domingo, 20 de outubro de 2019

O APOGEU DA VILANIA




Onde estão os nossos heróis?

Geovana Ramos Martins
 (Cientista Social pela Universidade Federal de Minas Gerais,
professora da rede pública do Estado de MG)

Mahatma Gandhi, Martin Luther King, Madre Teresa de Calcutá (Santa Teresa de Calcutá, canonizada no dia 4 de setembro de 2016, pelo papa Francisco). Na minha memória tenho uma lembrança viva de quem foram, o que fizeram e o que representam. Gandhi: a revolução sem armas, sem violência, por ideais de paz e liberdade. Martin Luther King: o direito civil dos negros e uma campanha que não pregava o ódio. Madre Teresa: mulher, que embora pequena e frágil, só queria saciar a sede do Cristo no irmão necessitado.
Quem são os heróis hoje? Onde estão? Em quem se pode espelhar? Onde deve se buscar a verdade? Como encontrar respostas? O que é a vida? Não a vida virtual, resposta programada pelo Google, verdade que aliena e aprisiona, reflexo narcísico de desejos e satisfações. As pessoas estão adoecendo, as clínicas psicoterápicas estão lotadas, a cada dia novas doenças são descobertas, transtornos afetam crianças em todo o mundo, lares de idosos aumentam em proporção assustadora, consumo excessivo de álcool, drogas e sexo desenfreado, uma caçada obsessiva por emoção, aventura, prazer, excitação...
Busca-se em vão preencher o vazio: trocamos crianças por pets, os pais e a família pela carreira, podcasts pela leitura de um bom livro, o encontro com os amigos pela vida virtual (Facebook, Whatsapp, Instagram, Twitter), eximimo-nos da responsabilidade de educar as crianças. O que era apenas meio (objeto utilizado para diferenciar os valores das coisas) tornou-se o fim em si mesmo. Queremos possuir cada vez mais, bens materiais: a casa maior, o carro do ano – só um não basta –, a última geração de smartphone, os óculos da moda. Enganamo-nos acreditando que isso nos trará felicidade e irá preencher o vazio da existência. Praticamos ações sociais para ser cool; nossa privacidade é hackeada. Tornamo-nos suscetíveis a diferentes formas de invasão e alienação. Vivemos fatigados com o transporte público, o trânsito, os telemarketings, os hospitais e escolas, a indigência, os nossos governantes, a violência, a política, a xenofobia, as igrejas... Quais são os valores e virtudes de um homem e uma mulher de bem?
Temos um presidente eleito por menos da metade do eleitorado brasileiro. Será que no imaginário dessas pessoas havia a crença de que Bolsonaro poderia ser um herói? Se não somos capazes de pensar por nós mesmos, ao menos, vejamos o que o mundo – digo o mundo e, não os Estados Unidos – dizem sobre o nosso presidente (?). Olhem as ações racistas e neoliberais de um governo subserviente aos interesses estadunidenses que a todo instante põe em risco a soberania nacional, liquidando todo o patrimônio público brasileiro. A privatização das estatais e a desindustrialização do Brasil gera o caos: desemprego, miséria e fome. O que deveria ser “um governo para todos”, revelou-se uma organização que torna ainda mais ricos os ricos e cada vez mais pobres os mais pobres. Vivemos o apogeu do capital improdutivo. Praticamente, só os rentistas ganham. A nós cabe apenas pagar, cada vez mais caro, combustível, vida na cidade, plano de saúde com cobertura mínima e valores exorbitantes, educação dos filhos, impostos, luz, água, telefone e alimentos contaminados (enxertados de hormônios e empesteados de agrotóxicos e transgênicos) que são empurrados goela a baixo, em razão da falta de opções para a aquisição de algo mais natural.
É “terapêutico” ir aos shoppings e aos grandes mercados, e nos iludir com a possibilidade de que a posse de determinado produto irá nos trazer a tão almejada felicidade, quando na realidade estamos contribuindo para o aumento do consumo e, consequentemente, dessa lógica irracional de produção à custa da depredação do meio ambiente. Desmatamos, produzimos uma quantidade absurda de lixo, que acreditamos estar sendo reciclados quando na verdade não sabemos verdadeiramente qual será o seu destino. Não nos preocupamos com o consumo desarrazoado de água, com as queimadas, a poluição... e o nosso planeta, chora e geme, em dores de parto, na espera de um novo dia. Da primavera, ou seria, de outros natimortos? Os animais expulsos das florestas invadem as cidades e em uníssono clamam a nós por socorro. Tempestades, trovões, terremotos, maremotos, tsunamis... o que mais esperar? Quando isso tudo vai parar?
Na contramão da lógica produtivista pequenos grupos se mobilizam, na busca de formas alternativas de vida no planeta. Ambientalistas, autoridades religiosas, estudantes, populações indígenas e ribeirinhas unem-se em defesa da vida na Terra. A juventude bravamente desponta no noticiário mundial, denunciando os abusos das autoridades governamentais e empresariais, retrógadas e autoritárias. Novas escolas e pensadores se insurgem contra a barbárie.
Eu, aposto sempre nas crianças. Na necessidade urgente que temos de olhar para as crianças e zelar pelo seu devir. Elas têm a capacidade transformar o mundo, se forem educadas por meio de valores e virtudes: humanos, sociais, ambientais, culturais e espirituais.
Já é tempo de unirmo-nos em prol dessa causa, encontrando-nos com nós mesmos em nossa humanidade e descobrir a palavra que cada um de nós veio dar ao mundo. E que a nossa palavra seja plena de vida, amor e paz. Abramos nossos olhos, rasguemos os nossos corações e despertemo-nos enquanto há tempo.
O artigo também foi publicado no Jornal Pensar a Educação, Pensar o Brasil.

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