O ócio compulsório
Eugênio
Magno
Não vou fazer nenhum
trocadilho infame com o título do livro O
Ócio Criativo, do especialista em sociologia do trabalho, o italiano
Domenico De Masi. Mas vou falar um pouco sobre o ócio compulsório em que fomos
submetidos. Trata-se de uma constatação do estado das coisas no mundo do
trabalho e os desdobramentos disso em todo o globo e, especialmente, em nosso
país.
Até por volta dos anos 1980 quando
sociólogos, pensadores e futurólogos anunciavam o porvir, nos acenavam para uma
era em que os trabalhos repetitivos e maçantes seriam desempenhados pela
máquina. Líamos e ouvíamos, com entusiasmo, que os trabalhadores teriam mais
tempo para dedicar à família, aos esportes, à arte a um hobby, ao lazer. Enfim
a cultivar o ócio, tão caro aos gregos na antiguidade. Só não profetizaram que
todas essas “bençãos” da era tecnológica, viriam acompanhadas de desemprego e,
consequentemente, falta de dinheiro, renda e de uma diminuição substancial do poder
de compra. Com o aumento das horas ociosas e da oferta de lazer inacessível, o
que era antes chamada classe trabalhadora, são agora os novos pacientes de
psicólogos e psiquiatras e a clientela cativa da indústria farmacêutica.
Vítimas da depressão, da psicose, do pânico, do alcoolismo, da obesidade, do
sedentarismo e de várias compulsões, têm no cloridrato de fluoxetina, no Rivotril,
nos ansiolíticos, em uma gama enorme de tarjas pretas e no álcool (para falar
apenas de algumas das drogas legalizadas), o seu consolo. Isso para os que ainda
dispõem de algum recurso e encontram o apoio da família e a solidariedade dos
amigos. Outros – a grande maioria – têm pior sorte. Entram no crack e no tiner,
quando não se precipitam dos edifícios ou utilizam de outros expedientes
letais, para dar cabo ao pesadelo que veio na garupa dos novos tempos.
O que era trombeteado como futuro se tornou presente
rapidamente e habita entre nós. A máquina do tempo foi turbinada e o
futuro chegou como aquelas visitas que, embora anunciadas, chegam adiantadas. Sem
que haja tempo para reabastecer a despensa, arrumar a casa, encomendar os
quitutes, preparar o quarto de hóspedes... Hóspedes não, porque o
futuro-presente não é turista, é um novo morador. Ele veio para ficar e, por
incrível que pareça é bem vindo. Seus arautos é que nos enganaram com promessas
fakes. Parte da bagagem e da entourage
desse novo morador é que constituem obstáculos e incômodos, são personas non gratas.
Centros do poder político mundial, teleguiados por uma
extrema-direita pouco lustrada, formada por neoliberais, adeptos do rentismo, deram
vazão a uma onda negacionista, autoritária, inflada de ódio, ressentimento e
intolerância desarrazoada, contra a qual temos que bradar e resistir – à força,
se necessário for –, para que o desmanche civilizacional não seja completo.
Muito mais do que triste é revoltante e repugnante testemunhar, ainda que em
combate, a perda de princípios iluministas e de outras tantas e importantes
conquistas científicas, tecnológicas, sociais e de um humanismo ético e
cidadão, ancorado em valores democráticos e republicanos ainda tão tenros e
carentes de aperfeiçoamentos. Nosso presente e o futuro próximo estão muito
comprometidos por essas forças retrógradas que acabaram encontrando eco onde
não se esperava.
As elites atrasadas, apoiadas por uma classe média
ascendente iletrada, mal informada e deformada por uma educação de baixíssima
qualidade e uma licenciosidade artístico-cultural aviltante, resultado de populismos
de todos os matizes, dos excessos identitaristas e dos modismos da hegemonia
digital, impôs uma agenda tresloucada, de ponta-cabeça. Os capitães do mato
contemporâneos são os workaholics que
ocupam todos os turnos de todos os postos de trabalho. Têm ao alcance de suas
mãos, telas e comandos poderozíssimos, mas atuam como robôs. Não possuem nenhum
conhecimento das humanidades, não pensam, foram e são pensados, mentorados por coaches e influencers e, com o mesmo automatismo que acionam botões que movimentam
a máquina contra seus pares, são acionados pelos detentores dos meios de
produção cibernéticos e do capital.
Não nos enganemos, a humanidade está dividida entre
uma faixa mínima (não chega a cinco por cento) da população mundial que
controla a vida e a riqueza no planeta, uns poucos que trabalham muito e ganham
altos salários para fazer a roda girar, um grupo de trabalhadores precarizados
que fazem os serviços subalternos essenciais, uma fração populacional dividida
entre trabalhadores especializados e intelectuais que estão sendo descartados, contraditoriamente,
em razão de suas competências e qualificações e mais outro tanto de invisibilizados
que, apesar de ser maioria, não aparecem mais nem como números, estão sendo
substituídos pelos que estão vendendo até suas horas de sono e não mais se
solidarizam com os seus iguais, pois já perderam até mesmo o amor próprio.
Aqui estamos, diante do futuro, esse
presente que ganhamos desembrulhado, como um contêiner de suprimentos lançado
do alto e que se abriu. Não houve o ritual de entrega: a leitura do cartão, o
desatar dos laços da fita, o desenrolar do embrulho e a cerimoniosa abertura da
caixa. Ele, esse futuro, também não veio com manual de instruções. A
expectativa era muito grande e a surpresa foi além da conta. A entrega foi muito
rápida e maior do que a encomenda.
O que fazer... (?).
Haja criatividade para tanto ócio. Certamente
não vamos sucumbir diante dessa situação-limite. Afinal, podemos e devemos usar
o ócio para aprofundar o conhecimento de nós mesmos – forças e fraquezas –, nos
aprimorarmos. Fazer um diagnóstico preciso do presente e uma análise
conjuntural objetiva da realidade, nos organizar mais e melhor para, dentre
outras ações vitais, recuperar nossas posições usurpadas pela impostura dos que
sempre estiveram ocupados demais para pensar e agir de forma inteligente e
consciente.
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