte do país são insultados e constrangidos cotidianamente. Enquanto isso, continuamos sem testar a população para o coronavírus, corremos o risco de ocupar os últimos lugares na fila da vacina quando ela estiver disponível e galopamos na frente (atrás apenas dos Estados Unidos) em contaminação e letalidade pandêmica. Se desde o início de março tivéssemos cumprido os protocolos recomendados pelas autoridades mundiais de saúde já teríamos maior controle sobre a contaminação. Certamente não atingiríamos essa triste marca de mais de 33 mil óbitos, nem tampouco ocuparíamos as constrangedoras primeiras posições em contaminação e mortes pela covid-19 (dados do início da semana). Isso, sem que a doença tenha chegado ao seu pico em nosso país.
São tempos difíceis que precisam ser enfrentados com mais inteligência e disposição cooperativa, patriótica também; mas, sobretudo, humanitária. Contudo, o obscurantismo grassa no governo e, pelo menos, 30% da população brasileira ainda não acordou do delírio coletivo a que se submeteu servilmente, de forma néscia, nos últimos quatros anos, trocando o que não ia bem pelo pior. A Organização Mundial da Saúde (OMS) já informou aos desavisados que o novo coronavírus é de origem natural e não uma criação de laboratório. Muito menos tem nacionalidade, como andou sendo especulado por certos arautos do caos. As imagens do vírus aparecem na maioria das publicações na cor vermelha, mas o corona não é comuna e, embora, tenha surgido em Wuhan, não tem cidadania chinesa. E mais, a China não é comunista, nos moldes do que foi a União Soviética, no passado. A República Popular da China pratica o chamado capitalismo estatal. Sua economia é tão capitalista quanto a estadunidense e, a propósito do hipercapitalismo, vale lembrar que as implicações mais dramáticas do novo coronavírus, para os grupos de risco, o povo e as nações mais pobres, têm origem justamente na mão invisível do livre mercado. Esse senhor, sem nome e sem rosto, e todo poderoso é quem inviabiliza o acesso de uma expressiva parcela da população mundial infectada, aos equipamentos de tratamento que estão sendo disputados a peso de ouro. E no que diz respeito à prevenção, mais uma vez é o fator econômico e a concentração de riquezas que aparecem como definidoras das condições de saúde e higiene das populações mais vulneráveis a contaminações de toda espécie.
No caso do Brasil, além da própria questão pandêmica que por si só já é bastante trágica e complexa, estamos mergulhados em uma crise sem precedentes na história recente de nosso país. Em outros períodos históricos, vicissitudes de grandes proporções como esta funcionaram como cortina de fumaça para escamotear instabilidades de várias naturezas. De modo reverso, agora, o coronavírus colocou uma grande lupa sobre as entranhas das nossas instituições e, como se não bastasse essa visão horripilante, não há perfume que dê conta de disfarçar a inhaca que infesta nossa atmosfera tropical.
Aliás, por falar do ar que respiramos, aproveito para ressaltar aqui uma virtude do povo brasileiro, sempre presente em momentos decisivos, a sua criatividade. Uma das primeiras e principais medidas de proteção e prevenção contra a contaminação do vírus não veio de nenhum setor especializado. Ao arrepio da indústria, do setor sanitário e da lassidão e imperícia do governo de plantão, a gente simples do povo paramentou a população com máscaras caseiras, artesanais, customizando – inclusive – esse novo adereço, que ao que parece, veio para ficar por um bom tempo entre nós. Não faltaram tutoriais nas redes sociais ensinando a confecção dos mais variados modelos da proteção, utilizando de uma ampla gama de materiais.
Mas isso, apesar de sua importância, é só um pequeno detalhe. Afinal, é muita histeria pra uma gripezinha. Será que já chegamos ao fundo do poço ou o pior ainda está por vir?
O artigo também foi publicado no jornal Pensar a Educação em Pauta.
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