quinta-feira, 5 de novembro de 2020

CONSTITUIÇÃO NÃO É PANFLETO


Ulysses Guimarães ergue a Constituição Cidadã, promulgada em 5 de outubro de 1988, símbolo de redemocratização nacional (Acervo MDB-BA)


 Nova Constituinte, um projeto a ser construído*


Eugênio Magno 


Os progressistas, em toda a América Latina, têm razões de sobra para comemorar os últimos acontecimentos em nosso continente. No Chile, 78% da população aprovou em plebiscito a mudança de sua Constituição, numa clara demonstração de rejeição a atual constituinte que remonta à ditadura de Pinochet. A população chilena também deseja por fim ao modelo econômico capitalista neoliberal que desde os anos 1980 vem destruindo as políticas sociais daquele país. Já na Bolívia, Luis Arce Cataroca, considerado pupilo de Evo Morales, de quem foi ministro, venceu seu adversário, Carlos Mesa, com uma vantagem de 20%. E isso é muito bom, para o Chile, para a Bolívia e para animar o povo latino americano e, especialmente, para nós brasileiros a continuarmos na luta pela reconquista dos direitos perdidos nos últimos anos. Mas é bom que nos acautelemos. O buraco aqui é bem mais embaixo e uma nova constituição é um projeto – de médio prazo –a ser construído. 

Se não, vejamos: na esteira desses importantes fatos, o líder governista brasileiro, na Câmara dos Deputados, Ricardo Barros (PP-PR), propôs, dias atrás, um plebiscito para a elaboração de nova Constituição para o país. Até aí, nada de mais. Aliás, às vésperas das eleições de 2006, em artigo intitulado “Cidadão constituinte”, no jornal O Tempo, elogiei o breve aceno do então presidente, Lula, na direção de convocar uma nova Carta Magna. O projeto morreu no seu nascedouro. E aquele era um momento em que tínhamos reais condições para tal. Poderíamos até avançar para uma Democracia Social Participativa. À época o que eu defendia era uma Assembleia Nacional Constituinte Exclusiva – específica para votar a tão esperada reforma política –, formada por cidadãos, sem a presença de parlamentares (com mandato), porque eles dificilmente votariam contra seus interesses particulares. Se naquela ocasião uma ação política de tal envergadura requeria um protagonismo que o Congresso Nacional não podia nos oferecer, imagine na atualidade (?). Não temos clima favorável para isso agora. 

Não obstante as defesas em contrário é inegável o fato de que a Constituição Cidadã, de 1988, que tantos avanços sociais garantiu em sua letra, carece de uma ampla e competente revisão para que a prática de seus enunciados seja uma realidade concreta. Entretanto, não podemos esquecer que a plena consolidação de um Estado Democrático de Direito, infelizmente, é anseio de apenas um pequeno extrato da sociedade brasileira que, mais politizado, luta pelo aperfeiçoamento das instituições. A maioria da população, alijada do debate político compulsoriamente – no passado, pelos vários anos de ditadura e, no presente, pela dominação econômica, alienação cultural e obscurantismo do atual governo –, demonstra pouco interesse em participar de forma engajada na discussão dos grandes temas nacionais. No que diz respeito às questões dos mandatos públicos, constatamos com perplexidade que pouco vale o exercício do voto para um eleitor que mal conhece o sistema político partidário e eleitoral do seu país. 

A ideia de uma nova constituição vem crescendo e o presidente, Bolsonaro, que de bobo não tem nada, já começa os movimentos de regência, com sua inseparável caneta Bic, orquestrando seus asseclas nessa direção. Atentemos para alguns dos argumentos do deputado, Ricardo Barros, ao defender a convocação de uma nova constituinte: “Precisamos escrever mais deveres”. Segundo ele, a Constituição Federal, “só tem direitos”, “... tornou o Brasil ingovernável”. E os governistas jogam, no mínimo, com três forças: a aprovação do governo, que ainda é significativa; a desinformação da massa, que representa grande parte do seu eleitorado e a esperteza dos lacaios da sua base de apoio, dentro e fora do governo. Por essas e outras, o melhor é colocar as barbas de molho, ou como dizem nuestros hermanos argentinos: Ojo! 

Alguns setores das esquerdas têm de superar o ingenuísmo cirandeiro. Ação política transformadora não se efetiva com o soprar dos ventos, ainda que seja um bom vento-sul. A resposta democrática dos nossos vizinhos ameríndios não deve ser tomada como um sinal dos tempos e sim como exemplo de luta para mobilizar a participação popular para a construção de projetos concretos e realizáveis. Não nos esqueçamos de que para seguirmos a mesma trilha necessitamos de sujeitos coletivos dispostos e em condições de fazer essa articulação. Mas, é bom lembrar que, infelizmente, no atual momento, os partidos políticos e as principais lideranças nacionais que dispõem de recursos e capilaridade para fazê-la, estão em outra vibe. 

O cenário que se nos apresenta é desafiador. Além da falta de projetos, carecemos de atores sociais experientes, com competência, coragem, ética, honradez e, sobretudo, desapego pessoal suficiente para protagonizar o que queremos e precisa ser (re)construído no Brasil em caráter de urgência urgentíssima. 

* Este artigo também foi publicado no jornal Pensar a Educação em Pauta.

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